Como condomínio de luxo em BH abriu guerra entre gigantes e afeta Atlético
A notícia de uma suposta fraude na eleição de 150 conselheiros sacudiu o Atlético-MG. Enquanto o departamento de futebol trabalha atrás de respostas para a temporada ruim do futebol e ao mesmo tempo busca um treinador para 2023, a torcida que ainda não digeriu os resultados de um ano frustrante se vê no meio de uma guerra entre dois gigantes atleticanos, dois ex-presidentes, que levaram para dentro do clube uma briga que começou fora dele. Dinheiro, poder, vaidade e vingança marcam a disputa entre Ricardo Guimarães e Alexandre Kalil.
O UOL Esporte foi atrás dos detalhes da disputa que começou anos atrás, na Prefeitura de Belo Horizonte, e pode ter um capítulo marcante nesta segunda-feira (21), com a troca do nome oficial da Arena MRV, que pode deixar de homenagear Elias Kalil —presidente do Atlético nos anos 1980, pai de Alexandre e já falecido.
É uma história que não tem mocinhos ou vilões. Um conto triste para o atleticano, que se vê no meio da disputa de dois pesos pesados do clube e tem apenas um lado prejudicado: o próprio Clube Atlético Mineiro.
Sem condomínio de luxo
Localizado na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, o Belvedere é um bairro de classe média alta. É o mais rico da capital mineira, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Uma das regiões mais valorizadas de BH, o Belvedere conta com a maior média de renda mensal entre os moradores de toda a cidade, o que faz o local ser bastante atraente para novos empreendimentos imobiliários. A construção de um condomínio de luxo por lá estava entre os investimentos projetados de Ricardo Guimarães, que é o dono do Banco BMG.
No entanto, o Plano Diretor de Belo Horizonte, aprovado pela Prefeitura ainda na gestão do prefeito Alexandre Kalil, inviabilizou o condomínio. Com normas rígidas de ocupação do solo, o negócio que poderia gerar milhões de reais foi o início da guerra fria entre os dois ex-presidentes do Atlético.
Uma relação de idas e vindas
Desde o fim dos anos 1990 que Alexandre Kalil e Ricardo Guimarães aparecem ao mesmo tempo no noticiário do Atlético. Ambos ajudaram na gestão de Nélio Brant, presidente do Galo entre 1999 e 2001. Kalil teve participação direta na montagem do time vice-campeão nacional em 99, derrotado pelo Corinthians na decisão. Já Guimarães foi quem assumiu a presidência em abril de 2001, na sucessão de Brant. Nos dois primeiros anos do mandato dele, que durou até o fim de 2006, Alexandre era o homem forte do futebol atleticano.
Mas nem por isso é possível afirmar que eles eram amigos. Em março de 2003, Kalil se afastou do clube por não concordar com uma decisão do presidente. Ricardo Guimarães votou a favor da paralisação do futebol nacional, numa ação promovida por Ricardo Teixeira, então presidente da CBF e declarado desafeto de Kalil. Teixeira tentou mobilizar os clubes contra o Estatuto do Torcedor, mas não conseguiu, tanto que o Estatuto prevalece até hoje.
Em 2005, ano do rebaixamento do Atlético-MG à Série B, Kalil foi chamado por conselheiros para ajudar. "Só entro se o Ricardo Guimarães sair da cadeira", respondeu Kalil, como revelado por ele mesmo, recentemente, em entrevista publicada no livro 'O futebol como ele é', do jornalista Rodrigo Capelo.
Troca de treinadores, salários atrasados, jogadores em greve e time na zona do rebaixamento. Ricardo Guimarães chegou a pensar na renúncia, em agosto de 2005, mas não o fez. O Atlético caiu e até hoje o ex-presidente é cobrado pela única queda na centenária história alvinegra.
Três anos depois, a cadeira de presidente do Galo era ocupada por Alexandre Kalil, eleito em outubro de 2008. E quem foi socorrer o clube financeiramente? O banqueiro Ricardo Guimarães, com empréstimo e o patrocínio máster, que ficou na camisa do Atlético em cinco dos seis anos do mandato de Alexandre. Foi com ajuda do agora desafeto que Kalil conseguiu montar um time em torno de Ronaldinho Gaúcho para vencer a Copa Libertadores de 2013.
Virou pessoal
O momento de paz vivido entre Alexandre Kalil e Ricardo Guimarães terminou pouco depois das eleições municipais de 2016. A briga que era política respingou nas famílias. Um comentário infeliz feito por Kalil sobre um parente do Guimarães chegou aos ouvidos do banqueiro. Ali foi colocado um fim em qualquer chance de reaproximação, pelo menos por parte de Ricardo.
