Vida depois da SAF: o que faz um presidente que não manda mais no futebol?
Durcesio Mello abre a porta de sua sala no Nilton Santos e brinca com alguns objetos que julgava estar fora do lugar. 'Teve manutenção no ar-condicionado e tenho vindo menos aqui. Aí, já viu, né?'. De fato, após a concretização da SAF, a rotina do presidente do Botafogo mudou e seu dia a dia tem sido em General Severiano, sede social localizada no bairro que dá nome ao clube.
Sem mais o controle majoritário do departamento de futebol, o mandatário admite, em tom bem-humorado, que esperava que a pressão diminuísse um pouco, mas lembra que ainda tem participação na pasta, ressalta que o "dia ainda continua ocupado" em outras frentes do Alvinegro e avisa: quer voltar à arquibancada ainda durante o mandato.
Empresário com atuação em diversas áreas, ensinamento que levou para a vida após um empreendimento quase quebrar juntamente com o único cliente, Durcesio ainda tem desafios e objetivos no pouco mais de dois anos que ainda tem no comando do Glorioso — a representação por quatro anos foi implementada na última eleição. Após atravessar um ano intenso, em que viveu uma montanha-russa, celebra a nova fase do clube de coração.
"Na realidade, o trabalho continua a mil. Achei que ia diminuir um pouco (risos), porque o futebol é a grande pressão. Pressão da torcida, por resultados, mas ainda tenho participação. Temos 10% da SAF, então, mantenho contatos semanais com John Textor. Ele me liga duas vezes por semana, pelo menos, e nos falamos por uns 30 minutos", disse, ao UOL Esporte.
O contrato não-vinculante com Textor foi assinado ainda em dezembro, pouco após a conquista do acesso à Série A do Campeonato Brasileiro. A transferência das ações foi oficializada no início de março. A partir daí, um outro horizonte se abriu e Durcesio passou a buscar soluções com o olhar em um novo rumo.
"Hoje o Botafogo social tem uma receita muito pequena e uma despesa muito maior. Somos deficitários. Então, tenho trabalhado para equalizar isso. Já estamos fazendo, temos vários projetos em andamento para tentarmos seguir neste caminho e fazer um clube superavitário. Isso demanda tempo e trabalho. Mas está sendo fascinante porque está me dando tempo não só de tentar equacionar essas contas, mas também para trazer coisas novas", aponta.
A parede da sala ocupada pelo presidente no Nilton Santos também serve de inspiração. As fotos que decoram o ambiente foram escolhidas por ele e reforçam o trecho do hino que diz que "Em outros esportes tua fibra está presente".
"Tem o Garrincha, uma do time campeão de 1907, mas tem a natação, com o Fiolo. Foto do polo aquático, peguei do time que foi o primeiro campeão brasileiro de basquete, uma foto do remo, uma foto do maior time brasileiro de todos os tempos no vôlei, que foi 11 vezes campeão carioca, campeão brasileiro várias vezes, que tem o Bebeto de Freitas, Ary Graça, Nuzman, Mario Dunlop...", narra, enquanto aprecia as imagens.
Ao citar o desejo de reforçar os esportes olímpicos do Alvinegro, Durcesio revela que a relação com Textor extrapola o futebol:
"Estamos trabalhando para captar recursos para os esportes olímpicos. Essa parte me toca muito. Quero fazer o Botafogo voltar a ser forte com projetos incentivados e/ou patrocinadores. O basquete disputando o NBB, ter equipe de vôlei, um remo mais forte... O Textor tem ajudado nisso e no museu do Botafogo, que é um projeto lindíssimo, e que vai trazer receita. Uma das minhas maiores metas, nestes dois anos que faltam, é colocar o museu de pé. Se Deus quiser, em 8 de dezembro de 2023 a gente inaugura. Ele está ajudando no museu, no remo, o que mostra como ele tem carinho e que se apaixonou pelo Botafogo".
"O museu, a reforma e abertura do Mourisco, fazer o Botafogo autossustentável, além dos projetos sociais que envolvem o clube, como o Power Soccer [modalidade de futebol para cadeirantes que utilizam cadeiras motorizadas], são minhas metas", completou.
Em meio à correria do intenso primeiro ano de mandato — com queda no Brasileiro, acesso e assinatura do início do processo da SAF —, o presidente revelou, em uma campanha do Glorioso nas redes sociais pelo "Novembro Azul", tratar um câncer de próstata. A doença foi descoberta em dezembro de 2020.
"[A recuperação está] Indo super bem. É um processo longo mesmo, mas está indo cada vez melhor. A extinção do câncer está cada vez mais próxima. Ainda tenho ainda um ano, um ano e pouco de tratamento. Não dá para definir o tempo, mas está indo bem. Estou super bem, está ótimo. Na realidade, o Botafogo é tão importante para mim que até nisso me ajudou, porque o fato de estar ocupadíssimo me tirou um foco da doença. Isso é muito importante, tem um lado psicológico que ajuda na recuperação. Tenho certeza de que o Botafogo me ajudou", conta.
Durcesio, inclusive, quer voltar às raízes desta relação com o Alvinegro. Ele avalia que todo esse processo pelo qual o Botafogo passou durante sua gestão tem reflexos na relação com a torcida, e projeta ir à arquibancada em breve.
"Sei que a torcida tem um carinho grande por mim. E isso é bom porque muitos presidentes saíram sem poder voltar à arquibancada. E eu vou voltar, tenho certeza que vou voltar. E vou voltar ainda na minha gestão. Sou de arquibancada, a vida inteira. Desde os meus 12 anos vou ao Maracanã com os amigos assistir ao Botafogo", disse.
