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"Se eu pensasse em tudo, o emocional travaria", desabafa técnico do Santos

Orlando Ribeiro, técnico do Santos - Ivan Storti/ Santos FC
Orlando Ribeiro, técnico do Santos Imagem: Ivan Storti/ Santos FC
Lucas Musetti Perazolli e Gabriela Brino

para o UOL, em Santos

17/10/2022 04h00

Orlando Ribeiro assumiu o Santos logo após a saída de Lisca, em setembro, de forma repentina. O convite veio em um dia comum de trabalho. Ele estava no meio de um treino do sub-20 quando ouviu que precisaria comparecer na sala do presidente Andrés Rueda. Ao aceitar, ele optou por manter a calma. Foi difícil, mas ele sabia que o time vivia situação desfavorável na tabela do Campeonato Brasileiro e precisaria achar uma saída. O jeito foi respirar fundo.

"Pensei por partes. Pensei no amanhã, com o primeiro treino no CT. Pensei no próximo jogo, no que tinha que ser feito durante a semana, não pensei na tabela, no momento conturbado, no ambiente. A cada situação fui intervindo, passo a passo. Se eu pensasse tudo ao mesmo tempo, viria o frio na barriga, o emocional travaria e as pernas tremeriam", desabafou o treinador em entrevista ao UOL Esporte.

À frente do Santos até o final da temporada, Orlando comandou apenas cinco jogos até o momento. Foram duas vitórias e três derrotas, o que levou o time a 11º colocado na tabela, com 40 pontos.

E apesar do pouco tempo no time principal, foi o suficiente para mudanças na rotina do treinador. O sono, por exemplo, já não é o mesmo. Com a família em São Paulo, Orlando fica sozinho em um apartamento em Santos. Acompanhado do silêncio, ele assiste jogos e estuda seus adversários.

"Eu tenho dormido tarde. Durmo pouco por assistir jogos, ver treinos, analisar relatórios nossos e do adversário. Não consegui organizar meu dia ainda. O tempo é a gente que faz, mas eu não organizei minhas 24 horas. Agora até dou entrevista [risos]. Estou melhorando aos poucos", disse,

"O maior desafio é manter a calma, principalmente conseguir fazer a equipe entender que tem qualidade, que precisa de coragem para jogar. Fazer um bom jogo a cada jogo e o próximo melhor ainda", acrescenta.

Experiente, Orlando utiliza o início de trabalho para recuperar alguns jogadores. Incluindo alguns velhos conhecidos da torcida, como Carlos Sánchez, hoje titular, e Sandry, que havia perdido espaço e tem ganhado alguns minutos no segundo tempo.

Além disso, aproveita para lançar nomes de sua confiança, como Ed Carlos. O jovem trabalhou com Orlando no São Paulo e já era um dos principais destaques. Hoje o reencontra e aproveita a nova chance. Ed deu bonita assistência para Marcos Leonardo fazer o gol contra o Juventude, em vitória por 4 a 1, na Vila Belmiro.

"O atleta precisa de ritmo de jogo, mas observamos muito os treinos também. Os treinos dizem tudo e mostram as mudanças que fazemos e alguns não entendem. A convivência nos faz arriscar mais. Não é à toa, nada é de olho", explica.

"Existe um ditado no futebol que quem pensa que está dentro, está fora. E vice-versa. Posso usar quem está no terceiro time no treino. O que não pode é o atleta desistir de si mesmo, aí eu desisto dele. Mas até ele desistir, nunca", conclui.

Veja mais trechos da entrevista com Orlando Ribeiro:

Você sempre foi um técnico ofensivo. É possível manter isso atualmente no time principal, visto que o Santos já atuou com três meias?

