Primeiro capitão campeão pelo Brasil revoluciona o futebol 64 anos depois
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A família doou o cérebro do ex-jogador Bellini para estudos sobre doenças neurológicas quando ele morreu, em março de 2014. O primeiro capitão campeão pela seleção brasileira na Copa do Mundo de 1958 sofreu por quase 20 anos do Mal de Alzheimer e a ideia com a doação era checar os possíveis danos mentais causados pelo futebol. Mas tudo bem, essa história não é nova.
A novidade é o que o UOL Esporte informa agora, às vésperas do Mundial do Qatar e abrindo uma série de reportagens que contam histórias de vida inéditas e curiosas dos cinco capitães campeões mundiais pelo Brasil: 64 anos depois de vencer na Suécia e imortalizar o gesto de erguer a taça acima da cabeça, Bellini ainda revoluciona o futebol.
Os estudos que partiram da iniciativa do neurologista Ricardo Nitrini resultaram num artigo publicado em 2016 e disponibilizado pela Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos: "Encefalopatia traumática crônica apresentada como Mal de Alzheimer em um jogador de futebol aposentado". A primeira descoberta foi que Bellini não teve só Alzheimer, e sim em maior grau a Encefalopatia Traumática Crônica (ETC), conhecida por muitos anos como "demência pugilística", e que também afetou Maguila e Éder Jofre.
É uma doença incurável, degenerativa e causada por repetidos traumas na cabeça. Socos ou cabeceios. O cérebro faz uma espécie de dança com a sacudida do pescoço e bate na frente e atrás, o que inicia as alterações.
A preocupação com as consequências neurológicas do cabeceio no futebol fez no último mês de agosto com que o IFAB (International Football Association Board), órgão responsável pelas regras do futebol, passasse a proibir o lance para jogadores menores de 12 anos. Cabecear intencionalmente a bola nesta etapa da formação e desenvolvimento passa a ser considerado falta passível de cartão. Se o cabeceio evitar um gol do adversário é cartão vermelho.
A Federação Inglesa abraçou a nova regra nas categorias de base. A CBF, por sua vez, já monitora a possível mudança.
O estudo sobre o cérebro de Bellini foi uma das fontes da junta médica do IFAB para definir essa importante mudança de regra no futebol mundial, segundo apurou o UOL. A família do ex-zagueiro tomou conhecimento só agora desta relação e o IFAB não respondeu ao pedido de contato.
Lea Tenenholz Grinberg, neurologista, professora, pesquisadora, responsável por um laboratório na Universidade da Califórnia e parte do Conselho Executivo do "Global Brain Health Institute", o maior órgão mundial especializado em estudos sobre saúde mental, participou dos estudos sobre o cérebro de Bellini e conta que eles duraram mais ou menos seis meses.
"O principal resultado destes estudos mostra que o jogador tinha evidência neuropatológica de ETC, além da doença de Alzheimer. Como ETC só ocorre em indivíduos com histórico de injúria cerebral repetitiva, isso indica claramente que cabeçadas são um risco para ETC. Esse risco é particularmente pior em crianças que praticam cabeçadas, por isso acho ótima a decisão [do IFAB]", conta ao UOL a especialista.
Um capitão desde a infância
Hilderaldo Luís Bellini nasceu na cidade paulista de Itapira em junho de 1930. A infância foi difícil: teve 11 irmãos e seis morreram antes dos dois anos em razão de doenças que hoje têm tratamento e cura.
O futebol era a distração preferida. O jornalista Carlos Maranhão conta num antigo perfil de Bellini na revista "Placar" em 1981 que o futuro jogador profissional batia de porta em porta para convocar os amiguinhos para ir à escola e jogar bola. É que o professor só liberava o campinho de futebol se os meninos não matassem aulas. Bellini assumiu a responsabilidade de garantir a presença de todos. Já naquele momento, um líder.
Uma curiosidade: o professor se chamava Paulo e era pai do ator Tony Ramos.
