Imagem de 'Capitão do tetra' empurrou Dunga para fraca carreira de técnico
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Pouco depois de gritar um eternizado "é tetra", Galvão Bueno narrou assim na TV Globo o momento em que Dunga estava prestes a erguer a taça da Copa do Mundo de 1994: "Você, exemplo maior da força, da valentia e da coragem desse time!"
O capitão encarnava o espírito daquela equipe treinada por Carlos Alberto Parreira e que teve sucesso nos Estados Unidos. Nem parecia que quatro anos antes, com a eliminação na Copa de 1990, a campanha daquela geração derrotada na Itália tinha sido batizada pejorativamente de "Era Dunga".
Para além de um ótimo jogador, aquelas características atreladas à explosão no momento da conquista da Copa tornaram-se marca da passagem de Dunga como líder da seleção. Elas ficaram tão fixadas no imaginário do futebol que foi àquela figura que Ricardo Teixeira se remeteu, em 2006, ao anunciar o capitão do tetra como técnico do Brasil. Ele nunca tinha dirigido qualquer equipe até então.
"Torcedores brasileiros querem na seleção um treinador vibrante", disse o cartola à época.
Dunga teria não apenas uma, mas duas passagens como treinador da seleção. Trabalhos controversos. O primeiro teve títulos de Copa América e Copa das Confederações, mas acabou com a eliminação nas quartas de final da Copa 2010. A segunda foi pior: durou dois anos, em uma reconstrução frustrada da seleção após o 7 a 1.
Olhando para trás, dá para perceber que Dunga não estaria ali, no banco, se não tivesse ostentado a braçadeira na conquista que quebrou o jejum de 24 anos do Brasil sem acrescentar uma estrela no peito.
Mas não era para ser Dunga ali, em 1994.
Da tranquilidade à intensidade
Antes do Mundial dos Estados Unidos, Carlos Alberto Parreira escolheu Raí, o camisa 10 do Brasil, para ser o capitão.
"Era o grande nome do futebol brasileiro. Tinha ido para o Paris Saint-Germain. Foi o melhor jogador da América do Sul. Pela personalidade e caráter, foi uma escolha natural", lembra ao UOL Esporte o ex-treinador da seleção.
Dunga não estava em campo no jogo contra a Iugoslávia, em 1991, que marcou a estreia de Parreira no cargo. Raí foi o capitão naquela partida em Varginha, vencida pela seleção por 3 a 1, e desde então passou a ser a primeira escolha.
"O Raí falava outros idiomas, tinha postura, muito respeitado", conta o ex-meia Zinho.
Dunga só voltou a ser titular da seleção de forma mais constante em 1993. Ele chegou a ser capitão antes da Copa em um rodízio feito por Parreira. Mas Raí ainda tinha a 10 e a faixa.
Só que esse cenário não se sustentou ao longo da campanha que desaguaria no tetra. Parreira viu a necessidade de mudar o time a partir das oitavas de final. Contra os Estados Unidos, naquele 4 de julho, saiu Raí, entrou Mazinho. A faixa de capitão foi de vez para Dunga.
"Dunga sempre foi um líder. Já o conhecia há muitos anos. Quando o Raí saiu do time, foi uma decisão muito tranquila, pelo poder de liderança que o Dunga tinha, como ele se impunha com o grupo, como se fazia ouvir. Foi tudo muito natural, tanto a escolha do Raí quanto a escolha do Dunga no lugar dele", afirmou Parreira.
Era ruim de piadas
A partir daí, o jeitão de liderança do camisa 8 ficou mais evidente.
"Dunga era muito direto. Ele falava de maneira forte, todo mundo escutava. E dentro de campo ele foi um monstro. Para mim, foi o melhor em campo na final", diz Ricardo Rocha, zagueiro que era também um dos líderes daquele grupo, mas que se machucou ao longo do mundial.
Ricardo ainda classifica Dunga como um cara observador. Na convivência em 1994, ninguém aponta problemas, mesmo com o jeito mais duro de cobranças. Fora do jogo, Dunga até acompanhava o pessoal nas brincadeiras, mas longe de ter desenvoltura para dominar o "palco".
