Conheça o time mineiro que nunca venceu em casa, mas mira futuro de glórias
Logo na entrada de Ouro Branco, cidade localizada a cerca de 100 quilômetros de Belo Horizonte, está o Estádio José Mapa Filho. Próximo ao centro antigo, o Mapão, como é chamado pelos moradores da região, foi construído para receber jogos de futebol amador, mas desde o início da década passada é também a casa do Betis Para o Futuro Futebol Clube. Mas o estádio municipal jamais foi palco de uma vitória da equipe profissional, nas seis temporadas do Betis na Segunda Divisão do Campeonato Mineiro, que equivale à terceira divisão estadual.
Ao todo são 27 partidas em seis anos como mandante. Nem todas foram disputadas em Ouro Branco, alguns jogos aconteceram em Sete Lagoas e Muriaé, por falta de laudos do Estádio José Mapa Filho, com 24 derrotas e apenas três empates. Em 2022, numa competição que é mais curta, com apenas sete jogos na fase inicial, o Betis já jogou duas vezes em casa e segue sem vencer — foi uma derrota e um empate. O último jogo no torneio e também em casa será disputado neste sábado, às 15h, diante do Passos. Já eliminado, a equipe local tentará quebrar o tabu como mandante diante de um adversário que ainda sonha com uma vaga nas oitavas de final.
O UOL Esporte esteve em Ouro Branco em busca de explicações para a falta de triunfos dentro de casa. Dirigentes, funcionários, jogadores e até moradores de Ouro Branco conversaram com a reportagem, mas ninguém tem uma resposta precisa. "Não tenho uma resposta para você, é uma incógnita", respondeu o presidente Raul Moreno, que até então não tinha conhecimento do retrospecto tão ruim como mandante.
"Na verdade eu nem sabia disso. Quando o Baresi (vice-presidente do clube) me falou sobre isso, que fui puxar pela memória e realmente foi assim, sem nenhuma vitória dentro de casa", admitiu o dirigente.
Do elenco do Betis que disputa a Segundona mineira, quatro jogadores conversaram com o UOL Esporte. Os zagueiros Vanderson e João Victor, o meia Ronan e o atacante Jhonatan. Todos garotos abaixo dos 20 anos, todos de outros estados, como Tocantins, Rio Grande do Sul e Paraná, e todos formados na base do clube. Mas nenhum foi capaz de dar uma resposta exata para a ausência de triunfos nos jogos disputados em Ouro Branco.
Vários são os motivos apontados e que podem explicar o rendimento ruim dentro de casa, como o péssimo estado do gramado. As condições do campo no José Mapa Filho não são boas, especialmente nesta época, sem chuvas. Algo que a prefeitura de Ouro Branco promete corrigir para 2023. A reforma do gramado está aprovada para a próxima temporada e não está descartada a utilização de um piso sintético. Além do Bétis, o Contagem também manda suas partidas no Mapão.
Outro fator que interfere no desempenho como mandante é a falta de interesse do público local. Numa cidade que é reduto de torcedores do Cruzeiro e do Atlético-MG, os jogos do Betis não são grandes atrativos. Apesar do ingresso barato — a entrada para o jogo deste sábado é de apenas R$ 10 e também dá direito ao jogo do time sub-20 —, a procura é muito baixa. No compromisso mais recente em casa, o empate sem gols com o Santarritense, no dia 27 de agosto, foram vendidos apenas 111 bilhetes dos 350 colocados à venda.
Erros de arbitragem, falta de estrutura e até a baixa média de idade do clube foram citados como motivos para o Betis não vencer e casa. Apesar de a Segundona ser uma competição sub-23, com o limite de cinco atletas acima da idade, a equipe de Ouro Branco utiliza muitos jogadores do time sub-20, que disputa o estadual da categoria.
Outro aspecto que tem impacto direto nos resultados é o financeiro. O Betis não tem muito dinheiro para fazer futebol, conta com o auxílio da prefeitura de Ouro Branco e de comerciantes locais para manter as atividades. "A manutenção do clube alta, pois fazer futebol profissional é caro. Eu posso falar que só de alimentação são R$ 340 mil por 11 meses, além de R$ 82 mil com moradia. Isso é apenas a ponta do iceberg. A prefeitura é hoje nossa maior patrocinadora, mas ela não nos dá dinheiro. Ela me dá suporte, como o estádio para fazer os jogos, me dá ambulância para as partidas, tem também dois médicos para todas as categorias", explicou o presidente Raul Moreno.
