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Médico revela que dopou Telê na final do Mundial de Clubes do São Paulo

Marinho Saldanha e Roberto Salim

Do UOL, em Porto Alegre, e colaboração para o UOL, em São Paulo

13/09/2022 04h00

Em plena decisão do Mundial de Clubes diante do Barcelona em 1992, Telê Santana sorria em silêncio no banco de reservas, para surpresa dos jogadores. "Como ele não está gritando hoje? Tem algo estranho", questionava Cafu, acostumado a ouvir da lateral os gritos do técnico. Os atletas jamais imaginavam, mas o Mestre, que normalmente era agitado, crítico e esbravejava durante os jogos, estava sob efeito de um ansiolítico, administrado pelo médico Marco Antônio Bezerra. O remédio tinha sido pedido pelo próprio treinador para ajudá-lo a manter a calma no jogo decisivo, mas a dosagem, naquele dia um pouco acima da usual, acabou tendo um efeito mais forte do que o desejado.

"Se aproximava o jogo e os diretores vinham a mim dizendo: cuida do Telê, o homem está ansioso demais, ele perdeu duas Copas do Mundo e agora é a chance dele ser campeão", contou Bezerra.

"Eu costumava dar um ansiolítico para ele. Fui pegar na minha maleta a amostra grátis, de dois miligramas, e tinha acabado. Só tinha outro lá de três miligramas, que ele não estava acostumado. Dei para ele, e no campo ele ficou tranquilíssimo [risos]", completou.

Essa é uma das histórias contadas no documentário "És o Primeiro", uma produção do UOL Esporte que está disponível com exclusividade para assinantes do UOL Play. A obra detalha os bastidores dos três títulos mundiais do clube do Morumbi com histórias contadas pelos protagonistas das conquistas de 92, 93 e 2005.

"Ele estava no banco assim ó [sorrindo imitando Telê], sorrindo. Ele nem gritava. Eu pensei: como ele não está gritando hoje? Tem algo estranho [risos]", contou Cafu. "Ele estava meio dopado", completou o goleiro reserva Marcos Bonequini. "Se foi por causa disso que ele deu aquele sorriso na hora do meu gol, valeu tudo, porque foi um sorriso muito relax [risos]", acrescentou Raí.

Figura central dos triunfos seguidos nos anos 1992 e 1993, Telê precisou ser convencido a assumir o clube. A aposta se pagou com juros: ele virou símbolo da busca pela perfeição numa equipe que marcou época.

"Ele não queria ir para o São Paulo. Não para o São Paulo, mas ele não queria trabalhar. Ele estava estressado. Aquilo fazia mal para ele, aquele excesso. Mas também fazia falta. Mas ele foi pro São Paulo, e foi conhecendo o São Paulo", contou o filho de Telê, Renê Santana.

"A gente tinha uma voz de comando muito grande que era o Telê. Ele era o carro-chefe. Perder, para ele, era uma palavra que não poderia existir", contou Palhinha. "O Telê sempre foi um treinador muito disciplinador, exigente por tudo que queria. Disciplina tática, treinamento, comprometimento, tudo", completou Cafu.

Raí 'molengão', carne escondida e 'lições' de italiano

Telê mudou o rumo do São Paulo. Quando assumiu o time, após ser convencido, o treinador que já tinha passado pela seleção brasileira e montado um dos times mais influentes na história das Copas do Mundo, a equipe de 1982, teve como tarefa recuperar um jogador que seria negociado. Raí, taxado de 'molengão', iria embora, mas teve o caminho mudado pelo Mestre e virou ídolo.

"Quando ele foi conhecer o São Paulo, passou por um jogador, esse jogador era o Raí. E o diretor que estava apresentando disse: este você nem cumprimenta porque este nós estamos vendendo, dispensando, porque é um molengão, alguma coisa assim", lembrou Renê.

"Eu estava num momento de acomodação, e o Telê chegou me provocando. Assim: você faz tudo isso muito bem feito, mas pode fazer muito mais gols. Você tem 1,90m, faz quantos gols de cabeça por ano? Para isso tem que treinar. Tem que estar mais presente na área. Você dá o lançamento para o lateral, tem que correr lá. Tem que ajudar na marcação, tem que ser um jogador mais completo. E fez eu perceber que poderia chegar muito mais longe", reconheceu Raí.

Telê Santana, durante treino do São Paulo - Arquivo Histórico do São Paulo Futebol Clube - Arquivo Histórico do São Paulo Futebol Clube
Imagem: Arquivo Histórico do São Paulo Futebol Clube

Nos bastidores da ida ao Japão para o Mundial, o São Paulo encontrou dificuldades para transportar 80 quilos de carne, que serviriam para as refeições do grupo de atletas do outro lado do mundo. A solução foi esconder isopores entre malas de roupas e, assim, driblar a vigilância alfandegária.