"Temos alguns paradigmas no futebol que eu não concordo. Desde 2016, no sub-17 para o sub-20, vejo algumas frases e discordo. 2 a 0 é perigoso. 2 a 0 é perigoso para quem está perdendo. As equipes não conseguem jogar pressionando o tempo todo. Conseguem. Leva tempo, mas conseguem. É difícil propor o jogo o tempo todo. É difícil, mas é simples. E dá para fazer. Colocam tanto na cabeça do atleta que não vão conseguir esses exemplos, que viram verdade. Não jogo somente à frente, sem volantes ou zagueiros sabendo defender, podem até confundir. Tem jogo que vamos com três volantes ou com três zagueiros, e nem por isso baixaremos totalmente as linhas. É de momento, do que pede o jogo. O jogo pode pedir um volante ou meia, não fico preso a um jogo. Tento sempre controlar o jogo, isso sim. Mas a maneira vemos durante a semana e no jogo. Tudo que pensamos não combinamos com o adversário. Podemos ser surpreendidos com o jogo, mesmo estudando e tendo noção. Não quero só um time que ataque, cheio de atacantes, mas a ideia inicial é propor o jogo, seja só com atacantes ou sem volante. Pode acontecer, mas não é isso que vai dizer minha característica"

Planejamento após o fim do Campeonato Brasileiro?
"Não planejo muita coisa à frente. Planejo o Bragantino, como faremos para vencer. E se tiver algo de errado no planejamento, pelo menos um ponto. Não planejo ganhar aqui para o presidente efetivar ali. Penso no Bragantino, é sincero. Bragantino é a primeira meta, depois Corinthians, Flamengo, e aí vai indo".

Assumir o time principal do Santos é a oportunidade da vida?

"Toda oportunidade é a oportunidade da minha vida, desde o sub-15. Se eu pensar no sub-20 sem pensar no sub-15, não vou fazer direito. Essa é a oportunidade da minha vida. Se eu for continuar como profissional, tenho que ir bem agora. Dando certo ou não, encarei como oportunidade da vida e não me arrependerei de nada".

Você acredita que assumiu um time principal de forma tardia?

"Tudo tem sua hora. Quando parei de jogar, parei tarde. Eu tinha 37 anos. E não soube parar, parei sem estar num clube, sem ser auxiliar ou fazendo parte de comissão. Como errei, passei a analisar como poderia corrigir. Minha ideia foi conhecer todos os setores. Trabalhei em escolinha, em clube social, já era formado em Educação Física quando jogava. Comecei como observador e depois técnico do sub-15. Sabia que uma hora a chance poderia aparecer. Pode parecer tardio, mas tudo isso me preparou para ter tranquilidade na hora que a oportunidade pintasse. Pode ser a hora de continuar no profissional ou não, tudo tem sua hora e deixamos as coisas acontecerem".

Quando o time principal perdeu para o sub-20, em jogo treino, a internet foi pra cima e reclamou muito. Mesmo com a derrota, você manteve suas convicções e foi com o mesmo time para a partida seguinte. Você é um cara de personalidade forte?

"É da minha vivência no futebol, aprendo com o tempo. Antes do treino do sub-20, falei que não é natural o profissional perder para a base. Normal é ganhar e ganhar bem. Depois do treino [com a derrota], mostrei alguns lances do sub-20 e no que precisávamos corrigir. Usamos essa derrota para construirmos uma situação boa. Se não fosse isso, como corrigiríamos? Passei o vídeo no auditório e corrigimos. Vencemos, tivemos poucas situações que pudessem nos prejudicar em campo e atrapalhar nossa vitória. Transformamos situação ruim em uma boa. Futebol é assim. Aprendi cedo que precisamos saber chegar e receber no futebol. Eu aprendi a chegar, estou chegando e outro dia posso mostrar como sei receber. Por todo esse tempo, fica natural. Eu planejei e preparei muita coisa à espera da oportunidade, mas muita coisa é só no dia a dia. É a primeira vez no profissional, as coisas aparecem e temos que corrigir. Se corrigirmos tudo, vamos seguindo".

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