'Jeitinho brasileiro' fez de Freddy Rincón um dos maiores volantes do mundo
Qual o peso de um título para o currículo do jogador de futebol? Muitos torcedores discutem até hoje se Messi, Zico, Cruyff e tantos outros merecem ser uma lenda da bola mesmo sem conquistar uma Copa do Mundo.
Há exemplos também nos clubes e na América do Sul. Um deles é o volante colombiano Freddy Eusébio Rincón Valencia, morto em um acidente de carro em abril deste ano. Capitão e símbolo do Corinthians da virada do milênio, ele não precisou ser campeão da Libertadores da América para entrar para a história como um dos grandes volantes do mundo da sua geração.
Rincón desembarcou no Brasil em 1994. Já era considerado craque, um dos grandes nomes da seleção mais forte da história da Colômbia, prestes a disputar uma Copa do Mundo na condição de favorita.
Favorito era também o Palmeiras que o recebeu. O colombiano integrava uma outra seleção, vestida de verde. Contratado para ser meia, durou poucos meses no Brasil e foi logo para o Napoli, onde atuou até como atacante. Depois, esteve ainda no Real Madrid, onde também não se fixou.
Rincón voltou ao Palmeiras em 1996. No ano seguinte, sem muito alarde, foi para o Corinthians, onde logo de cara precisou lutar até contra o rebaixamento no Brasileirão de 1997. O técnico era Candinho.
Rincón e companhia se salvaram, e veio então a temporada de 1998, a que alçou o Corinthians a uma fileira de títulos enquanto Rincón virava uma unanimidade com sua raça, classe e agressividade nos desarmes. Mas já não era meia, e sim volante.
O aluno e o professor
"O meu time precisava de mais pegada no meio, por isso tentei usar o Freddy como volante", disse Vanderlei Luxemburgo ao UOL Esporte.
"Deu muito certo. Ele já era experiente [32 anos], não tinha aquele ímpeto de quando chegou ao Palmeiras, mas conhecia os atalhos do campo e as manhas para dar o bote no adversário. Ele não foi um volante comum, foi o melhor volante com quem trabalhei", explicou o treinador do colombiano naquele 1998.
"Era fácil jogar com ele. Especialmente decisões. O Freddy crescia demais", relembra Vampeta, seu histórico parceiro. "Basta ver contra quem foram os nossos títulos. Era só timaço. E o Rincón ajudava a marcar todo mundo."
A sugestão de Vampeta merece ser resgatada. Embora não vencesse a Libertadores naqueles anos, o Corinthians foi campeão batendo em finais nada menos que três dos clubes brasileiros que conquistaram a América.
O primeiro deles foi o Cruzeiro, campeão da Libertadores de 1997 e vice contra o Corinthians no Brasileirão de 1998. Depois, o Vasco. Dono da América em 1998, foi, mesmo reforçado, derrotado pelo Timão no Mundial de Clubes de 2000. Por fim, o Palmeiras, que faturou a Libertadores de 1999 e, dias depois, perdeu o Paulista para o Corinthians de Rincón e Gamarra.
No futebol, uma das grandes métricas para conferir desempenhos é a capacidade dos rivais. Rincón, seguindo esta lógica, foi realmente um dos melhores do mundo. Brilhou, afinal, no último auge do futebol brasileiro, o ciclo que terminou com o penta na Copa do Mundo de 2002 (conquistada, aliás, por Luiz Felipe Scolari, de embates históricos com o colombiano justamente pela capacidade do corintiano de comandar o meio-campo).
E a Libertadores?
Olhando para a carreira de Rincón no Brasil, surge imediatamente a pergunta: como foram suas Libertadores pelos clubes do país?
Ele disputou a competição bem menos do que se pode imaginar: apenas duas vezes.
A primeira, com o Palmeiras, em 1994. Atuou na primeira fase, sendo negociado com o Napoli antes de o clube cair nas oitavas de final. Foi contra o São Paulo, então campeão da competição, e que chegaria até a decisão, vencida pelo Vélez Sarsfield, da Argentina.
Rincón voltaria à competição apenas em 1999, com o Corinthians, sendo eliminado justamente pelo Palmeiras, nos pênaltis, nas quartas de final. O Alviverde terminaria com o título. Em 2000, o colombiano já estava no Santos.
Duelo contra Redondo
Outro argumento forte para defender a inclusão de Rincón no rol dos maiores volantes do seu tempo são os embates que hoje, com o passar do tempo, ganharam fama de encontros realmente lendários.
Do Brasil, vale ressaltar os seus clássicos com Raí, no São Paulo. Do exterior, é impossível não mencionar sua atuação diante de ninguém menos que o argentino Fernando Redondo, do Real Madrid, no Mundial de Clubes de 2000.
O Corinthians enfrentou o Real em uma tarde de sexta-feira no chuvoso Morumbi. Rincón e Redondo esbanjaram classe e futebol de altíssima qualidade durante 90 minutos inesquecíveis. O empate por 2 a 2 mostrou a paridade de dois times que, não à toa, entrariam para a história. Aquele Corinthians terminaria o Mundial com o título. E o Real Madrid contava com nomes que serviriam como base para sua "Era Galáctica" logo a seguir.
O fim com Tite
Moldado e mudado por técnicos brasileiros — que o ajudaram, afinal, a ser um dos melhores do mundo —, Rincón encontrou o ponto final de sua carreira de alto nível pelas mãos do hoje técnico da seleção, Tite.
Os dois trabalharam juntos no Corinthians em 2004. Rincón vivia a sua segunda passagem pela equipe, não lembrando nem de longe o volante do passado. Estava com 37 anos. Pesado, não conseguia acompanhar o ritmo dos jovens.
No fim de junho de 2004, Tite chamou o colombiano para uma conversa, e o dispensou. "Ele disse que eu estava sendo justo e valorizou o meu gesto", comentou o técnico recentemente.
Valorizar o gesto. Milhões de corintianos fazem o mesmo até hoje. Nas suas lembranças, Rincón seguirá para sempre como o capitão erguendo troféus por toda a eternidade.
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