"Em julho, o hotel lá já tinha nosso cardápio. Eles disseram: essa quantidade de carne vai ficar muito caro. Calcularam 80 quilos para a gente levar. Mas o Marcos Freire, da agência [de viagens] disse que isso não iria passar na alfândega. O que nós fizemos? O isopor da carne, colocamos sacos de roupa em volta, com chuteira com a travas para fora mostrando que eram sacos de chuteira. E conseguimos levar essa quantidade de carne, porque era muito caro lá", contou o preparador físico Moraci Sant'Anna.

O São Paulo venceu seu primeiro Mundial ao bater o Barcelona por 2 a 1, de virada.

No ano seguinte novamente conquistou a Libertadores e se deparou com Milan no Mundial. Antes do jogo, a rivalidade cresceu graças às aulas de italiano que Toninho Cerezo deu para Válber.

"O Cerezo é um cara que ficou marcado no São Paulo. Ele era muito importante para a gente", contou Cafu. "Ele ensinou o Válber a falar um monte de palavrão em italiano. Teve um dia que fomos, todo mundo, num shopping, os dois times, porque fazia parte da programação. Os caras do Milan passavam e o Válber xingava eles em italiano. E os caras sabiam que ensinou foi o Cerezo", revelou Palhinha.

Em campo, o time brasileiro fez 3 a 2.

De garçom a 'Ronaldinho', a promessa de Ceni e dentista antes da final

Rogério Ceni durante a final do Mundial de Clubes de 2005 - Shaun Botterill/Getty Images - Shaun Botterill/Getty Images
Imagem: Shaun Botterill/Getty Images

A televisão estava ligada no jogo do São Paulo e um garçom dividia os olhares entre as bandejas e os lances. Equilibrava pratos e garrafas enquanto torcia pelo seu time do coração. Gol do Tricolor, e, de repente voou cerveja e um filé com fritas por cima dos clientes. Essa foi a história de Aloísio, que anos mais tarde seria fundamental para a conquista do tricampeonato.

"Eu trabalhava de garçom [em 1993]. Teve o gol do Muller, no último minuto. Eu com a bandeja para servir uns casais. Na hora do gol, gritei: gol! Esqueci que estava com a bandeja, com uma garrafa de cerveja, que eu chamo de danone, os copos, o filé com fritas, que voou, caiu na mulher do pessoal, ficaram todos bravos [risos]. Graças a Deus não fui mandado embora, mas tomei ali um puxão de orelha. Valeu a pena, para comemorar aquele título que é esperado o ano todo", afirmou Aloísio.

Em 2005, o São Paulo tinha conquistado a Libertadores numa final brasileira contra o Athletico Paranaense, foi ao Mundial de Clubes — já com outro formato — e viu o Liverpool carregar um histórico impressionante. Eram 16 jogos de invencibilidade, 11 sem sofrer gols. Mas Aloísio, o garçom que atirou comida e bebida para cima para comemorar o gol de Muller, virou protagonista com 'passe de Ronaldinho' para o gol de Mineiro.

"Deu certo aquela trivela, a lá Ronaldinho Gaúcho", brincou o atacante. "Ele brinca que deu uma de Ronaldinho", completou o técnico de 2005, Paulo Autuori. "Um cara que saiu de Atalaia-AL, 17 anos, cortador de cana, que trabalhava na usina, garçom, são-paulino doente, e depois o cara está lá dando passe para o gol do terceiro Mundial do time do seu coração... É uma coisa que só Deus para proporcionar", vibrou Aloísio.

Neste título, o grande herói foi Rogério Ceni, que precisou ir ao dentista antes da decisão e que sofria com dores no joelho. Mas tinha prometido, quando esteve presente no grupo de 93, que ergueria a taça jogando, e cumpriu em grande estilo, evitando uma série de gols garantindo o 1 a 0.

"Ele tinha ido um dia antes no dentista. Estava com dor, e também tinha dor no joelho. Mas mesmo assim ele foi para o jogo e pegou muito", contou o auxiliar técnico Milton Cruz. "Eu tive que ir no consultório extrair o dente siso. E foi um alívio, porque foi como tirar a dor com a mão... Eu ainda tinha dores no joelho, tanto que não participei do último treinamento... Nos últimos cinco minutos eles finalizavam umas quatro ou cinco vezes no gol. E a bola passava.... Foi o último chute, passou para o lado, eu vi o banco de reservas pedindo o fim do jogo, dei uma segurada... Quando bati o tiro de meta, ela passou o meio de campo, acabou o jogo... Eu diria que o segundo tempo teve 90 minutos", lembrou Rogério.

"O tempo foi passando, o São Paulo ficando fora de Libertadores, e eu disse que antes de encerrar minha carreira, eu repetiria o feito de 93 jogando pelo São Paulo. Demorou 12 anos, mas eu consegui em 2005", finalizou o ex-goleiro e atual técnico do time.

"És o primeiro": documentário mostra como São Paulo conquistou o mundo

O documentário "És o primeiro" está disponível com exclusividade para assinantes do UOL Play.

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