Nem amarelo nem azul: bolsonarismo faz brasileiro recriar camisa da Copa
Classificação e Jogos
A pedagoga Juliana Barreto gostava de carregar uma bandeira do Brasil quando assistia aos jogos da Copa do Mundo com amigos e parentes. Neste ano, depois de ver tantos estandartes verde-amarelos em manifestações políticas, resolveu fazer diferente.
"O atual governo sequestrou a nossa bandeira e a utiliza para se referir ao presidente. Tomei desgosto. Até a vontade de torcer pela seleção em plena Copa acabou."
Foi com uma camisa vermelha, extraoficial, que a jovem de 26 anos arrumou um jeito de se sentir representada para acompanhar os jogos da Copa, que começa no dia 20, e torcer pelo hexacampeonato.
Entre outros efeitos, o bolsonarismo mudou o look da torcida da Copa este ano. Como Juliana, torcedores contrários ao presidente Jair Bolsonaro (PL) apostam em novas cores e modelos alternativos de camisas.
As opções vão desde customizar as blusas com novos símbolos e números até usar camisas pretas, brancas e — por que não? — vermelhas.
A cor vermelha foi perfeita para isso, mas não só por ser a da oposição. Vermelho é uma cor quente, que significa paixão e energia
Juliana Barreto, pedagoga, 26 anos
"E é isso que eu tenho: paixão pelo meu país e energia para lutar", completa a pedagoga.
Ela comprou a camisa bem antes das eleições e já usou "nos mais diversos cantos", segundo conta. "Virou meu xodó. Foi a minha companheira durante essa trajetória de luta e continuará sendo."
Para o advogado Walter Lemos, de 45 anos, a "desilusão" com a seleção brasileira e com a camisa verde-amarela começou antes, em 2006.
E a amarelinha foi oficialmente aposentada —pelo menos por enquanto— por divergências políticas. A escolha dele para acompanhar a Copa do Qatar também foi por um modelo vermelho.
O advogado acredita que, apesar da derrota de Jair Bolsonaro nas urnas, derrubar o que ele chama de "apropriação" das cores da bandeira não vai ser fácil.
"O símbolo [camisa amarela da seleção] acabou virando uma representação de algo antidemocrático."
A mistura de significados fez até a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) encabeçar uma campanha institucional para desvincular a imagem da amarelinha do cenário político.
A peça publicitária usa a música "Tão bem", de Lulu Santos, "para mostrar que todos podem se sentir bem com a camisa da seleção", disse o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues.
Foice e martelo
As lojas que vendem camisas alternativas, no entanto, ainda apostam na alta procura.
Os modelos de camisas vermelhas da Copa ocupam o top 5 de vendas da Use Brusinhas, uma das lojas populares nas redes sociais. Além de vermelhas, as blusas têm símbolos do comunismo (foice e martelo) e do punho cerrado, que representa resistência.
A dona da marca, Laissa Cancelier, conta que a reação dos consumidores aos modelos no primeiro momento foi de "amor e ódio" —a turma do amor queria justamente alternativas para torcer. Já a outra parte questionava se era certo desapegar do tradicional verde-amarelo.
"Usar uma camiseta é como ser um outdoor ambulante. Aquilo é provocativo, é um jeito de colocar um contraponto, fazer deboche, militar. Pode ser o que quiser, inclusive um instrumento de resistência", diz Laissa.
Na Estonques, outra loja que também produz as camisas vermelhas, os modelos surgiram como um sarcasmo em relação à frase "nossa bandeira jamais será vermelha" —usada por eleitores contrários ao PT.
"As pessoas que compram se sentem brasileiros não representados pelo verde e amarelo. E, como antagonista dessas cores, o vermelho ganhou destaque", explica Luciano Simioni, de 22 anos, sócio da Estonques.
A procura pelo modelo aumentou nas semanas anteriores ao segundo turno das eleições e parte das compras foi não só para a Copa, mas para ir às urnas, em apoio ao presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Até legendas políticas surfam na onda do look anti-canarinho. O Partido Comunista Brasileiro de Santa Catarina (PCB-SC) anunciou esta semana a pré-venda da camisa "comunistas no Hexa".
