D'Alessandro e a Libertadores que o fez pedir a nacionalidade brasileira
Quem fala de futebol na Argentina escuta sempre um trocadilho pouco conhecido no Brasil, mas bastante repetido do outro lado da fronteira: "brasentino". A mescla de palavras descreve o que seria um brasileiro com alma argentina, ou vice-versa. Há outro derivado: o "argentinho", misturando o "argentino" com o diminutivo tão típico do Brasil.
"Brasentino" ou "argentinho", é difícil tirar de Andrés Nicolás D'Alessandro a condição de grande símbolo do futebol argentino a brilhar no Brasil. E há um feito inédito na Libertadores que deixa o criador do drible "La Boba" em um espaço só seu na história.
D'Alessandro foi simplesmente o primeiro argentino a conquistar a Libertadores por um time do Brasil. Craque da camisa número 10, ele foi ladeado por dois compatriotas de peso naquela campanha, casos do volante Pablo Guiñazú e do goleiro reserva "Pato" Abbondanzieri.
Países como o Uruguai, com o gremista Hugo de León, ou o Paraguai, com o gremista e palmeirense Arce, entre outros exemplos, já haviam dado sua contribuição ao futebol brasileiro em edições anteriores.
Mas a Argentina, histórica rival, só virou aliada realmente em 2010. O feito do trio comandado por D'Alessandro foi tão impressionante que só contou com uma repetição, e ela veio também de Porto Alegre. Na Libertadores de 2017, sete anos depois, o zagueiro argentino Walter Kannemann também conquistou a Copa defendendo um time brasileiro, no caso o Grêmio.
Cena de filme
A Libertadores de 2010 foi das mais dramáticas já conquistadas por um time brasileiro.
Nas oitavas de final, o Inter sobreviveu a um duro mata-mata contra o Banfield, da Argentina, que contava com o talentoso e promissor James Rodríguez. O jogo de ida, em Buenos Aires, terminou 3 a 1 para os argentinos, com o Inter virando a série no segundo jogo, com um 2 a 0.
Veio depois uma nova batalha, desta vez contra o forte Estudiantes. O Inter venceu o time de Verón em Porto Alegre e depois segurou a classificação na volta com um 2 a 1, com o campo coberto por fumaça da torcida, e um feroz zagueiro Desábato criando um princípio de briga generalizada.
A semifinal tinha ares de final antecipada, com o Inter batendo o São Paulo e se classificando à decisão graças a um lance de sorte de D'Alessandro. O argentino cobrou uma falta que desviou e venceu Rogério Ceni. Era o gol fora de casa que permitia a vaga na decisão, mesmo com a derrota por 2 a 1.
Se a trajetória de D'Alessandro no Inter virasse um filme, sua imagem correndo enlouquecido para a galera colorada no Morumbi seria certamente uma cena de destaque.
Ali, poucos poderiam imaginar, começava a ser desenhado o quadro que retrataria sua vida e carreira. Cruzando vermelho (do Inter), verde e amarelo (do Brasil, sua nova pátria) e azul e branco (da Argentina natal).
"Naquela comemoração extravasei minha vontade de ganhar", recordou D'Ale ao UOL Esporte. "Sempre procurei dar o máximo, toda minha dedicação estava ali, dentro de campo. Nunca abri mão da minha identificação com o clube. O Inter é grande demais, e essa grandeza era sempre respeitada no gramado. Isso faz diferença para o torcedor."
O Inter deu a volta olímpica depois de duas vitórias sobre os mexicanos do Chivas.
Na ida, em Guadalajara, o placar foi de 2 a 1. No Beira-Rio, em noite de gala e glória, 3 a 2, e nova briga generalizada. "Nossa melhor partida no campeonato foi a primeira final, fora de casa, quando ganhamos por 2 a 1, de virada. Isso demonstra como nosso aspecto mental estava bem forte."
O maior?
D'Alessandro se aposentou do futebol em abril deste ano, depois de 529 jogos e 13 temporadas vestindo a camisa do Inter, um feito dos mais impressionantes em uma era em que um atleta mal fica 13 meses na mesma equipe, quanto mais 13 temporadas.
Argentinos jogam no Brasil desde os primórdios do futebol, mas é praticamente impossível encontrar algum outro com a trajetória de D'Alessandro.
Outros ídolos, como Carlitos Tevez, Juan Pablo Sorín, Ramos Delgado, Roberto Perfumo, Narciso Doval e José Poy também tiveram momentos de brilho, mas a coleção de títulos de D'Alessandro é realmente impressionante. Sempre vestindo vermelho, ele ergueu simplesmente a Libertadores, a Sul-Americana e a Recopa, os três troféus a se conquistar na América do Sul.
D'Ale prefere calçar a chuteira da humildade ao se comparar com os demais compatriotas que atuaram no Brasil. "Futebol é esporte coletivo, cara", diz, no mais perfeito português. "O que posso dizer é que nossas conquistas foram frutos de grupos muito fortes, que competiam de verdade. Ninguém ganha tanto se as pessoas não forem qualificadas e empenhadas."
Brasil, enfim
A alquimia colorada com D'Alessandro foi tão intensa que ele se naturalizou brasileiro em janeiro deste ano.
O processo levou cinco anos, exigindo dele um empenho digno dos jogos. Fez provas escritas e orais, comprovou que seu filho nasceu no Rio Grande do Sul e justificou sua residência em Porto Alegre.
"Pátria amada Brasil! Muito feliz e orgulhoso por ser oficialmente um cidadão brasileiro", escreveu em seu Instagram.
Mais que uma formalidade, a cidadania indica que as raízes do ídolo com o país estão fortalecidas para imaginá-lo vivendo em Porto Alegre por muito tempo.
A história de D'Alessandro no novo país está só começando. Uma prova disso? Ele foi anunciado semana passada pelo SporTV como um dos comentaristas da emissora na próxima Copa do Mundo.
Só para ouvir suas participações, torcer por um Brasil x Argentina no Qatar faz ainda mais sentido. E desde já.
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