Retaliação ou não, em março de 2020 um dos filhos de Alexandre deixou o clube alegando que a saída teve influência de Ricardo. Felipe Kalil é ortopedista e trabalhava no clube até entregar um pedido de demissão há dois anos.
Na época, foi divulgado o salário do médico e filho do ex-presidente atleticano, que recebia R$ 75,8 mil por mês. Felipe havia sido contratado durante a gestão de Daniel Nepomuceno (2015-2017) após indicação de Rodrigo Lasmar, médico da seleção brasileira com quem havia operado Neymar antes da Copa do Mundo de 2018. Sua saída teria a ver com um pedido de Ricardo Guimarães, que negou em nota oficial.
"Caso o médico Felipe Kalil tenha antecipado sua saída em razão da contratação de referida empresa, tal decisão é de caráter pessoal e não deve ser atribuída a terceiro, como se insinua", destacou um trecho do texto enviado pela assessoria de Guimarães.
Também através de uma nota, Felipe Kalil reafirmou que só deixou o Galo a pedido de Ricardo Guimarães. "O que causa estranheza é o desmentido do Dr. Ricardo Guimarães. A reunião realizada no Banco BMG, em sua sede em Belo Horizonte, contou com três membros da diretoria do clube: presidente Sérgio Sette Câmara, Dr. Lásaro Cunha e o Dr. Castellar Guimarães Filho. E todos confirmaram a mesma versão", afirmou na ocasião.
Tudo isso aconteceu na gestão de Sérgio Sette Câmara, que presidiu o Atlético entre 2018 e 2020 e teve papel importante no fim da influência de Alexandre Kalil dentro do Galo.
Uma limpa dentro do clube
Sérgio Sette Câmara chegou à presidência em dezembro de 2017, para suceder Daniel Nepomuceno. Presidente do Atlético durante um mandato e vice durante toda a gestão de Kalil, Nepomuceno optou por não tentar a reeleição. Com apoio de Alexandre, Sette Câmara chegou ao poder. O discurso de austeridade, a pressão da torcida e a crise financeira do Galo colocaram o mandatário numa sinuca de bico. O sexto lugar no Brasileirão de 2018 virou a 13ª posição no ano seguinte e caminhava para o rebaixamento em 2020, após a eliminação vexatória da Copa do Brasil para o Afogados da Ingazeira, de Pernambuco.
O apoio de Kalil não pagava contas e nem ajudava na montagem do elenco. Foi quando os laços de Sette Câmara com Ricardo Guimarães e os outros R's se estreitaram. O relacionamento, que já era próximo por causa da construção da Arena MRV, entrou de vez no futebol: funcionários ou diretores, qualquer um que fosse visto como do 'Time do Turco', apelido de Kalil, perdeu o emprego.
Briga nas urnas
Em 2016, na campanha que rendeu sua primeira eleição a prefeito de BH, Kalil recebeu R$ 300 mil de doação de Rubens Menin, um dos R's do Atlético.
Quatro anos depois, o apoio do grupo que já estava à frente do Atlético foi para os demais candidatos. A campanha do deputado estadual João Vitor Xavier recebeu R$ 500 mil de doação de Rafael Menin, filho de Rubens e mais um dos 4 R's. Ricardo Guimarães, que em 2020 já estava brigado com Alexandre Kalil, doou R$ 600 mil para as campanhas de Bruno Engler, Marcelo Souza e Silva e Lafayette Andrada. Mas o dinheiro dos mecenas atleticanos não fez falta a Kalil, que foi reeleito no primeiro turno.
Só que em 2022 foi a vez do troco. Alexandre Kalil deixou a Prefeitura de BH para concorrer ao governo do estado. Candidato à reeleição, Romeu Zema recebeu R$ 1 milhão da família Menin. Não deu para Kalil, e a derrota no primeiro turno foi comemorada por quem atualmente comanda o Atlético.
Caça às bruxas
Quem foi o maior presidente da história do Atlético-MG? Até pouco tempo atrás, a maior parte da torcida teria Alexandre Kalil como a resposta na ponta da língua, mas uma campanha de desconstrução da imagem do presidente que comandou o Galo entre 2008 e 2014 ganhou corpo de maneira velada. Quando os quatro R's toparam entrar de cabeça no futebol do Atlético, foram feitas duas auditorias, para que o clube fosse passado a limpo. Curiosamente, uma delas abrangeu apenas os mandatos de Kalil e Nepomuceno.