Profissional, atuou em clubes do interior de São Paulo até ser contratado pelo Vasco no começo dos anos 50. Lá, ouviu do técnico Flávio Costa que "jogar bem, você não sabe". Uma orientação pouco carinhosa de que devia jogar simples, rebater e pronto. Com o próprio Flávio Costa, virou capitão cedo, ganhou títulos e chegou à seleção.
Antes da Copa de 1958, diz a lenda que o técnico Vicente Feola reuniu todos os jogadores que eram capitães em seus clubes para definir quem seria o dono da faixa na seleção. Nilton Santos, do Botafogo, sugeriu o nome de Bellini na roda: "Ele gosta disso, é sério e será respeitado por todos".
O escritor Ruy Castro assina embaixo: "Por tudo que Bellini representava - a correção, a sobriedade, a liderança, a personalidade -, o capitão daquele time só podia ser ele."
"Durante a Copa de 1958, eu era tão novo e ingênuo. Bellini, já mais experiente, me orientou e apoiou. Sempre lembrarei disto", disse Pelé quando Bellini morreu. Era o primeiro Mundial do Rei do Futebol. E uma confirmação de que o capitão não podia ser outro.
O gesto que fez história
Bellini conseguiu notar a dificuldade dos fotógrafos brasileiros pelo melhor ângulo assim que recebeu a taça Jules Rimet de campeão mundial de 1958 das mãos do Rei Gustavo VI Adolfo da Suécia. O Brasil tinha vencido cinco dos seis jogos da Copa com direito a um 5 a 2 contra os donos da casa na final e o registro daquele momento seria histórico.
Ruy Castro conta que os fotógrafos brasileiros nem eram tão baixinhos, os europeus que estavam mais bem posicionados é que eram altos demais. Em português, eles gritaram:
Levanta, Bellini! Levanta a taça!"
Bellini levantou a taça com as duas mãos acima da cabeça. Um gesto quase intuitivo, não calculado, e que nunca tinha acontecido na história das Copas. Existem algumas filmagens de torneios na Inglaterra anteriores à Copa de 1958 que mostram jogadores fazendo movimentos parecidos com os de Bellini, mas o que entrou para a história do futebol é que o brasileiro foi pioneiro. E não há quem prove o contrário.
"Bellini já era capitão no Vasco da Gama, já era respeitado como um jogador que tinha uma liderança muito boa. E com uma vantagem: jogava atrás, jogava na zaga, e conseguia passar tudo o que era mais interessante para os jogadores porque tinha essa facilidade. Foi um grande capitão e a partir de 1958 quando levantou a taça, aquele gesto ficou marcado para sempre na história do futebol. Hoje quando termina uma competição, mesmo que não seja o Brasil campeão, esse gesto que o Bellini fez é repetido por todos", elogia ao UOL o ex-ponta Pepe, um dos seis últimos campeões de 1958 ainda vivos.
Bellini ainda jogou os Mundiais de 1962 e 1966 e encerrou a trajetória pela seleção com 58 partidas e oito gols. Defendeu o São Paulo e o Athletico-PR e deixou o futebol já aos 39 anos de idade. Foi professor de escolinha, teve comércio, fez publicidade, trabalhou em prefeitura, foi auxiliar de Evaristo de Macedo na seleção brasileira e chegou até a se formar em Direito.
Aos 67 anos, começou a desenvolver problemas de memória de curto prazo ao não conseguir decorar falas para uma propaganda de TV. A situação piorou com os anos, repetindo frases, esquecendo itens do supermercado e até pedindo para o taxista levá-lo para o treino do Corinthians, porque estava atrasado. Bellini era torcedor de infância do Corinthians, mas nunca jogou lá.
A situação ficou mais ou menos controlada por uma década, mas episódios de gritos aleatórios depois disso inauguraram um período de oito anos que não foram fáceis para a esposa e os dois filhos.
Bellini morreu em São Paulo no dia 20 de março de 2014, aos 83 anos. É homenageado com uma estátua numa das entradas do Maracanã, um memorial em Itapira, em cada taça de campeão levantada pelo mundo e agora no futuro com mais saúde de toda criança que joga futebol.
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