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'Driblou 5': a primeira 'Copa' do jovem Martinelli teve amigos do rolezinho

Gabriel Martinelli com premiações na infância e depois, defendendo a seleção - Arquivo pessoal; Divulgação
Gabriel Martinelli com premiações na infância e depois, defendendo a seleção Imagem: Arquivo pessoal; Divulgação

Camila Corsini

Do UOL, em São Paulo

21/11/2022 04h00

Classificação e Jogos

A final da Olimpíada Colegial Guarulhense de 2012 não é fácil de esquecer. "Era a nossa Copa do Mundo", recordam os amigos de infância João Victor Parizoto e Natan Rosa. Não à toa: eles podem ostentar que jogaram bola junto com um dos convocados por Tite para defender a seleção brasileira na Copa do Qatar.

A convocação de Gabriel Martinelli, o mais jovem jogador brasileiro na Copa, com 21 anos, pode até ter sido uma surpresa para uns, como o atacante Neymar — mas em nada espanta a galera que conviveu com ele antes disso. Naquela época, todos sabiam: quando Martinelli, então um menino de 11 anos, entrava em quadra para defender a camisa do Colégio Nahim Ahmad, onde estudava em Guarulhos (SP), não tinha para ninguém.

"O time que tivesse o Martinelli, a gente já sabia que iria ganhar. Mesmo que fosse ele contra cinco, não tinha como. A gente nunca perdeu um jogo que ele jogou com a gente. Era diferente de todo mundo", lembra João Victor. "Quando ele jogava, a gente ficava muito mais leve e solto sabendo que, se nada desse certo, ele faria um gol."

Para os amigos, era uma segurança. "Ele sempre resolvia a parada para a gente", recorda Natan.

'Fintava quase o time inteiro'

O técnico do time de futsal da época, Eduardo Vela, lembra as estratégias para aquele jogo da final da Olimpíada Colegial Guarulhense, uma competição estudantil popular na cidade da região metropolitana de São Paulo.

"O outro time era muito mais encaixado e organizado, mas eu tinha o Martinelli. Então, a gente fazia umas jogadas que potencializavam o tipo de jogo dele, que era o drible."

"O goleiro jogava a bola no pé dele e todos os outros jogadores iam para a linha do escanteio, ficavam no canto. Ninguém entendia nada. A jogada era que ele fintasse esse primeiro e, depois, tivesse apoio dos outros jogadores. Mas ele fintava o primeiro, o outro adversário vinha e ele fintava também. Fintava quase o time inteiro."

E foi exatamente assim que aconteceu naquele dia.

"Toquei a bola para o Martinelli, ele driblou os cinco jogadores — quatro na linha e o goleiro — e tocou para o Natan fazer o gol", lembra João Victor. "Ele driblou o time inteiro, fez tudo, e só tocou para eu fazer um gol na final", completa Natan.

E nada de inveja. Pelo menos, é o que garante o treinador, responsável pelo time nas aulas de educação física e nos campeonatos.

Chegava uma hora que eu falava para ele ajudar os outros a fazerem gol para todo mundo ficar feliz, mas todos entendiam que tinha de curtir aquilo ali. Era o show do Martinelli.
Eduardo Vela, técnico do time de futsal

Para Eduardo, assistir à convocação do menino que ele viu crescer no futebol foi um momento especial.

"Essa molecada me deu muita alegria durante esses quase 20 anos. Quando surgiu o Martinelli agora na convocação, só pensei: que mágico. Para mim, é uma satisfação de ter, naquele período, contribuído. Passou um filme na minha cabeça. Ele concretizou tudo o que a gente fez durante anos."

'Eu vou jogar na Premier League'

O guarulhense Gabriel Martinelli joga como atacante no Arsenal, na Inglaterra — time que está no topo da tabela na Premier League, considerada "a mais difícil do mundo". E parece ter previsto a trajetória na Europa.

Em meados de 2013, logo após retornar da Inglaterra, onde passou algumas semanas em treinamento no Manchester United, chamou os amigos para uma conversa séria.