"Não era de contar piada. Quando contava, era fraca. A gente ria para o capitão não ficar triste. Ele era mais de escutar. Mas ele brincava, estava com a gente", disse o ex-zagueiro.
Se não dominava a resenha, Dunga começava a se transformar à medida que o momento de entrar em campo se aproximava. Aí, vinha o domínio do discurso, reforçando a motivação para os companheiros - sem pudor para eventuais cobranças com a bola rolando.
"Dunga é um cara profissional, dedicado. Muito focado no objetivo. Em todos os momentos, de treino, jogo, o que fosse, ele é intenso demais. É muito sério, correto com horários. E ele cobrava isso de todo mundo. Ele era assim também. Tinha leitura de jogo. Muito voltado para o coletivo, de que o conjunto é mais importante. A postura fazia com que todo mundo o respeitasse", acrescentou Zinho.
O Dunga treinador
Todas essas características estavam na ponta da língua dos dirigentes e da imprensa quando Dunga foi escolhido para substituir o próprio Parreira, após a eliminação da Copa do Mundo de 2006.
O clima de carnaval e festa que tomou conta da seleção na preparação pré-Mundial, em Weggis, na Suíça, era tudo o que a CBF não queria mais. Por isso veio uma figura que pudesse representar comprometimento - termo muito repetido por Dunga nas entrevistas coletivas que viriam. A questão é que Dunga só tinha "comandado" times dentro de campo, como capitão.
Os resultados passaram a respaldar o trabalho dele na seleção, mesmo sem a construção de um time vistoso. O ciclo teve Robinho e Kaká como protagonistas, a busca de uma defesa sólida e troféus que serviam de resposta às críticas. A relação com a imprensa sempre foi ríspida. O auge teve ofensas a Alex Escobar, da TV Globo, com cochichos à distância no meio de uma coletiva durante a Copa da África do Sul: "Cagão".
A eliminação para a Holanda nas quartas de final de 2010 veio com um time que mostrou descontrole emocional. O Brasil fez um ótimo primeiro tempo, saindo na frente, mas a expulsão de Felipe Melo resumiu o desmanche psicológico do time na etapa final para tomar a virada. Nada de hexa naquele ano.
Veio o 7 a 1, em 2014, e a dupla que comandava a CBF - José Maria Marin e Marco Polo Del Nero - queria novamente recorrer ao que Dunga significava.
Com o passar do tempo, Del Nero se incomodava com a falta de produtividade da seleção. Era o assunto que mais o tirava do sério, segundo pessoas próximas, embora o dirigente não perdesse a pose de aristocrata na hora de criticar. Mas levou um tempo até que a decisão de demitir Dunga ficasse madura.
Foram duas campanhas frustradas na Copa América, em 2015 e 2016. Na primeira, eliminação para o Paraguai nas quartas de final, nos pênaltis. Na segunda, queda ainda na primeira fase, num grupo que tinha Haiti, Equador e Peru. Em paralelo, o Brasil estava em sexto nas Eliminatórias e fora da zona de classificação ao Mundial de 2018. O desempenho fraco encerrou a segunda passagem de Dunga pela seleção.
Esse foi também o último trabalho dele como técnico, até agora. Entre um período treinando a seleção e outro, ele comandou o Internacional por um ano - entre 2012 e 2013. Mas a carreira como técnico não foi além.
Em 2018, Dunga chegou a fazer a licença Pro da CBF Academy. A classe curiosamente tinha o próprio Tite e Mano Menezes, em uma reunião de três dos quatro últimos treinadores da seleção.
Recentemente, conversando com o influenciador Igor 3K em um evento, Dunga descreveu a própria carreira de forma sucinta:
Treinei a seleção, o Inter um ano, voltei para a seleção e aí larguei".
O capitão do tetra de fato não mostra ânimo pra falar de sua fase como treinador. Parece fazer sentido, comparando a trajetória dentro e à beira do campo.
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