Entre um problema e outro a resolver, o presidente do Glorioso tem um refúgio que fica a menos de duas horas do Rio de Janeiro: "De vez em quando eu viajo, vou para a minha fazenda no Vale das Videiras. É um lugar que me traz alegria e muita paz. Ando descalço, celular não pega... Lá não tenho sinal, mas tenho uma internet legal, então, me acham de qualquer forma (risos)".
Recentemente, o Botafogo e a SAF se viram em episódio mais espinhoso. Contratado como CEO pela gestão Durcesio, Jorge Braga deixou o clube acionou a SAF e Textor na Justiça.
"O Jorge veio para fazer um trabalho, e o ciclo dele tinha acabado. Podia ser que continuasse na SAF, mas podia, e ele sabia disso. Havia grande chance de, a SAF saindo, ele não ser aproveitado. Assim como várias outras pessoas. O ciclo dele acabou e acho que a SAF não quis, como era esperado, e ele sabia disso. Agora, uma pena que acabe dessa maneira, com ele brigando. Uma pena que saia assim depois de um trabalho que fez. Não fez sozinho, mas foi parte deste trabalho, mas isso é a vida. Vida que segue".
Você assume em janeiro de 2021. O primeiro ano de mandato teve a queda no Brasileiro, o acesso, a SAF...
"Fui felizardo, foi um ano maravilhoso. Equipe aqui no Botafogo que é maravilhosa. Muitos hoje estão na SAF e alguns ficaram no Botafogo social. Ganhei amigos que não estão mais aqui, como Lênin [Franco, ex-diretor de negócios], Freeland [ex-diretor de futebol]... Apesar de ser um ano difícil, por não ter dinheiro, foi um ano muito enriquecedor. Tivemos a felicidade de subir, que foi a primeira coisa, e logo depois veio a SAF. O Botafogo já estava pronto, isso que muitas pessoas não entendem. Questionam o valor... O Botafogo vendeu por um valor super de mercado porque esquecem que tem a dívida de R$ 900 milhões. Fora o que vai aportar de dinheiro daqui para frente. Botafogo sem a SAF estaria voltando para a Série B de novo".
Agenda ainda está bem cheia?
"Ainda tenho envolvimento com a SAF porque tem coisa que depende da minha assinatura, seja na transição ou porque vai depender sempre por ser sócio com 10%. Tem muita coisa que participo ainda. Eu não participo de decisões do futebol, por exemplo, mas participo de algumas coisas que requer minha aprovação e assinatura"
Como é a relação com o Textor?
"Muito boa. É uma pessoa maravilhosa, acelerado (risos), mas do bem. Está ajudando bastante o Botafogo. Demos sorte de ter o Textor como dono da SAF Botafogo, e acho que a torcida reconhece isso. Eu reconheço muito. Acho que não podíamos escolher alguém melhor para ser o sócio majoritário da SAF".
Na eleição, o ex-presidente Carlos Augusto Montenegro disse: 'Estou vindo aqui, mas não sei se com esperança ou jogando um amigo de infância no inferno".
"Ele falava isso até da gestão dele, em 1995. Falava que ser presidente de clube, não apenas do Botafogo, mas do Botafogo por causa da crise financeira... Falava que tem 30, 40 dias de alegria no ano e o restante é de inferno. Salário atrasado, perdeu um jogo, foi eliminado... Era muito complicado, então, ele nunca recomendaria ser presidente, mas foi ele que me jogou a mosquinha para ser presidente. E hoje ele está tranquilo (risos), e não tem participação na gestão"
Há a preocupação que a SAF faça cair o número de sócios com vida ativa na política do clube?
"Tínhamos essa preocupação, mas não temos mais porque o número de sócios tem se mantido estável. Deu uma queda em um primeiro momento, mas já voltou. Inclusive, agora vamos fazer um programa para atrair os sócios inadimplentes, bem agressiva em termos de valores para eles voltarem. Não caiu muito e isso é porque o botafoguense é diferente mesmo. E é muito importante ficarem, porque é minha maior receita que tenho no clube"
Você citou sua página no Instagram. Como tem sido a relação com a torcida nas redes sociais?
"Eu não tinha rede social. Fiz um Instagram em setembro, outubro do ano passado. Tive ajuda porque sou um inútil para essas coisas (risos), e a recepção foi a melhor possível. Quando criei, estava em um momento bom. Então, não tinha muita crítica. Agora, a única coisa que tem que não é favorável é sobre o Luis Castro. Mas a torcida tem de entender que isso é uma das grandes belezas do futebol no pleno sentido do profissionalismo, é não ficar sujeito a isso. Luis Castro veio para fazer um trabalho a longo prazo, vai ficar, está fazendo um trabalho bacana. Eu até falei outro dia que estranhava ele não ter um padrão de jogo, mas eu não entendo nada de futebol. Então, quando você vê, o padrão está se criando, não teve jogador a toda hora.
A SAF decidiu por um trabalho a longo prazo e trouxe o Luis Castro, que entende muito de futebol, de integração de base com profissional. Acreditamos nesse projeto a longo prazo e ele vai entregar, já está entregando. Nesse ano, nunca tivemos a ambição de ser campeão, mas breve o Botafogo vai ser campeão com ele.
Agora, tem dinheiro envolvido. Se acontecer alguma coisa, a gente perde 10%, mas o Textor perde 90%. Ele acredita no Luis Castro, no estafe do Luis Castro. Estamos reestruturando todo o futebol profissional".
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