Fenômeno: A revolução de Ronaldo que levou o Cruzeiro de volta à elite
Ronaldo chegou ao camarote do Mineirão por volta de 20h30 de ontem. A segurança reforçada e os tapumes que protegiam o caminho até onde assistiria ao jogo impediram qualquer contato de torcedores com ele. Na arquibancada um enorme mosaico com o rosto do aniversariante de hoje (22) era a prova de que os cruzeirenses escolheram o herói da volta do clube à elite do futebol nacional. Aos 46 anos, Ronaldo não joga mais, mas ainda provoca fortes emoções.
Ronaldo tem optado por ser mais discreto desde que virou cartola aqui no Brasil. Com experiências administrativas na Europa e Estados Unidos, as falas do dirigente são muito mais controladas do que as da época de Fenômeno dos gramados. Oficialmente só marcou uma entrevista coletiva. Em outras três ocasiões, se viu cercado por repórteres e respondeu a algumas perguntas (depois de uma reunião do conselho do clube, na estreia do Campeonato Mineiro e no primeiro clássico contra o rival Atlético).
Mas não é preciso dar entrevistas para constatar que a atuação dele é o principal marco nessa volta do Cruzeiro à primeira divisão. O clube, rebaixado em 2019, teve de jogar por três anos a Série B, frustrando a torcida duas vezes até conseguir seu retorno. Após a vitória de 3 a 0 sobre o Vasco, que carimbou a vaga do Cruzeiro na elite no próximo ano, o ex-jogador sorriu e desfilou no gramado. "Trabalhamos muito para isso", afirmou, comemorando bastante.
Entenda a trajetória e o que Ronaldo mudou no Cruzeiro.
A chegada e primeiros passos
O dia 18 de dezembro de 2021 está marcado na história do Cruzeiro como o dia em que Ronaldo 'comprou' o departamento de futebol do clube que o revelou. É uma data simbólica, que marca a assinatura do negócio entre as partes — que foi concluído só quatro meses depois, seguindo um rito burocrático. Pela dívida acumulada, de cerca de R$ 1 bilhão, esperava-se um investidor estrangeiro. Além da rapidez do negócio (menos de um mês desde a inscrição do clube no projeto SAF), o fato de o comprador ser um brasileiro foi uma boa surpresa.
Já como primeiro ato, Ronaldo convocou a torcida pelas redes sociais e incentivou o programa de sócio-torcedor. Conseguiu um salto de 10 mil inscritos para os mais de 69 mil atualmente, com uma campanha inspirada no apelido da época de jogador: "Vai ser fenomenal!".
O 'dirigente' Ronaldo teve seu primeiro contato físico com o clube em janeiro deste ano. Visitou as estruturas, conheceu os funcionários, equipe, comissão. A partir daí foi para o escritório avaliar os gastos. Começou a realizar cortes, enxugar contas e limpar a casa.
Ronaldo enfrentou resistência do Conselho Deliberativo do clube (que não está sob controle da SAF). Foi questionado sobre como o aporte de R$ 400 milhões (previsto no contrato de compra dos 90% da SAF) seria feito. Ele deu explicações, fez exigências e até ameaçou não seguir com o negócio. Mas acabou aprovado por aclamação do Conselho do clube e seguiu adiante. No dia 14 de abril de 2022, Ronaldo se tornou oficialmente dono do futebol profissional do Cruzeiro.
Choque e planejamento do zero
Ronaldo chegou sabendo o que queria. E era bem diferente do que estava planejado pela gestão anterior. De cara, avisou Alexandre Mattos que ele não mais assumiria o cargo de diretor em janeiro deste ano, como estava já combinado com a gestão anterior. Contratações dele também foram desfeitas — casos do goleiro Jaílson, que vinha do Palmeiras, e do lateral Pará, do Santos.
