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Goleiro do Santos, João Paulo pesca, caça e atira contra pressão do futebol

João Paulo, goleiro do Santos, e sua esposa, Juliane, no estande de tiro: os dois são CAC - Arquivo Pessoal
João Paulo, goleiro do Santos, e sua esposa, Juliane, no estande de tiro: os dois são CAC
Imagem: Arquivo Pessoal
Lucas Musetti Perazolli e Gabriela Brino

Do UOL, em Santos

17/08/2022 04h00

João Paulo é muito reservado. Dá para contar nos dedos as entrevistas em que o goleiro titular do Santos contou sobre a sua vida pessoal e comentou de temas além do futebol. Nem mesmo nas redes sociais é fácil encontrar mais do que fotos de treinos, jogos e alguns registros com a família. A verdade é que o capitão do Peixe é fã da simplicidade e não expõe seus hobbies.

Ao UOL Esporte, João Paulo topou falar mais do que o habitual. O goleiro é unanimidade no Santos, mas foge daquele perfil boleiro da maioria. Quando tem folgas, ele busca conforto em um hábito antigo, herdado da sua família: a pesca. Nascido em Dourados, em Mato Grosso do Sul, João cresceu vendo iscas e anzóis com seu pai e avô. Juliane, sua noiva, o acompanha na trip. O casal costuma ir a um pesqueiro em São Vicente, também na Baixada Santista, para matar a saudade. O ambiente lá é silencioso e o goleiro pode pedir uma porção e uma cervejinha em paz enquanto espera o peixe fisgar.

Além disso, hoje em dia, quando sobra um tempo e Juliane está na cidade, João Paulo vai até o clube de tiro Cubas para praticar. Policial, sua noiva o incentiva a atirar e aliviar a pressão do mundo do futebol. Virar atirador esportivo, com registro de CAC (a licença dada a colecionadores, atiradores esportivos e caçadores), foi um caminho natural para quem nasceu em um ambiente em que a pesca e a caça (em locais onde a atividade é legalizada, João e Juliane fazem questão de explicar) são consideradas heranças culturais.

Sempre gostei muito de pescar, caçar e ir em estande de tiro. Consigo me desligar do mundo futebolístico e da rotina de viagens, jogos, treinos... Isso ajuda bastante a me deixar mais tranquilo para treinar ou jogar da melhor maneira".

"Dourados é uma cidade rodeada por rios, né? Então, desde criança criei esse hábito com pescaria. Aqui em Santos, sempre que eu tenho um tempinho livre vou ao pesqueiro para me distrair um pouco". Quando isso acontece, ele e a mulher começam uma disputa acirrada para ver quem fisga o maior peixe. Quem sai de lá zerado é zoado por dias...

João Paulo e sua noiva Juliane posam com peixes que o próprio casal pescou - UOL Esporte - UOL Esporte
João Paulo e Juliane posam com peixes que o próprio casal pescou
Imagem: UOL Esporte

Dona Neia

Um mergulho como esse na vida de João Paulo, hoje uma das poucas unanimidades do Santos, é raro. O goleiro é reservado e evita falar da vida pessoal. No ano passado, ele abriu só uma exceção, envolvendo Claudineia, sua mãe.

Em julho, após fazer defesas milagrosas na classificação do Santos para as quartas de final da Sul-Americana no 1 a 1 contra o Independiente (ARG), em Avellaneda, o goleiro dedicou a atuação para ela. Era a primeira vez que João falava que Dona Neia lutava contra um câncer de mama.

João Paulo posa ao lado de sua mãe, Claudineia - Reprodução do Instagram - Reprodução do Instagram
João Paulo posa ao lado de sua mãe, Claudineia
Imagem: Reprodução do Instagram

João estava a mais de mil quilômetros de distância quando soube da notícia, mas conseguiu trazer dona Neia para Santos para acompanhar o tratamento de perto. A preocupação virou motivação e o choro pós-jogo foi homenagem. Ele sabia que ela venceria. E sua intuição estava certa.

Ela ainda tem algumas sessões de quimioterapia a cumprir, mas está vencendo a batalha contra o câncer. Após a melhora da situação, João Paulo até tentou trazer seus pais para Santos, mas eles não se adaptaram longe da cidade natal. "Ela está fazendo o tratamento em Dourados, mais perto da família, dos pais dela e do meu filho, que mora lá".

Tenho certeza que ela queria estar mais próxima, mas sabe que tem todo meu amor e. Eu sabia que ela ia vencer. Está se recuperando bem e logo logo vai estar zerada".

 08/08/2022 - João Paulo, goleiro do Santos, em jogo contra o Coritiba - Gabriel Machado/AGIF - Gabriel Machado/AGIF
Imagem: Gabriel Machado/AGIF

É o melhor goleiro do Brasil!

A frase acima é gritada pelos torcedores santistas em todo jogo, mas João Paulo não concorda. Para ele, se considerar o "melhor goleiro do Brasil" significa o fim de um objetivo. Nem faria mais sentido continuar jogando se ele se visse nesse patamar.

Desde o ano passado, ele é o goleiro com mais defesas no Campeonato Brasileiro. Enquanto os maus resultados recentes do Santos criaram alvos da torcida, João seguiu blindado e elogiado. Até durante as maiores crises do time.

O Santos foi eliminado da Sul-Americana para o modesto Deportivo Táchira (VEN) em plena Vila Belmiro, em um resultado que culminou nas saídas do técnico Fabián Bustos e do executivo Edu Dracena. Foi também a gota d'água para Ricardo Goulart no clube.

Naquele dia, João Paulo saiu do gramado sob aplausos. A responsabilidade de ser esse "capitão perfeito" pesa.

