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'Abel Ferreira é gaúcho, não te avisaram?', diz Celso Roth

Do UOL, em Belo Horizonte e São Paulo

15/08/2022 04h00

O técnico Celso Roth, atualmente com 64 anos de idade, tem planos de voltar a trabalhar no futebol brasileiro. Sem clube desde 2016, quando deixou o Internacional, o treinador acredita que foi descartado pelo mercado e tirou um tempo para si antes de aceitar um novo desafio. Hoje afastado do dia a dia dos times, Roth estuda e analisa as equipes do Brasil e do mundo. Em entrevista ao UOL Esporte, o técnico falou sobre a carreira e elogiou o trabalho de um companheiro de profissão que tem feito sucesso no país: Abel Ferreira, do Palmeiras.

"Eu acho que ele nasceu em Portugal, mas ele é bem gaúcho. Para trabalhar e montar a equipe, ele é bem gaúcho. Tu vê a equipe do Abel marcando muito, o tempo todo, sem ficar saindo jogando lá atrás. Marcando em linha alta, porque se eu falar marcando pressão eu sou antigo, com ligação direta. O Abel não é português, ele é gaúcho, não disseram isso para vocês?", brincou em entrevista ao UOL Esporte na última sexta-feira.

Nascido em Caxias do Sul, em 1957, Roth faz parte do que ficou conhecida como "escola gaúcha" de treinadores, que conta com nomes como os de Luiz Felipe Scolari, Tite, Mano Menezes, entre outros. Roth, no entanto, avalia que ficou para trás em uma comparação direta com os demais companheiros de profissão do Sul, que chegaram a comandar a seleção brasileira.

"Sou anterior ao Tite, pela idade, jogamos um contra o outro - ele no Caxias e eu no Juventude. Tive uma ascensão antes dos dois [Tite e Mano], mas fico muito feliz com o crescimento deles. Principalmente porque chegaram na seleção brasileira. E, se fizermos essa comparação [sobre os membros da escola gaúcha], realmente fiquei para trás", afirmou Roth.

Formado em educação física, Roth começou como preparador físico no Juventude e no Grêmio - ambos dirigidos por Felipão - antes de migrar para a função de treinador, que começou no futebol árabe à frente do Qadsia-SC em 1988. O retorno ao Brasil se deu após passagens pela Indonésia e pelo Qatar.

No entanto, é em 1997 que Roth começa a chamar atenção ao ser campeão gaúcho e ao terminar a fase classificatória do Brasileiro daquele mesmo ano em segundo lugar. A partir disso, o treinador iniciou uma série de passagens por diversos grandes clubes até 2016, quando esteve à frente de uma equipe pela última vez.

"Tive um momento no Internacional, quando comecei minha carreira, em 1997. É aquela história da expectativa: todo mundo esperava o Parreira para dirigir o Inter, só se falava disso, e veio o Celso Roth, do Caxias, lá do interior do estado, e nós conseguirmos ser campeões gaúchos sobre o Grêmio", relembrou.

"Depois de 2016, eu fui simplesmente descartado do mercado"

Aos 64 anos de idade, Celso Roth não comanda uma equipe de futebol há seis anos. No entanto, engana-se quem pensa que ele é um ex-treinador. Roth não se aposentou ou algo do tipo, apenas não recebeu propostas que ele considerasse interessantes após reavaliar alguns conceitos sobre a carreira.

O último trabalho de Roth foi no Internacional, em 2016, quando o time caiu para a Série B do Campeonato Brasileiro. Na ocasião, ele deixou o Inter faltando três jogos para o fim da competição. No ano anterior, Roth havia comandado o Vasco em boa parte do Brasileirão, que também terminou com a queda do time carioca.

"Depois de 2016, na minha última passagem pelo Internacional, que acabou indo para a Série B, eu fui simplesmente descartado do mercado. É uma consequência quase que natural. Eu poderia ter voltado, mas após essas experiências a gente passa a ter um pouco mais de filtro. Tirei esse tempo, que não é sabático, são quase seis anos, mas eu não parei", revelou.

Celso Roth treina o Vasco  - Paulo Fernandes / Site oficial do Vasco - Paulo Fernandes / Site oficial do Vasco
Celso Roth durante passagem pelo Vasco
Imagem: Paulo Fernandes / Site oficial do Vasco

Abel Ferreira é gaúcho?

O fato de estar longe do trabalho não fez com que Celso Roth se desligasse do futebol brasileiro, pelo contrário. Ele segue atento e acompanhando os feitos dos colegas - sejam eles os mais antigos ou os que estão ascensão - como no caso de Abel Ferreira, técnico do Palmeiras. Para Roth, o trabalho do treinador português se assemelha muito com o que praticava a escola gaúcha, principalmente no quesito da forte marcação.

"Eu acho que ele nasceu em Portugal, mas ele é bem gaúcho. Para trabalhar e montar a equipe, ele é bem gaúcho. Tu vê a equipe do Abel marcando muito, o tempo todo, sem ficar saindo jogando lá atrás. Marcando em linha alta, porque se eu falar marcando pressão eu sou antigo, com ligação direta. O Abel não é português, ele é gaúcho, não disseram isso para vocês?", brincou.

