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O que há por trás da ameaça da associação de árbitros de parar Brasileirão

Ednaldo Rodrigues e Salmo Valentim se encontraram presencialmente em 2021 Imagem: Reprodução

Do UOL, no Rio de Janeiro

12/08/2022 04h00

Não bastassem o desempenho controverso dos árbitros no campo e no VAR, há uma guerra declarada da Associação Nacional de Árbitros de Futebol (Anaf) com o comando da CBF. Cortes de dinheiro e ameaça de greve não concretizada foram alguns dos elementos presentes na relação, agora à distância, entre as duas partes.

Salmo Valentim, presidente da Anaf, chamou Ednaldo Rodrigues, que comanda a CBF, de "traidor". Enquanto a entidade ignora as críticas da Anaf e não quer ter relações com ela, a associação promete dar trabalho à CBF na Justiça — comum e desportiva.

Em 11 de julho, a Anaf divulgou nota conclamando os árbitros para uma greve geral. O tom era bélico. Dizia que Ednaldo presta "desserviço" à arbitragem porque cortou o repasse financeiro: R$ 30 mil mensais. Salmo alardeou uma reunião com árbitros para organizar a greve, mas o futebol não parou.

A CBF questiona o nível de representatividade da Anaf no quadro nacional, especialmente entre os que estão na Série A. O UOL conversou com alguns árbitros. Em condição de anonimato, pelo menos três que são do quadro da Fifa dizem que a Anaf não os representa e que não pagam o sindicato. À vista, a anuidade de quem é Fifa custa R$ 1.090,80. O valor para integrantes do quadro A e B é de R$ 654,48.

A CBF já disse que "menos de 10%" do quadro nacional atual — que totaliza 642 árbitros e assistentes — contribui financeiramente para a Anaf. Salmo, por outro lado, alega ter algo na casa dos 250.

O cenário atual foi deflagrado a partir de abril de 2022, quando a CBF deixou de fazer os repasses. O último depósito foi em março. O pagamento era uma "tradição" que vigorava desde 2007, em valor menor, inicialmente como parte de um contrato com a Penalty, antiga fornecedora do uniforme dos árbitros. De 2011 em diante, a CBF passou a incorporar o compromisso, independentemente do acordo com a fornecedora.

Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF Imagem: Thais Magalhães/CBF

Internamente, a CBF considera que não precisava mais pagar R$ 30 mil porque não havia contrapartidas por parte da Anaf. A entidade afirma que faz uma análise de todos os contratos e pagamentos que vinham sendo feitos antes da posse de Ednaldo. A Anaf afirma que usava o dinheiro para despesas administrativas.

"É um comportamento de traidor. O cara que tem a postura à altura do cargo na CBF chama a pessoa para conversar e diz que não terá relacionamento. E não faz com que você se humilhe. Traidor é porque a CBF acha que, por ter R$ 1 bilhão de orçamento, que ela pode manipular todo mundo, que as pessoas têm que se ajoelhar para eles. A partir de março, ele cortou. Esperei abril, maio, junho e julho. Tentei marcar reunião. Hora nenhuma ele me recebeu. Ele não quis papo comigo no campo político", diz Salmo, que tinha bom trânsito com Rogério Caboclo, antecessor de Ednaldo na presidência da CBF.

Rusga antiga e críticas ao trabalho de Seneme

Salmo e Ednaldo já cultivaram ressalvas entre si por causa da eleição da Anaf de 2018. O baiano apoiou outro candidato. Segundo Salmo, o então presidente da Federação Baiana não queria que a chapa com Arílson Bispo da Anunciação vencesse a eleição. Arilson foi árbitro ligado à Bahia, até já disse que deve a carreira a Ednaldo, mas não tinha o mesmo apoio na empreitada sindical. De todo modo, Salmo foi eleito e, em janeiro, reeleito.

O clima entre Ednaldo e Salmo chegou a ser minimamente republicano em 2021. O presidente da Anaf foi recebido em novembro. Os dois conversaram sobre a reestruturação da arbitragem para o ano seguinte. Mas as ideias não foram adiante.

Salmo chegou a se ver como um possível nome para a lacuna no comando da arbitragem. Em abril de 2022, Ednaldo anunciou Wilson Seneme como presidente da comissão. Recorreu a quem foi árbitro Fifa e estava na Conmebol. Seneme também passou a ser alvo do presidente da Anaf.

"Não confio em Wilson Seneme", disse Valentim, em nota divulgada no começo da semana. O presidente da Anaf ainda acusou: "membros da comissão nacional trabalham dentro da cabine do VAR, influenciando a decisão da arbitragem".

Outra crítica da Anaf é que os árbitros estão cansados. No primeiro turno da Série A do Brasileirão, Seneme concentrou jogos em um grupo menor de árbitros do que o adotado pelas gestões anteriores. Após 21 rodadas, 26 árbitros tinham apitado jogos da Série A. Em edições passadas, o contingente variava de 38 a 42. Salmo Valentim aponta que há "esgotamento físico e mental" por parte dos árbitros.

A mágoa, pelo que o UOL apurou, cresceu em relação à Seneme porque ele não chamou a Anaf para a apresentação dos novos integrantes da comissão, em 22 de junho. Quem está na estrutura atual da arbitragem da CBF vê uma disputa de poder.

A Anaf tentou até punir Wilson Seneme no Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). A associação fez uma notícia de infração contra o presidente da comissão de arbitragem, alegando que Seneme teria dito que os R$ 30 mil repassados à Anaf seriam para assegurar a indicação do integrante do tribunal. Instado a se manifestar no processo, Seneme alegou que só teceu comentários em uma matéria de "O Globo" sobre a falta de representatividade da Anaf. A procuradoria do STJD concordou e arquivou o caso na semana passada.

Mas Salmo Valentim promete dar mais dor de cabeça à CBF nos tribunais. O intuito é cobrar da entidade o pagamento de direito de arena e direito de imagem, além do repasse integral do valor arrecadado com o patrocínio exposto no uniforme dos árbitros. Com o rompimento recente da SKY — cuja logo tem sido coberta por fitas adesivas —, o contrato em vigor é com a TCL. Para essas questões jurídicas, a Anaf contratou a advogada Gislaine Nunes.

A briga política e institucional tende a continuar. Salmo tem mandato na Anaf até novembro de 2026. E pensa em ser candidato a prefeito de Goiana, cidade do interior de Pernambuco, em 2024.

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