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Copa do Brasil - 2022

Corintianos inspiram Fla e clubes têm torcidas organizadas pela inclusão

Rafael e Juliana, do "Autistas Alvinegros", e Marcos Leal, do "Autistas Rubro-Negros" - Arquivo pessoal
Rafael e Juliana, do "Autistas Alvinegros", e Marcos Leal, do "Autistas Rubro-Negros" Imagem: Arquivo pessoal

Alexandre Araújo

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

12/10/2022 04h00

O duelo que coloca frente a frente as duas maiores torcidas do país, Corinthians e Flamengo, terá nas arquibancadas um laço criado entre rivais que dividem uma preocupação humanitária. Uma iniciativa corintiana inspirou os cariocas e, hoje, os dois clubes têm grupos de torcedores autistas que frequentam os estádios.

O grupo "Autistas Alvinegros" foi elaborado por Rafael Lopes e Juliana Prado — ambos com diagnóstico tardio do transtorno do espectro autista (TEA) —, que passaram a levar uma faixa para os jogos do Corinthians.

"O projeto se iniciou pelo meu amor ao Corinthians e por eu me descobrir autista aos 33 anos, pois tive um diagnóstico tardio. Eu tive a ideia [da faixa] e repassei para a Juliana. Juntos, confeccionamos a faixa e já começamos a levar aos jogos. A recepção da torcida foi ótima, as pessoas abraçaram a causa de cara. Para a gente, foi um marco, pois não esperávamos isso assim tão rápido", relatou Rafael.

A ação atravessou o estado e inspirou Marcos Felipe Leal, um fanático torcedor do Flamengo, pai do Felipe, de 13 anos, também autista. Assim, ele fundou o "Autistas Rubro-Negros". De família de tricolores e vascaínos, Marcos Felipe se tornou rubro-negro graças à geração de Zico e companhia.

A relação com a causa dos portadores do TEA não é nova, e já houve ação que contou com alguns ídolos do clube.

"De alguma forma, sempre fomos engajados. Em 2015 fizemos uma ação com o Flamengo e colocamos 20 crianças autistas em campo, em um Fla x Flu. Posteriormente, levamos o Adílio e o Júlio César [Uri Geller], com o consentimento do clube, em uma clínica-escola em Itaboraí. Estávamos pensando em fazer alguma coisa e, vendo a faixa do Corinthians em Itaquera, essa chama se acendeu", contou.

"A gente vê que o futebol é futebol, mas a questão da inclusão está acima de qualquer rivalidade. Isso nos inspirou a tentar criar o nosso espaço. Há muitos pais com crianças autistas e acho importante criar essa visibilidade, essa conscientização, para pais e crianças se sentirem amparados. E simpatizantes que queiram abraçar isso também, claro."

Rafael se mostrou feliz com a repercussão. "Desde o início, tínhamos como objetivo inspirar as demais torcidas, mas ficamos surpresos, pois foi mais rápido do que esperávamos, isso foi ótimo".

Marcos Felipe, criador do "Autistas rubro-negros", em visita a clínica-escola, com Adilio e Júlio César Uri Geller - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Imagem: Arquivo pessoal

Criado na última semana, o "Autistas Rubro-Negros" já recebeu diversos contatos e relatos de torcedores do Fla que, de alguma forma, se identificaram com a causa. Inicialmente, surgiu como um espaço online, mas Marcos Felipe pretende expandir a ação para a arquibancada.

"A aceitação está sendo maravilhosa, acima da expectativa. Estamos querendo criar uma faixa, camisa e um local onde as pessoas possam se encontrar, o Maracanã é ótimo para isso. Crianças autistas amam futebol, então, acho que tem esse papel importante, de trazer para a sociedade a importância da inclusão", apontou.

Alguns exemplos de como o grupo pretende ser utilizado são auxiliar pais que não sabem o procedimento em como retirar ingressos para os jogos aos quais os filhos autistas têm direito, indicações profissionais para tratamentos e até caminhos legais em algumas áreas.

"Criamos um grupo de WhatsApp e páginas nas redes sociais para nos ajudarmos, relatar dificuldades e conquistas. Por exemplo, muitas pessoas têm filhos autistas e não sabem o procedimento para a retirada da gratuidade. Queremos ajudar também com dicas de profissionais para tratamento, várias frentes para ajudar para a melhor compreensão", salientou.

Em breve, inclusive, as partes projetam um encontro para que o movimento possa aumentar e abranger ainda mais clubes pelo Brasil.

"Entrei em contato com o Rafa e estamos montando um projeto que envolve também outros clubes, acredito que isso pode ajudar bastante a pauta. A sociedade precisa entender a importância da inclusão e do amor. Quando se fala em autismo, eu falo de amor", ressaltou Marcos Felipe.

"A tendência é que avance cada vez mais e creio que mais e mais torcedores de outros clubes irão aderir a esse movimento. E caso tenhamos um tempo hábil, iremos, sim, promover um encontro com foco nas finais da Copa do Brasil", complementou Rafael.

Abraço do goleiro Cássio

Goleiro com maior número de jogos pelo Corinthians — 619 até o momento —, Cássio abraçou o "Autistas Alvinegros" e revelou que a filha Maria Luiza, de 4 anos, possui autismo. Ele posou para fotos com a faixa do projeto e chegou a conceder uma entrevista com a camisa.

"O apoio do Cássio foi de extrema importância, pois abriu novos horizontes para que o autismo tivesse mais visibilidade, e creio que isso foi uma conquista muito grande se tratando daquilo que buscarmos, que é a inclusão social", afirmou Rafael Lopes.

Cássio fez elogios à iniciativa, apontando a importância que tem ao ajudar diversos pais e familiares através das redes sociais.

"Conheci o pessoal, eles estiveram no CT, vi que são pessoas sérias. Nem todos sabem, mas eu tenho uma filha autista. A Maria Luiza, minha filha de 4 anos tem autismo. Eu comecei a pesquisar e ler mais sobre o assunto, sigo páginas de autismo. Como pai, quanto mais eu puder saber sobre autismo, até para dar suporte para minha esposa e para minha filha evoluir, eu vou fazer. O pessoal dos 'Autistas Alvinegros' é super bacana, você entra no Instagram deles e vê casos de crianças que têm autismo, o que fazer, como agir. Eles têm trazido crianças autistas", disse, após o empate com o Internacional, pelo Brasileiro.

Posteriormente, ele falou sobre o assunto ao participar de um programa da ESPN.

Sala na Neo Química Arena

Atualmente, o Corinthians mantém uma sala com isolamento acústico e atividades voltadas ao público autista dentro da Neo Química Arena. A ideia é proporcionar uma interação maior das pessoas com TEA com o clube.

Dia Mundial de Conscientização do Autismo

Em 2007, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 2 de abril como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, com o objetivo de levar informação à população para reduzir a discriminação e o preconceito.

Segundo definição do Ministério da Saúde, "o transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades".

O artigo "Um retrato do autismo no Brasil", da Universidade de São Paulo (USP), aponta que, "segundo dados do CDC (Center of Deseases Control and Prevention), órgão ligado ao governo dos Estados Unidos, existe hoje um caso de autismo a cada 110 pessoas. Dessa forma, estima-se que o Brasil, com seus 200 milhões de habitantes, possua cerca de 2 milhões de autistas".

Mais à frente, há a indicação de que "contudo, apesar de numerosos, os milhões de brasileiros autistas ainda sofrem para encontrar tratamento adequado".