Roth defende a ideia de que o mercado mudou para os treinadores brasileiros após a eliminação do Brasil, em 2014, com a goleada por 7 a 1 sofrida pela seleção nacional para a Alemanha.

"Nós temos que entender o seguinte: o mercado brasileiro de treinadores, depois da Copa do Mundo, mudou e mudou muito. E com razão, porque não podemos sofrer uma derrota acachapante como sofremos, em nossa terra, com cinco títulos mundiais. O trabalho leva às vitórias, e isso leva o técnico à unanimidade, seja ele português, gaúcho, paulista, carioca", avaliou.

O erro e o rótulo de bombeiro

Roth treinou diversas equipes do futebol brasileiro, mas quase sempre sem pegar um trabalho desde o início. Em muitos times, o treinador chegou como o 'salvador da pátria', com o objetivo de tirar o clube de apuros na tabela de classificação. Sendo assim, ganhou a fama de apenas apagar incêndios, o que ele considera um erro de estratégia na carreira.

"Fiz uma escolha lá no início da minha carreira, uma escolha muito pessoal e profissional, que hoje eu já não compactuo muito, porque acabei ganhando certa fama de 'bombeiro'. Os regionais não são muito importantes para os dirigentes, é só importante para quem perde. O treinador que não conseguia o título regional, não tinha sequência no seu trabalho. Foi quando passei a fazer essa opção de trabalhar só no Campeonato Brasileiro, o que foi um erro, e me fez ser conhecido por trabalhar como um 'bombeiro' só para salvar os times", contou.

Roth rechaça problemas de vestiário, mas assume falhas

A fama de durão que Roth carrega levantou questionamentos sobre seu relacionamento com os jogadores durante seus trabalhos. Teria o treinador dificuldades de gerir grupos? Isso seria um dos problemas enfrentados ao longo dos anos e que fez com que o treinador deixasse o comando de muitas dessas equipes? Roth, no entanto, rechaçou esse rótulo e disse nunca ter enfrentado problemas de convívio com os jogadores.

"Eu nunca tive problema com gestão de grupo, que é a gestão dos jogadores. Principalmente nas dificuldades, sempre tive um retorno muito importante deles. O que eu tive é disciplina, e isso nos dias de hoje é uma coisa muito complicada. Hoje, estamos em um momento fantástico, o paradigma social mudou, o efeito das redes sociais é enorme e a gestão de grupo tem que ser diferente. O treinador profissional tem que mudar. Depois da Lei Pelé, nós temos uma ascensão de poder dos jogadores nos clubes", enfatizou.

No entanto, ele reconhece que às vezes houve falha na maneira de se comunicar - principalmente por meio da imprensa para chegar à torcida de um jeito melhor - e que com a mudança dos últimos anos, essa é uma questão que precisa ser melhorada

"Gerir grupo hoje não é gerir com comando, com voz mais alta. Gerir grupo, hoje, é tentar aparar todas as arestas, tentar resolver todos os problemas individuais dos jogadores, para que eles possam render coletivamente. Tenho que falar para o torcedor do clube, tenho que estar com o torcedor. Toda vez que eu estiver em um clube, não importa o tamanho, vi que preciso falar para o torcedor. É o torcedor que quer ouvir alguma coisa do seu treinador, e isso é muito importante. Sabendo que o resultado é o mais importante de tudo, para se fazer um bom trabalho", avaliou.

Celso Roth no Cruzeiro  - Leonardo Soares/UOL - Leonardo Soares/UOL
Celso Roth também teve passagem pelo futebol mineiro
Imagem: Leonardo Soares/UOL

Tem brasileiros para assumir a seleção

É de conhecimento público de que Tite não seguirá à frente da seleção brasileira após a disputa da Copa do Mundo, no Qatar. Enquanto isso, muitos nomes são avaliados para substituir o treinador e, para Roth, o Brasil tem profissionais capacitados para a vaga, não havendo a necessidade de a CBF buscar por um estrangeiro.

"Pela qualidade dos treinadores brasileiros, nós não precisamos de um estrangeiro Não vou falar em nomes para assumir a seleção. Temos treinadores com mérito para assumir a seleção brasileira.

Questionado se Abel Ferreira seria uma opção, Roth reconheceu que ele pode ser um forte candidato, mas que o histórico contribuiu para que o comando da seleção siga com alguém do Brasil.

"O Abel está demonstrando uma qualidade fantástica e, se for escolhido, será por meritocracia também. Como, por exemplo, o Tite foi escolhido. Se ao final da Copa do Mundo o Tite deixar a seleção, o Abel é um candidato sim. Não podemos negar, pela meritocracia e pela qualidade que vem demonstrando. Agora, pelo nosso histórico, temos treinadores brasileiros absolutamente capazes de assumir a seleção", disse.