Cerveja, choro e gol: como 'happy hour' fez Baptistão deslanchar no Santos
O relógio marcava 19h quando três amigos chegaram para o happy hour. Não demorou até que uma Original enchesse os três copos americanos. Naquele dia, porém, não havia motivos para brindar.
Sentado em uma cadeira de plástico, Léo Baptistão respirava fundo. Fora preciso muita coragem para estar ali com dois amigos de infância. Nos últimos meses, Léo havia declinado seguidos convites para vê-los. A vergonha o impedira.
Pouco mais de seis meses antes dessa conversa, o Santos anunciara, com pompa e recado de Neymar, Léo Baptistão como o mais novo reforço do time. Em situação difícil na temporada, Léo recebeu mensagens de amigos desejando sorte e depositando nele expectativas de que tudo melhorasse no clube.
E não foram poucos que entraram em contato com Léo. Nascido e criado em Santos, além de santista de coração, o jogador estava voltando para casa e para perto de seus parentes, amigos e conhecidos. Quando entra em campo na Vila, ele já sabe para onde olhar nas arquibancadas, sabe onde os seus ficam. E talvez o problema maior tenha residido aí.
Sob tantos olhares e expectativas, Léo não conseguia engrenar. Aos 29 anos, o atacante que fez carreira na Espanha e passou por times como Villareal e Atletico de Madri não conseguia mostrar seu futebol com a camisa que tanto sonhara vestir quando garoto.
O Santos seguiu em crise. Léo não havia conseguido mudar o destino do clube naquele ano e ainda acumulava problemas que o obrigavam a visitar o Departamento Médico com frequência.
O jogador, então, se fechou. Conversava com a mulher e os pais, chegou a falar com a psicóloga do Santos, mas não conseguia fugir da autocobrança extrema. Parou de sair de casa. Não queria ver nem mesmo os amigos mais próximos. Sentia que estava decepcionando a todos.
Naquele happy hour, porém, Léo engoliu o orgulho, desabafou e não conseguiu conter as lágrimas. Fanáticos pelo Santos, Rodolfo Correia e Ulisses Vassão escutaram cada palavra com o mesmo carinho de quando estiveram com o amigo no dia da assinatura do contrato com o Atletico de Madri, em 2013.
Foi naquele dia que o atacante Léo Baptistão entendeu o que estava lhe atrapalhando. Compreendeu que precisava tirar o gol da cabeça. Que a responsabilidade por melhorar a fase do seu amado Santos não era somente dele. Que ele, como reforço comemorado pelo torcedor, não precisava se destacar individualmente.
E foi assim que, na partida seguinte, Léo Baptistão marcou seu primeiro gol pelo clube do coração.
"A partir daí eu comecei a deslanchar. Tirei um caminhão das minhas costas e as coisas começaram a fluir. Era tudo que eu esperava: render aqui no Santos. Estou tentando manter. Lógico que vou ter altos e baixos, mas acho que estou fazendo mais jogos bons do que ruins. Vou tentar seguir bem", contou em entrevista exclusiva ao UOL Esporte.
Outro jogador
Léo Baptistão chegou ao Santos em agosto de 2021, estreou em setembro e participou de sete partidas consecutivas. Ele não fez gol, não deu assistência e teve séria lesão na panturrilha em outubro. O atacante só voltou na última rodada do Campeonato Brasileiro, em dezembro, quando foi vaiado no empate em 1 a 1 com o Cuiabá na Vila Belmiro. Acostumado a apoiar ou criticar como torcedor do Peixe, Baptistão era vidraça no seu time do coração.
Léo tentava justificar as atuações ruins com a readaptação ao Brasil após 13 anos no exterior e apostava na pré-temporada 2022 para desencantar. Só que notícias ruins vieram logo nos primeiros treinos.
Baptistão fez gols em amistosos de preparação antes de trauma no joelho e lesão na coxa. A estreia foi adiada, ele virou reserva e seguiu sem fazer gols nos quatro primeiros jogos de 2022. Foi quando chegou a "cerveja mágica".
Depois de desabafar com os amigos e tirar o peso das suas costas, Léo Baptistão fez seu primeiro gol no empate em 3 a 3 com a Ferroviária. Após não balançar as redes em 12 jogos, ele fez três em quatro partidas e virou outro jogador.
Baptistão se firmou, virou titular absoluto e soma sete gols e três assistências em 29 jogos na temporada. Ele já atuou como ponta pela direita, ponta pela esquerda, meia e centroavante.