"Ele chegou na escola, chamou eu e o Natan no canto e disse que precisava contar um segredo para a gente. E aí ele falou: 'eu vou jogar na Premier League'", lembra João Victor.

"A gente acreditava no potencial dele, porque ele já era muito diferente das outras crianças, mas estávamos falando do campeonato mais difícil do mundo. Ele previu o que ia acontecer na vida dele", completa o jovem, que hoje estuda nos Estados Unidos e também se dedica ao futebol profissional.

Gabriel Martinelli era destaque na Olímpiada Colegial Guarulhense em 2012 - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Martinelli (canto direito, com chuteira amarela), Natan (ao lado dele) e João Victor (do lado direito do goleiro)
Imagem: Arquivo Pessoal

No time inglês, Martinelli tem sido titular: o atacante, que tem cinco gols e duas assistências em 19 jogos feitos até aqui, acredita que o bom começo de temporada da equipe e a força da liga contribuíram para o seu desenvolvimento e convocação.

Eduardo fala que a atuação de Martinelli no campo, hoje, lembra muito a de 10 anos atrás. "Quando o time dele chegava, enchia os olhos de quem assistia. Ele era menor, mas muito rápido e habilidoso. Já era bem próximo do que é hoje, no jeito de jogar", diz.

"Ele tinha 11 anos e jogava como se tivesse 15 anos. Inclusive, como titular nas categorias de cima. Destruía do mesmo jeito, parecia muito fácil para ele. Sempre veloz e ágil", completa Natan.

Para o amigo, foi isso que fez o jogador cair no gosto dos brasileiros.

É isso o que a gente gosta no futebol: um cara rápido, driblador, que toma decisões rápidas e corretas.
Natan Rosa, de 21 anos, amigo de infância de Martinelli

Craque no truco e ensaio no atletismo

E não só de bola vivia Martinelli, dizem os amigos. A turma ia para "rolezinhos" e curtia a adolescência. "A gente saía para o shopping juntos e ele vinha dormir na minha casa depois. Foi assim que eu descobri que ele não era só craque no futebol, mas no truco também. Ele era muito bom jogando truco com uns 15 anos", recorda Natan.

Eduardo, que foi treinador deles, lembra que Martinelli se arriscou também no atletismo. Mas era do futebol que ele gostava.

Além de jogar futsal no colégio, naquela época, já atuava no campo na categoria de base do Corinthians. Depois, quando o pai foi transferido para a cidade de Itu, começou a jogar pelo Ituano.

Em busca do Hexa

Gabriel Martinelli  - Lucas Figueiredo/CBF - Lucas Figueiredo/CBF
Gabriel Martinelli em jogo pela seleção brasileira contra a Bolívia, em março
Imagem: Lucas Figueiredo/CBF

Nascido em 2001, Gabriel Martinelli faz parte de uma geração de jogadores brasileiros que não viram a seleção brasileira ganhar uma Copa do Mundo — no título do pentacampeonato, ele tinha só um ano de idade.

Isso não interferiu no sonho de ser jogador de futebol. E as referências que teve estão em campo com ele.

"Sempre acompanhamos a ascensão do Neymar, achávamos ele muito craque desde o Santos. Robinho e Kaká eram outras inspirações para a gente", conta Natan.

"E pensar que um cara que estava na minha casa há poucos anos agora está na resenha com Daniel Alves e Thiago Silva no vestiário, realizando sonho atrás de sonho, é muito legal", completa o jovem, que não seguiu no esporte e está terminando o curso de fisioterapia.

Para João Victor, é "surreal" saber que o colega está em um time que tem grandes chances de trazer o hexa.

Copa do Mundo é o auge de qualquer jogador, é o sonho de qualquer criança. E você não está jogando só uma Copa, você está jogando pelo Brasil. O melhor time, o com mais história, a camisa mais pesada do futebol. Tem um gostinho a mais.
João Victor Parizoto, de 21 anos, amigo de infância de Gabriel Martinelli

Por tudo isso, Martinelli hoje já é referência para os mais novos. "Tenho um irmão de 15 anos que quer ser jogador de futebol e se inspira nele, porque ele conheceu o Gabriel. Ele viu que, tendo foco e determinação, dá", diz Natan.