Maradona e QG de ídolos: as memórias dos restaurantes da dupla Gre-Nal
Em décadas distantes, conhecer os estádios de Inter e Grêmio não dependia de um jogo de futebol, um convite para assistir treinamento ou qualquer conhecido que trabalhasse no clube. Bastava ter o desejo de comer bem. Tão importante quanto a bola rolando, os restaurantes dos clubes gaúchos eram abarrotados de celebridades. A churrascaria Mosqueteiro, do Grêmio, recebeu até a visita de Maradona, enquanto a Saci, do Inter, se orgulhava de alimentar uma geração campeã. Já o Choppão deixou como legado uma banda que toca até hoje.
A reportagem do UOL Esporte visitou a história de tais estabelecimentos, cujo início é ligado às necessidades dos clubes na época. Fundos para ampliação de estádio, fluxo de caixa num orçamento longe dos milhões de hoje em dia, e também oferecer um serviço diferenciado a seus torcedores. Tudo isso motivava a pujança dos restaurantes da dupla, que embalavam a noite porto-alegrense.
Visita de Maradona e casamento de Danrlei
No Grêmio, a churrascaria começou as atividades em idos de 1970 e ficou com as portas abertas até o início dos anos 2000. O restaurante funcionou no térreo de prédio contíguo ao estádio Olímpico e sempre serviu sob nome de "Mosqueteiro", em homenagem ao mascote gremista. A melhor definição vem de que sentou nas cadeiras do espaçoso salão.
"Ali era ponto de encontro", diz Sérgio Vasquez, atual diretor de futebol gremista e dirigente do clube nos anos 1980 e 1990.
"A gente almoçava à espera dos jogos à tarde, jantava antes das partidas da noite. Muitas reuniões da diretoria aconteceram na Mosqueteiro", completa Ben Hur Marchiori, conselheiro gremista.
A churrascaria Mosqueteiro começou com operação do próprio Grêmio, mas depois foi arrendada em série para diferentes empresários. Instalada no ginásio David Gusmão, ficava estrategicamente perto dos portões do estádio e dos gabinetes. Uma localização propícia para passagens históricas.
"Foi em uma mesa ali que o presidente [José Alberto] Guerreiro e eu definimos a contratação do Amato e do Astrada", revela Denis Abrahão, atual vice de futebol do Grêmio e executivo do clube no início da parceria com a ISL, que fez o clube contratar os dois argentinos para a temporada de 2000.
A memória dos frequentadores remonta a um ambiente com pista de dança, música ao vivo à noite e salão sempre cheio. Especialmente em dias de jogo ou depois do pôr do sol.
"Eu jantei lá antes da final da Libertadores de 1983, contra o Peñarol. Jantamos e depois entramos no estádio para assistir a vitória", viaja no tempo Abrahão.
Em registros obtidos pelo UOL Esporte com o memorial gremista, é possível ver mesas e cadeiras na calçada do estádio em um dia de verão. Até 2009, o estádio Olímpico contava com piscinas próximas ao restaurante. O programa perfeito era fazer o percurso às margens da Avenida Carlos Barbosa.
"O público era fiel e tinha muita gente que frequentava as cadeiras, a área social", recordou Marchiori.
Maradona, Renato e Danrlei
Torcedores, dirigentes e também jogadores, claro, estavam na lista de clientes frequentes. Após o jogo do Argentino Juniors contra o Grêmio, no início dos anos 1980, Diego Maradona matou a fome com o cardápio da churrascaria tricolor.
"Era muito comum os times visitantes passarem pela churrascaria. O vestiário visitante ficava do outro lado do vestiário do Grêmio, então era próximo. E a comida era boa, estava ali do lado. Tudo se encaixava", contou Sérgio Vasquez.
Um dos jantares mais inesquecíveis da vida de Renato Gaúcho, ídolo gremista, foi perto da churrasqueira larga e do outro lado do balcão em formato de casebre do restaurante. Ao lado do resto do elenco campeão da Libertadores, o camisa 7 foi à Mosqueteiro para comemorar o título ao lado da diretoria.
Na década de 1990, um jovem Danrlei aproveitou a infraestrutura do local para receber amigos e familiares em outro jantar para lá de especial. Foi durante a festa do primeiro casamento do goleiro histórico do Grêmio.
As portas da churrascaria Mosqueteiro se fecharam por uma série de razões. Novos restaurantes em Porto Alegre, por exemplo, mas também por desacerto financeiro. O local chegou a ser reaberto por um breve período antes de ser encerrado de vez. O longo saguão, depois, recebeu loja de vinhos por alguns meses e de novo foi lacrado.
Atualmente, o que sobrou da Mosqueteiro está dentro da área com segurança patrimonial do Grêmio. A loja que abrigou o restaurante faz parte do imóvel gremista que deve passar para as mãos da Construtora OAS, atualmente Construtora Metha, no acordo para construção da Arena do Grêmio. As histórias e os sabores da churrascaria, no entanto, seguem na memória de uma Porto Alegre que já viu até carne ser motivo de rivalidade.
Saci e Choppão: o lado vermelho
O Internacional iniciou sua trajetória no ramo alimentício com a churrascaria Saci (nome também em homenagem ao mascote). O empreendimento tinha operação coordenada pelo clube logo em seu início e o lucro arrecadado serviria para sustentar a conclusão da construção do Beira-Rio, em meados dos anos 1960. O primeiro salão recebia até 300 pessoas, mas o sucesso foi tamanho que em seguida o clube se obrigou a abrir mais dois, levando a capacidade do restaurante para, no auge, a 2 mil clientes simultâneos.
