Santos tem o único técnico negro da elite: 'Não é coincidência', vê Orlando
"Vocês me alertaram, eu sou o único técnico negro da série A e eu nem tinha percebido. Temos de falar mais, porque quanto mais a gente falar, mais cedo a gente vai resolver a situação".
A frase foi dita por Orlando Ribeiro, comandante do Santos e o único treinador negro entre os clubes da elite do futebol brasileiro. O assunto não tinha passado pela sua cabeça, mas o profissional de 55 anos sabe bem que não se trata de uma coincidência.
Técnico do sub-20, Orlando Ribeiro foi chamado pelo Santos para substituir Lisca e assumir o time pelo menos até o fim do Campeonato Brasileiro. Quando o presidente Andres Rueda interrompeu um treinamento para dar a notícia, ele não imaginava que poderia ser um símbolo de representatividade contra o racismo estrutural.
Orlando entende que precisa, a partir de agora, falar mais sobre a causa. Atualmente no Santos e com futuro incerto, o objetivo dele é se capacitar cada vez mais para se firmar e, então, facilitar a vida de mais treinadores negros.
"Primeiro é a preparação. Capacidade. Temos de ser capazes e enfrentarmos a situação adversa. Exemplo, dar o exemplo. E sempre lutar. Ajudar no que for preciso. Não ter problema de falar sobre o assunto, como estou tendo aqui com vocês... Problema nenhum. E sempre colocar que não é a raça, é a capacitação e qualidade. Não é a cor da pele que dirá se tem condições ou não. Essa é a ideia que eu tenho", afirmou.
Orlando Ribeiro se baseia no livro "Racismo Estrutural", de Silvio Almeida. Apesar de reconhecer a diferença que muitas vezes ocorre pela cor, o técnico do Santos crê em mudanças para que seja melhor em breve.
Como as oportunidades são mais difíceis, um esforço maior é necessário para chegar lá. E depois para se manter.
"Não é coincidência. Precisamos olhar para a educação lá embaixo para ajudar as pessoas. Todos precisam ser ajudados. E é estrutural, como diz Silvio Almeida. Precisamos mexer em uma estrutura. E as oportunidades. Não ser uma oportunidade única. Porque as outras pessoas têm várias oportunidades, então nós também poderíamos ter mais oportunidades. Só se consegue isso com luta. A maior luta é se capacitando e se dedicando. E aí depois, a oportunidade aparecendo, tenho certeza que as coisas vão mudando. Já está. Mas tenho certeza de que vai mudar ainda mais", projetou.
Jogadores x técnicos e dirigentes
Entre os atletas, as oportunidades são mais frequentes. Com técnicos e dirigentes, porém, o cenário é diferente. Nenhum presidente da Série A do Campeonato Brasileiro e nem responsáveis por departamentos de futebol são negros.
Orlando Ribeiro entende que foi "protegido" enquanto jogador de futebol. Depois que se aposentou e buscou a carreira de treinador, a proteção acabou.
"Eu jogo futebol competitivo desde os 11 anos de idade. E o futebol me protegeu de muita coisa, em termos de preconceito e discriminação. Então, eu senti pouco isso como atleta. São 44 anos no futebol. E para que como atleta eu não sentisse tanto essa dificuldade, outros atletas tiveram essa dificuldade antes. Os atletas negros não podiam jogar futebol no começo. Então foi indo, indo, indo, e chegamos ao atleta do século e Rei do futebol negro [Pelé]", opinou.
"Eu acredito que agora estamos em uma situação diferente. De buscar ter dirigente, treinador... Ter essa representatividade. E acredito que estou sendo um dos primeiros, né? Então, no caso, hoje sou número baixo. A responsabilidade é grande. Sabemos que as dificuldades são um pouco maiores. O que fizeram para mim quando atleta para que eu não sentisse tanto, é o que tenho de fazer para que os próximos não sintam. E para que esteja uma situação melhor para eles", emendou.
Fora das quatro linhas
O futebol pode ter servido de escudo para Orlando Ribeiro em alguns momentos, mas fora dele o preconceito é visível. Fã de cinema, música e teatro, o treinador do Santos se sente deslocado em ambiente formado majoritariamente por pessoas brancas.
Orlando e sua família não se acanham e conversam sobre incentivar mais negros a "furarem essa bolha". No futebol, o técnico espera incentivar outros profissionais para que, em breve, ele esteja longe de ser o único.
"Fico feliz de estar representando. Eu acho que a beleza está na diversidade. Quanto mais plural a gente estiver, mais pessoas diferentes tivermos, teremos mais beleza e ajuda. Eu sei o quanto é ruim. Em alguns lugares a gente olha em volta, e falta o negro participar. Falta termos mais companheiros ao lado. Mas de passo a passo, sempre lutando e se dedicando, se capacitando, as coisas vão melhorar". concluiu.
*Nota da redação: Jair Ventura, técnico do Goiás, foi procurado via assessoria e se negou a comentar o assunto.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.