Esquina onde Corinthians nasceu tem lampião quebrado e lixeira alvinegra
O encontro entre as ruas José Paulino e Cônego Martins seria uma esquina como tantas outras não fosse uma famosa noite de 1910, quando cinco operários fundaram o Corinthians no local, inspirados por um time inglês e sob a luz de um lampião. No aniversário de 112 anos do clube, o UOL Esporte voltou à esquina na capital paulista e testemunhou que o corintianismo ali segue muito presente.
O lampião que iluminou a criação do Corinthians já não existe mais, literalmente e também simbolicamente. O objeto ficava pendurado sobre o marco histórico, mas se espatifou no chão há cerca de um mês, arrancado do poste por uma ventania. Até agora ninguém apareceu para colocar um novo. A esquina deve passar o aniversário às escuras.
"É assim. Tem ano que eles vêm para dar uma demão de tinta antes do aniversário, mas neste não veio ninguém", conta um trabalhador da região.
Muita gente passa pela esquina todos os dias, mais ou menos como em 1910. Naquele tempo havia um bar e confeitaria no local, e numa noite de quinta-feira, como hoje, o time de operários foi oficializado como Corinthians. A versão mais provável é que os fundadores tenham ido ao cinema e visto os lances de um jogo da véspera, do Corinthian Football Club, clube inglês que estava em turnê na cidade.
Já naquela época o bairro do Bom Retiro abrigava um dos maiores centros comerciais da cidade de São Paulo, que cresceu rapidamente por estar pertinho da Estação da Luz. Mesmo tantos anos depois, hoje segue parecido: o movimento é grande, e até mesmo as lojas da região guardam uma coincidência com o nascimento do Corinthians.
Corte, costura e Corinthians
O primeiro presidente do Corinthians, Miguel Battaglia, vivia de cortar e vender tecidos. Foi ele quem anunciou que aquele seria "o Time do Povo". Tantas décadas depois, no entorno da mesmíssima esquina em que ele e outros operários fundaram o clube, a rotina é inteira voltada ao corte e costura.
A loja atrás do marco histórico vende vestidos, como a maioria dos comércios daquelas ruas. Na famosa esquina também trabalham outras pessoas, os chamados puxadores, que ficam ali distribuindo panfletos para atrair clientes para comércios próximos. É o caso de Eliane Nascimento, de 42 anos, sorridente, determinada e "corintianíssima", como ela mesma diz.
Ela nasceu em Pernambuco e há nove anos veio a São Paulo batalhar por uma vida melhor. Por uma dessas coincidências difíceis de explicar, ela distribui cartões justamente de uma alfaiataria, uma loja que fica dentro de um shopping, a 20 metros da esquina famosa, logo do outro lado da rua. Na tarde fria da capital paulista, por baixo de uma blusa grossa, a camisa do Corinthians.
"Esse time é demais, minha paixão. Você leu o que está escrito na placa [do marco de fundação]? Olha só que beleza", diz ela, empolgada e divertida, sem tirar o sorriso do rosto.
Existe a lenda de que o Miguel Battaglia era alfaiate, mas não era, a própria família dele esclarece isso. Ele era mascate, cortava tecidos para vender e por isso estava sempre com uma fita métrica no pescoço. Aí algumas pessoas achavam que ele fazia alfaiataria."
Fernando Wanner, historiador do Corinthians
Dos pés à cabeça
A placa a que Eliane se refere informa que aquele é o "marco de fundação do Sport Club Corinthians Paulista. 1º de setembro de 1910", seguido pela lista dos nomes dos cinco fundadores. Todo em branco e preto, o local atrai um corintiano ou outro que para em frente, tira fotos e até se benze.
Um destes torcedores se aproxima com boné, casaco e calça, tudo com o escudo alvinegro. É Marcos Silva, que pede uma foto ao repórter "para zoar os palmeirenses". Pedido atendido, ele logo manda a imagem no grupo dos amigos. Em conversa rápida, explica que está na hora do almoço e que é cortador de tecidos. Mais um operário da costura do Bom Retiro, herdeiro simbólico do ofício e da paixão de Battaglia pelo Corinthians.
Não é exatamente o caso de Maria Beatriz. Ela passa o dia na mesma esquina, a poucos passos do ponto turístico. É puxadora de clientes de uma loja de lingeries que fica por perto e ali distribui seus panfletos. Mora em Itaquera e trabalha onde o Alvinegro nasceu, mas diz não ligar muito para o futebol. "Da minha casa ouço quando o Corinthians faz gols, dá para ouvir bem direitinho. Mas não torço, não", conta, revelando depois de alguma insistência que prefere o rival Palmeiras. Acontece.
O marco de fundação
A primeira versão do pequeno obelisco, que tem menos de um metro, surgiu nos Anos 1970 por iniciativa do então presidente corintiano Vicente Matheus. O marco histórico surgiu já com uma placa que informava o motivo de ele estar ali, mas ao longo do tempo várias versões da placa foram vandalizadas ou desapareceram. A solução encontrada foi fazer como está hoje, interna, atrás de uma placa de vidro reforçado.
A esquina foi reformada em 2010, na ocasião do Centenário do Corinthians, e ganhou uma réplica do poste de iluminação no estilo dos que existiam no começo do Século XX. É neste poste que hoje só há fios pendurados, pois um vendaval recente destruiu o lampião. Em 2020 houve outra reforma, para acessibilidade, e o local recebeu até lixeiras pretas e brancas - não verdes, como no restante da cidade.
O Corinthians não tem apenas o berço no Bom Retiro, mas também a primeira casa. A fundação foi na então chamada Rua dos Imigrantes, depois rebatizada de José Paulino em homenagem a um empresário paulista. Na rua ao lado ficava o Campo do Lenheiro, onde o time mandou seus primeiros jogos ainda em 1910. O terreno era um estábulo e estava ocupado por um vendedor de lenha, daí o nome. Diferente da esquina mais famosa, porém, nesta não há nenhuma menção à história do clube.
Antes do dia da fundação já tinha 30 ou 40 pessoas envolvidas com o time, não eram só cinco. Aliás, o 1º de setembro é basicamente uma escolha de numerologia, porque o Antônio Pereira [um dos fundadores] era ligado nisso. Ele quis o dia 1 do mês 9 do ano 10, porque abreviado fica 1910."
Fernando Wanner, historiador do Corinthians
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