As entranhas da gestão Kalil foram expostas: elevação da dívida, débitos com atletas e agentes, gastos com viagens particulares do dirigente e até de familiares. Tudo que fosse capaz de atingir e manchar a imagem de Alexandre como presidente do Atlético não ficou em segredo.
Uma segunda auditoria, já com os números da gestão de Sérgio Sette Câmara, também foi feita. E é por ela que 'órgão colegiado', grupo composto pelos 4 R's mais a diretoria executiva, planejou o Atlético para 2021 e anos subsequentes.
Provocações públicas
Nesse período de guerra fria entre Kalil e Guimarães, teve até troca de farpas via imprensa. Irritado com a demora da Prefeitura de BH em liberar a presença de público nos jogos do Atlético durante a temporada, Ricardo Guimarães não citou o nome do desafeto, mas nem foi preciso.
Para mim essa decisão tem mais um caráter político interno do Atlético do que uma questão pública de prefeitura. Isso nunca vai ser admitido ou comprovado, mas a prefeitura parece querer disputar com os dirigentes e colaboradores do Atlético, parece que existe na prefeitura pessoas querendo dificultar as coisas para o Atlético."
Ricardo Guimarães, em alfinetada a Kalil sobre volta do público nos estádios
"Como colaborador e conhecedor do dia a dia, vejo que o sucesso do Atlético tem incomodado pessoas da prefeitura, basta ver as exigências das contrapartidas absurdas e extremamente onerosas para a construção da Arena MRV. E agora, essa decisão de proibição de torcida no estádio de futebol, em BH, que atinge diretamente o Atlético. Quem está nos bastidores do Atlético sabe que o sucesso encaminhado do Atlético, pelos abnegados como Rubens, Rafael, Renato, Sérgio, José Murilo, além do sucesso profissional do Rodrigo Caetano, Cuca, todos os jogadores e colaboradores, podem estar causando inveja e ciúmes em gente na prefeitura. É o que parece. Parece que estão torcendo contra, por mais que digam o contrário", completou Guimarães.
Kalil não deixou por menos, e respondeu à altura. "Quero lembrar que ele foi o presidente que nos empurrou para a segunda divisão, sem dúvida nenhuma o pior presidente que passou por lá. Há 15 anos, o senhor Ricardo Guimarães cobra juros do Atlético e garantia de cotas de TV. A pseudo-dívida que o Atlético tem com o senhor Ricardo Guimarães é exclusivamente do seu mandato. Além de tudo, abriu uma grande empresa de futebol e está ganhando muito dinheiro com isso, mas não tenho nada a ver. Quero dizer ao senhor Ricardo Guimarães que recordar é viver. Ele vai na minha vida e eu vou na dele", rebateu.
Caiu a última trincheira
Em 2017, quando o Atlético aprovou a venda da metade de um shopping localizado na Região Centro-Sul de Belo Horizonte para financiar a construção da Arena MRV, Alexandre Kalil trabalhou quase como garoto-propaganda. Ele ainda era bastante influente entre torcedores e principalmente entre os conselheiros, tanto que foi dele o último voto, que confirmou a aprovação da venda de um imóvel para realizar o sonho do estádio.
Passados cinco anos, Kalil não tem mais o Conselho Deliberativo, sua última trincheira dentro do clube. Em agosto foram eleitos 150 novos conselheiros, totalmente ligados ao grupo que está no poder atualmente. É esta a eleição que é alvo da denúncia feita pelo conselheiro Cláudio Utsch, ex-presidente do Conselho de Ética do Atlético.
Foram com esses novos conselheiros que Ricardo Guimarães foi aclamado o novo presidente do Conselho Deliberativo. Ele assumiu o lugar que nos últimos anos tinha sido ocupado por Rodolfo Gropen (2016-2019) e posteriormente por Castellar Guimarães Filho (2019-2022), ambos ligados a Kalil.
O golpe final
Sem ter a influência dentro do clube como em anos anteriores, nem a maioria do Conselho Deliberativo e sobretudo com um desafeto assumido na presidência do órgão, Alexandre Kalil está de mãos e pés atados no que é tratado como um golpe final: a troca do nome do estádio Elias Kalil, que comercialmente é tratado como Arena MRV.
Tirar o nome do pai de Alexandre Kalil da futura casa do Atlético é o golpe final em um ex-presidente que já teve muito poder dentro do Galo, mas que está sendo colocado para escanteio.
No Posse de Bola Mauro Cezar Pereira, Arnaldo Ribeiro, José Trajano e Eduardo Tironi analisam o porquê Vini JR não é titular absoluto na Seleção, quem são os adversários que podem incomodar o Brasil, a proibição de cerveja nos estádios do Qatar e mais! Confira:
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