Outros atletas que já estavam no clube também foram dispensados, visando enxugar radicalmente a folha de pagamento. Um exemplo foi o zagueiro Maicon, hoje no Santos, que para ficar teria de cortar o salário já acertado pela metade, o que ele não aceitou. Por fim, Pedro Martins, contratado como diretor para a vaga que seria de Mattos, explicou que essas dispensas e rescisões gerariam uma economia de mais de R$ 11 milhões.
O próximo movimento foi demitir Vanderlei Luxemburgo. Ele havia comandado o time na reta final de 2021 e tinha renovado para a atual temporada, o que não foi suficiente para segurá-lo no cargo. Havia só dez dias de 'gestão Ronaldo' quando Luxemburgo deixou o clube, seguindo o movimento de adequar as contas ao faturamento do Cruzeiro.
Ronaldo escolheu o desconhecido treinador uruguaio Paulo Pezzolano, que estava no Pachuca-MEX nas últimas três temporadas. Com estilo de jogo ofensivo, jovem e barato, Pezzolano se encaixou na filosofia que o Cruzeiro precisava para o clube. O trabalho fluiu, o time sobrou na Série B e o treinador, em junho passado, já renovou seu contrato com o clube até o final do ano que vem.
A parte amarga do remédio: a despedida de um ídolo
A decisão de dispensar o goleiro Fábio chateou muitos torcedores do Cruzeiro. Depois de 17 temporadas defendendo o clube, o goleiro e ídolo havia renovado seu contrato com a gestão anterior, mas com a chegada da SAF, a situação mudou em janeiro deste ano.
Segundo Fábio, a nova direção ofereceu a ele um contrato que ia apenas até o final da disputa do Campeonato Mineiro, com duração de três meses. Com o maior salário do elenco à época, Fábio propôs uma redução, mas para seguir até o fim do ano. O Cruzeiro não topou. Atualmente, o clube deve R$ 20,6 milhões ao goleiro referentes a atrasos salariais e trabalhistas das gestões anteriores.
Para substituir Fábio, Ronaldo foi à Segunda Divisão da Inglaterra buscar Rafael Cabral. Revelado pelo Santos, o jogador estava na Europa desde 2013, onde jogou muito pouco, sendo mais reserva.
Rafael chegou sob desconfiança, principalmente porque a maior parte da torcida foi contra a saída de Fábio. No entanto, o novo camisa 1 se tornou uma das principais peças da campanha, com atuações decisivas e defesas milagrosas.
"Ninguém apaga a história de ninguém, todo mundo tem o seu valor e o que eu quero é ser lembrado pela torcida do Cruzeiro como o goleiro que ajudou o time a conquistar o objetivo principal enquanto estiver aqui", disse Cabral em entrevista ao UOL Esporte.
Os demais jogadores que chegaram seguiram o perfil. Pouco conhecidos, longe de ser estrelas. Um bom exemplo é Luvannor, piauiense de 32 anos que passou grande parte da carreira na Moldávia e foi fundamental nessa campanha de acesso assim como o centroavante Edu, que veio do Brusque. Era um time na medida certa para a Série B. E deu certo o planejamento. O Cruzeiro garantiu o acesso à Série A com sete rodadas de antecedência, a melhor marca da história.
O presente e o futuro
Ronaldo sabe o que fez o clube ter sucesso neste ano e não vai mudar. A política de contratar jogadores dentro do orçamento e privilegiar uma maneira de jogar futebol em vez de investir em nomes de impacto será mantida. A projeção para a próxima Série A é bem conservadora. Ronaldo estabeleceu como meta o 13º lugar no Brasileirão.
O técnico Paulo Pezzolano concorda: "Acredito que (com o time atual) brigaríamos para não rebaixar, sinceramente", disse o treinador. A grande questão parece ser como a torcida reagirá a essa realidade. Até aqui a resposta é positiva.
Dono de um das galerias de troféus mais impressionantes do futebol brasileiro, o Cruzeiro pode levar algum tempo para competir pelas grandes taças. O que certamente acalma a arquibancada é saber que o clube encontrou um caminho. E, nesse ritmo, mesmo que demore mais do que alguns gostariam para chegar ao topo, quando lá estiver lá terá condições de se manter.
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