O modelo, na cor vinho, traz os dizeres "antifa" (contra o fascismo) e homenageia Leônidas, conhecido como Diamante Negro, que foi ídolo do São Paulo e artilheiro da seleção brasileira nos anos 1940.
Políticos e apoiadores da esquerda também engrossam o caldo da "Copa vermelha". Janja, mulher de Lula, já postou foto com camisas alternativas à clássica da CBF.
Apesar de verde e amarelo, o modelo de Janja traz uma estrela vermelha no lado esquerdo do peito, além do número 13 (representando o partido) e o sobrenome "Da Silva" nas costas.
E o filho mais novo de Lula, Luis Claudio Lula da Silva, disse que sua camisa da seleção está "limpinha e cheirosa esperando a Copa". A blusa de Luis Claudio —não amarela, mas vermelha— fez sucesso nas redes sociais.
Nem sempre foi amarelinha
Concurso definiu cor. Outras cores de camisa, além da tradicional verde-amarela, acompanharam a história do futebol brasileiro. Antes dos títulos, a seleção entrava em campo de branco.
Depois do Maracanazo, em 1950, quando o Brasil perdeu a final do torneio para o Uruguai no Maracanã, foi realizado um concurso para definir o novo uniforme de campo.
Foi com as duas principais cores da bandeira que a seleção jogou em 1954, quando caiu nas quartas de final em um embate contra a Hungria, e em 1958, quando conquistou o primeiro título. Mas, naquela final contra a Suécia, só um time poderia entrar em campo usando uniforme amarelo —e não foi o Brasil, que ergueu a taça Jules Rimet de camisa azul.
Aliás, entre aqueles que ainda buscam um modelo oficial para torcer nesta Copa, a celeste está em alta.
Ritmo acelerado. Sem revelar números, a Nike, fornecedora oficial do uniforme, diz que a camisa azul "caiu no gosto do brasileiro e está com um ritmo de saída acelerado", enquanto a amarela tem uma curva de vendas "positiva" e "esperada".
A marca atribui o sucesso da camisa celeste ao "design inovador" com pintas de onça nas mangas.
No comércio popular, os ambulantes também têm na ponta da língua qual é a cor de camisa mais vendida, entre as opções amarela, azul, preta e branca. "A amarela está encostada", resumiu um ambulante na Rua 25 de Março, na região central de São Paulo.
A que mais sai, segundo os vendedores de rua, é a azul. Quando os clientes chegam para as compras, já dizem que não querem ser confundidos com apoiadores de Bolsonaro.
Símbolo do orgulho nacional. A camisa verde-amarela da seleção brasileira, nos moldes da que conhecemos, foi consagrada apenas em 1962, quando o time foi bicampeão contra a Tchecoslováquia em Santiago, no Chile.Desde então, o manto virou um símbolo de patriotismo e a representação material do orgulho nacional.
Esse é um dos motivos que levam o publicitário Diego Gomes, de 26 anos, a não desistir completamente da amarelinha. "Não sou detrator dela e acho que precisamos recuperar os símbolos nacionais. A Copa pode ter uma contribuição grande nesse momento de pacificação."
Não vai ser fácil, temos que ser pacientes. Não acho errado quem não consegue se identificar com a camisa hoje, mas acredito que isso vai passar.
Diego Gomes, publicitário, de 26 anos
Diego tem diferentes modelos da amarelinha e comprou uma réplica da usada em 2002 para este ano. "Mas tem o '13' nas costas", avisa. Ele também garantiu uma vermelha, para ocasiões especiais: fazer provocações a pessoas do seu círculo de amigos e familiares que votaram em Bolsonaro.
Independentemente da cor da blusa, o publicitário espera viver as emoções de um título e sonha em comemorar ao lado do filho Nicolas, de 2 anos — que já está devidamente uniformizado com o modelo canarinho. "Acho que a seleção estava esperando meu filho nascer para trazer o hexa".
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