"Era o principal restaurante da cidade, era onde toda sociedade de Porto Alegre se reunia, todas as celebridades, governadores, prefeitos, políticos, jogadores, artista de cinema, televisão, representantes de outros times, todos. Todo mundo ia na Saci", contou Neco Perusso, que na época tinha 13 anos e trabalhava em diversas funções por lá.
A família de Neco estava toda envolvida com a churrascaria. O principal pilar das atividades era Iluy Antônio Peruzzo, gerente do local por cinco anos e que acompanhava toda operação de perto.
"O movimento era tanto, mas tanto... Imagina, chegou a ter 58 garçons, uma churrasqueira gigantesca, eram quilos e mais quilos de carne, litros de bebida. O primeiro espaço "kids" da história foi ali. Meu irmão [Iluy] adorava crianças e montou uma área de recreação na churrascaria", brincou Neco.
Um boi no isopor: alimentando campeões
Entre os aficionados da Saci estavam jogadores que virariam uma das principais gerações campeãs da história do Inter. Paulo Roberto Falcão, Paulo César Carpegiani, Lino, Caçapava, todos eram assíduos frequentadores do local desde antes dos títulos brasileiros de 75, 76 ou 79. Na foto, de material promocional do local, aparecem Pedro Agapito, Gasperin, Luiz Fernando, Tadeu e Caçapava.
Por ali, junto a treinadores como Dino Sani e Rubens Minelli, se abasteciam de energia, comemoravam vitórias e negociavam com presidentes e diretores futuros contratos.
"Naquela época não era como hoje. Eles tratavam tudo ali na churrascaria. Eu vi governador do Estado fazer reunião ali. Presidente do clube era toda hora", contou Neco.
E a preferência ocasionou até um fato curioso. Para comemorar o título de um torneio de base no início dos anos 1970, o Internacional deslocou um "boi no isopor" para fazer um churrasco em São Paulo, onde era realizada a disputa.
"O pessoal tinha vencido um torneio de juniores em São Paulo e queriam fazer uma comemoração. Não tinha em qualquer lugar uma churrascaria como a Saci. Então, levaram praticamente um boi inteiro em carne dentro de um isopor. Imagina um isopor gigante, em um caminhão até o aeroporto. E depois de avião até São Paulo para a comemoração", lembrou.
Negociações entre os restaurantes
Saci e Mosqueteiro era rivais como Grêmio e Inter. Tanto que o UOL Esporte ouviu relatos de duas 'negociações' entre os restaurantes. A churrascaria gremista levou dois profissionais do reduto colorado para impulsionar o restaurante azul. Um deles para o caixa e outro para trabalhar à beira das brasas assando carnes. A relação, contudo, jamais foi abalada. O ambiente era amistoso, mesmo que reforços saíssem de um lado para outro.
Iluy Peruzzo, o gerente, também chegou a ser assediado por outros clubes. O Bahia, por exemplo, tentou fazer o comandante da casa ir para o nordeste coordenar um empreendimento semelhante. No entanto, o amor pelo Inter falou mais alto e ele recusou a proposta.
Herança musical
O sucesso da Saci impulsionou o Inter a criar um outro empreendimento no ramo. Dessa vez, a culinária alemã ganhou espaço no Choppão, que abriu em 1983. Por lá, além dos pratos típicos havia a empolgação de uma bandinha típica alemã, com instrumentos de sopro e músicos vestidos à caráter, que nasceu no Beira-Rio e existe até hoje.
"O Choppão era atração turística da cidade. Todas as excursões que iam a Porto Alegre paravam ali para jantar. Era um ambiente muito familiar. Nos dias de jogo, sempre tinha muita gente, e depois do jogo, para comemorar", contou Flavio Felipe Schonell, que toca saxofone na banda desde a juventude.
Depois do fim das atividades, por volta de 2002, a banda seguiu tocando em eventos pelo interior e em outros Estados, sempre com inspiração nas tradições da Alemanha e carregando o nome do restaurante onde nasceu.
"A gente foi se desvinculando da casa aos poucos. Quando fechou, já estávamos tocando em outros lugares. Quando recebemos a ligação dizendo que a casa fecharia, estávamos no Mato Grosso. O último dia que fomos lá foi muito emocionante, marcante para nós. Meu pai tocou 17 anos ali, eu 12. Comecei com 14 para 15 anos, passei a adolescência e a juventude ali", lembrou.
No Choppão não eram tão frequentes negociações de jogadores ou mesmo presença de celebridades. Mas os atletas costumavam comparecer para comemorações em horários diferentes do habitual, para despistar o movimento. E se serviam de chope, como numa boa celebração alemã. A Super Banda Choppão tem 12 CD's e quatro DVD's gravados ao longo de sua trajetória.
A exemplo do que houve com a Mosqueteiro, os restaurantes no Beira-Rio foram arrendados depois de alguns anos sob comando do Inter, passaram por diversos donos e encerraram suas atividades.
Em 2019, o então vice-presidente de negócios estratégicos do clube, João Pedro Lamana Paiva, tinha projeto de aproveitar os espaços do ginásio Gigantinho e do Centro de Eventos do estádio colorado para um 'revival' dos restaurantes.
"Seria uma galeteria, churrascaria ou "parrilla", contou ao UOL Esporte.
"Dentro do projeto de remodelação do Gigantinho, construção das torres [para empreendimentos] e aproveitando o Centro de Eventos", completou.
No entanto, a iniciativa não foi para frente e os momentos de glória ficaram apenas nas lembranças de antigos frequentadores.
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