Sonhando grande
O retrospecto do Betis não é nada positivo na Segunda Divisão do Campeonato Mineiro, tanto que nas cinco edições anteriores o time de Ouro Branco terminou na última colocação três vezes. Até a campanha desta temporada, que já é a melhor do clube, o 14º lugar de 2019, numa competição disputada por 16 clubes, era a colocação mais alta. Mas isso não impede que todos no Betis sonhem com dias melhores.
Desde os jovens jogadores, que enxergam o clube como um trampolim, aos funcionários, torcedores e a diretoria. "Dentro de três anos eu quero estar na Primeira Divisão. Neste ano estivemos perto de buscar a classificação, mas em diversos momentos fomos prejudicados pela arbitragem", disso o presidente Raul Moreno, ao UOL Esporte.
Tarefa que não é nada fácil, afinal serão necessários dois acessos nos próximos três anos. Mas sonhar não custa caro. Com equipes também nas disputas dos Campeonatos Mineiros da base, como o sub-20, sub-17 e sub-15, o Betis projeta a venda de jogadores para impulsionar o clube. De acordo com o Raul Moreno, a equipe de Ouro Branco ainda não fez dinheiro com a negociação de atletas, apesar de já ter colocado jogadores nas categorias de base de clubes como Atlético-MG, Cruzeiro, Flamengo e até mesmo na equipe B do PSG, caso do atacante Douglas Gund, que ficou uma temporada na equipe francesa. O volante Rayr, da base, tem propostas do Grêmio e do Red Bull Bragantino.
Somando todas as categorias o Bétis tem 110 jogadores. Apesar de ter alojamento para todos os garotos, falta uma estrutura adequada para treinar. O estádio municipal é utilizado apenas para jogos e eventual nas vésperas das partidas. Como os treinos são realizados em diversos campos da região, o Betis também mira a construção de um CT. O local dos sonhos já está escolhido, um antigo clube de lazer de uma siderúrgica local, mas falta o principal: dinheiro.
Enquanto isso, os jogadores que têm contrato com o Betis também sonham com dias melhores. Não só com próprio clube, mas também em busca de voos mais altos na carreira. O atacante Vitor Leque, que pertence ao Cruzeiro, mas está emprestado ao Juventude, foi jogador do Betis e é uma das inspirações dos atletas que defendem o clube de Ouro Branco.
A origem: projeto social e inspiração na Espanha
Quando se fala em Betis logo se pensa no tradicional clube da Espanha, atual campeão da Copa do Rei, não do modesto clube do interior de Minas Gerais. O nome igual e as cores — verde, branca e preta — não são coincidência. Fundado em 1999 como projeto social, em Caxias do Sul, o Betis recebeu o nome por causa do xará famoso, que na época contava com o atacante Denilson. Presidente do clube, Raul Moreno foi jogador de futebol nos anos 1990 e montou o projeto social para ajudar crianças.
"O objetivo era ajudar as crianças de baixa renda, que não tinham oportunidades", disse o dirigente, que como jogador teve passagem mais marcante pelo Caxias. No clube gaúcho ele jogou com o centroavante Washington, o Coração Valente, e pegou o início da carreira de Tite como treinador.
Como surgiu como um projeto social, que chegou a ter 250 crianças simultaneamente e atendeu mais de 1,4 mil garotos, o nome dado foi Betis Passos Para o Futuro Futebol Clube. "A gente fazia o futebol, mas também tinha professores e profissionais de educação, para fazer trabalhos duas vezes por semana", explicou Moreno.
A mudança do Rio Grande do Sul para o interior de Minas Gerais aconteceu em 2013, quando Moreno recebeu uma proposta para trabalhar no Estrada Real Futebol Clube, também de Ouro Branco, mas já extinto. Como o primeiro projeto em Minas Gerais não deu certo, Moreno decidiu resgatar o Betis. No primeiro momento, em 2016, foram criados os times de base, e o time profissional foi criado somente em 2017. Foram mais de R$ 320 mil gastos apenas para regularizar o clube na Federação Mineira de Futebol.
"A decisão foi rápida, sem apoio nenhum, uma loucura da minha parte", completou Moreno, que num futuro próximo espera receber América-MG, Atlético-MG e Cruzeiro no Estádio José Mapa Filho. E, quem sabe, para vencer.
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