"Não deixa mais leve, não. Deixa pesado. Tem pressão. Tenho que me dedicar cada vez mais para continuar mantendo o desempenho ou até melhorando. Aqui no Santos a gente trabalha bastante. Não só eu, como todos os goleiros também. Temos excelentes profissionais, o Arzul, o Juninho [preparadores de goleiros]. Isso tudo é fruto de muito trabalho".

João Paulo hoje é unanimidade, mas há dois anos era o terceiro goleiro do Santos. Não tinha ideia de quando teria uma chance. De uma semana para outra, as coisas mudaram. Primeiro, o titular Everson entrou na Justiça do Trabalho contra o Santos e foi para o Atlético-MG. Depois, Vladimir, o reserva imediato, se lesionou em sua primeira partida como titular.

A chance caiu no colo de um goleiro de 25 anos que não tinha tido nenhuma sequência de jogos no Santos. No período em que esteve no fim da fila dos goleiros do Santos, não pediu para ser vendido ou emprestado. A oportunidade estava distante, mas ele sempre acreditou. Quando ela veio, o Menino da Vila aproveitou.

João precisou, ainda, encarar um duelo com John, que chegou a ganhar uma sequência como titular. Quando o concorrente se lesionou, porém, João Paulo virou não apenas o titular, mas o capitão do time. E até recusou propostas de Flamengo e Ajax (HOL) para renovar até 2026.

Fiquei muito tempo treinando com grandes profissionais, né? Peguei a fase final do Rafael. Depois o Aranha. O Vanderlei, o Everson... o Vladimir, que ficou esse tempo todo aqui. Pude corresponder para que me dessem essa confiança e provar que eu tinha potencial para vestir a camisa do Santos".

João Paulo, goleiro do Santos

Estamos só o João Paulo

João Paulo focado antes de iniciar a partida pelo Santos - Ivan Storti/ Santos FC - Ivan Storti/ Santos FC
Imagem: Ivan Storti/ Santos FC

O Santos lutou contra o rebaixamento nas duas últimas edições do Campeonato Paulista e também no Brasileirão de 2021. Em todos esses momentos, João foi decisivo. E virou um "mood" da torcida: seu rosto focado, mas sereno, muda completamente ao cobrar seus companheiros de equipe.

No elenco, todos estão acostumados com o modo "pistola" do capitão. A cena é clássica: João Paulo se estica para fazer uma defesa, levanta e grita a plenos pulmões. Quando as partidas estão mais difíceis e todas as reclamações já foram feitas, ele apenas põe a mão na cintura e olha para os companheiros.

"É uma maneira de me manter ligado, essa é a verdade. Então, se eu estou me cobrando, cobrando meus companheiros, é porque estou atento à partida. O dia que eu estiver fazendo um jogo quieto, calado, alguma coisa não está legal".

É até estranho quando João Paulo participa pouco dos jogos. Acostumado a ser protagonista, o camisa 34 raramente sai limpo das partidas. E o que ele prefere? Ao ser perguntado sobre fazer várias defesas difíceis e o Santos ganhar ou o Santos ganhar sem defesas difíceis, o goleiro titubeou e deu risada.

"Depende muito do resultado final da partida, né? [risos]. Se for uma partida em que eu não tenha trabalho e a gente vença o jogo, beleza. Mas se for uma em que eu tenha que trabalhar mais e a gente comemorar uma grande vitória, para mim está ótimo também".

João Paulo em treino pelo Santos no CT Rei Pelé - Ivan Storti/ Santos FC - Ivan Storti/ Santos FC
Imagem: Ivan Storti/ Santos FC

Onde o Santos de João Paulo pode chegar?

João Paulo foi campeão paulista pelo Santos em 2015 e 2016, mas não atuou. Esteve perto de ser campeão da Libertadores em 2021, mas viu do banco de reservas o título do Palmeiras no último minuto no Maracanã. O contrato até 2026 é a prova de que João quer vencer para deixar seu nome na história do Santos. Suas esperanças estão na gestão do presidente Andres Rueda. O Peixe está longe de viver seu melhor momento atualmente, mas João Paulo vê o clube em boas mãos após gestões ruins em sequência. "Não tenho o que falar dessa diretoria. Não são só os nossos salários em dia, mas principalmente o de todos os funcionários todos os meses".

João Paulo em ação pelo Santos - Ivan Storti - Ivan Storti
Imagem: Ivan Storti

"O Santos foi quem mais vendeu e está sem dinheiro, né? Não pagavam as contas. O presidente Rueda é um cara que está aqui porque quer ajudar o clube. Não precisava estar aqui, podia estar em casa vivendo a vida dele, que já está muito bem resolvida. Ele pegou o Santos quebrado, né? Se não fosse ele, o Santos praticamente iria fechar as portas".

O capitão do Santos entende que o elenco precisa retribuir esse bom trabalho administrativo com pelo menos uma vaga na próxima Libertadores da América. Neste momento, o Peixe é apenas o 10º colocado no Brasileirão, com 30 pontos.

"A gente espera fazer um segundo turno digno, da altura do Santos, e por isso colocamos como meta a Libertadores. Porque isso também vai dar mais tranquilidade para o presidente trabalhar e fazer contratações mais pesadas para que, ano que vem, a gente possa fazer o Santos voltar a brigar por títulos", concluiu.

Muitos saíram, mas João Paulo escolheu ficar no Santos e a sua faixa de capitão é um símbolo do amor pelo clube. Aos 27 anos, o jogador revelado nas categorias de base do Peixe carrega o peso de ser unanimidade no seu time do coração. A pressão é grande, mas não assusta. E se ficar difícil, nada como uma pescaria para refrescar a cabeça e colocar tudo no lugar.

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