"Rapaz, eu gosto é de jogar [risos]. Em qualquer posição. Eu me sinto mais confortável nas pontas, tanto na direita quanto na esquerda, onde eu tenho melhor rendimento. Mas o que importa é jogar e, principalmente, ajudar o Santos depois de tudo que aconteceu."
É... Baptistão!
Santista de nascença e criação, o centroavante não pensou duas vezes antes de dizer sim para seu clube do coração. Ele deixou de lado uma proposta do Inter que estava muito bem encaminhada, para realizar seu sonho de retornar à Baixada Santista e ficar mais próximo de seus familiares e amigos de infância. Nem mesmo retornar à Espanha e ganhar o triplo do que recebe atualmente fez os seus olhos brilharem. A meta dele era ouvir seu nome ser cantado em uma Vila Belmiro lotada.
É poder olhar para a arquibancada e encontrar seu antigo grupo de amigos junto de sua esposa e se sentir em casa. Em contrapartida, não é um mar de rosas ser torcedor desse time, sobretudo quando está em má fase. Na história recente, o Peixe substituiu seu treinador cinco vezes por motivos variados: flertou com a zona de rebaixamento, faltou adaptação, os resultados que não embalaram, além da parte técnica e tática ter ficado a desejar. E Baptistão sente, mais do que nunca, na pele o que é ser Santos.
Nos momentos ruins, sofre igual aos que estão nas arquibancadas. E o pior: sequer pode xingar ou cobrar mais forte algum companheiro de equipe, coisa que provavelmente faria se fosse um mero torcedor.
"O lado ruim é que eu sofro igual santista, né? E pô, não posso mandar ninguém ir se ferrar [risos]. São todos companheiros além de mim. Então estar lá no campo e sofrer igual santista é complicado. Mas tem mais lado positivo do que negativo nisso. É um sonho pra mim, jogar na Vila, fazer gol. Cantarem meu nome, é sensacional", conta.
Experiência única
Acostumado com a rotina corrida do futebol, que se divide em treinos, viagens, concentração e jogos consecutivos, Baptistão precisou desacelerar em 2020 por causa do isolamento pela covid-19. Na época, o jogador estava na China, atuando pelo Wuhan. E foi tudo uma grande novidade para ele, a começar por quando ele desembarcou e sequer teve a chance de adentrar o aeroporto. As malas foram entregues na pista e ele foi prontamente encaminhado para o hotel, onde ele teria que ficar 14 dias isolado.
Um perrengue, já que sua rotina agitada não o permitia descansar por um período tão longo. O jeito era inventar coisas para fazer, porque ele não tinha acesso ao Youtube e Netflix, e o Instagram e Whatsapp eram bem lentos.
Sendo assim, ele se apegou à leitura, videogames e a cuidar do corpo. O que ele não esperava era viver uma experiência única. Para ocupar seu tempo, o jogador buscou algumas dietas diferentes do que estava acostumado, muito mais restritas. O resultado fez ele entender melhor como funcionam os alimentos em seu corpo. Ele conseguiu descobrir o motivo das inflamações, as soluções para elas e até o que digeria melhor ou não.
"Começamos a baixar livros. Minha esposa fez curso de coach. Fomos focando na parte intelectual. Cuidei muito do meu corpo. Fiz uma dieta bem restrita, consegui entender melhor meu corpo. Esse autoconhecimento foi muito bom para mim. Além da parte financeira foi o autoconhecimento", disse.
Vai renovar?
Léo Baptistão tem contrato até maio de 2023. Dentre os considerados "titulares absolutos", ele é o único com vencimento a terminar em menos de um ano.
Não há, até a publicação desta matéria, negociação em andamento para renovar. A diretoria do Santos entende que esse momento chegará em breve. Aos 29 anos, Baptistão deseja ficar por mais tempo.
O estafe do atacante afirma que a conversa pela permanência não deve ser difícil e aguarda pelo contato do Peixe. A ideia é fazer um contrato longo após tanto tempo fora do Brasil.
Léo Baptistão é santista, é da cidade de Santos e está feliz no Peixe. Não deve haver motivo para saída.
"Eu nem cheguei a pensar nisso ainda, estou muito focado nesse Brasileirão, no rendimento do grupo e no meu próprio, lógico. Isso não depende só de mim, lógico que minha opinião é o que vai prevalecer, mas decido isso em conjunto. Lógico que estou feliz aqui, na minha cidade, e jogando nesse manto sagrado. A tendência é que eu diga sim, com certeza."
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.