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'Rua da Copa' no RJ sofre com disputas e não terá jogos após quase 50 anos

Torcida brasileira no Alzirão na Copa de 2014 - Vinicius Castro/ UOL
Torcida brasileira no Alzirão na Copa de 2014 Imagem: Vinicius Castro/ UOL

Alexandre Araújo

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

24/11/2022 04h00

Classificação e Jogos

Mudança de gestão, racha e ausência de recursos são elementos que ajudam a explicar a não realização do Alzirão, uma das festas mais populares do Rio de Janeiro quando o assunto é Copa do Mundo. O evento na esquina da Rua Alzira Brandão com Conde de Bonfim, na Tijuca, Zona Norte da Cidade Maravilhosa, acontecia desde 1978, mas ficou de fora do calendário neste ano.

A confirmação de que a reunião não aconteceria foi feita na última sexta-feira, através de uma postagem em rede social. "Tentamos de todas as maneiras viabilizar, mas sem patrocínio não é possível. Pedimos desculpas ao nosso fiel público", informa um trecho.

Apesar de não ter o tradicional aparato que reúne milhares de pessoas nos dias de jogos do Brasil, estender o bandeirão foi "questão de honra", como classificou Ronaldo Saliba, o atual presidente da Associação Recreativa e Cultural Turma do Alzirão.

O imbróglio que compõe o cenário em questão se iniciou em julho, quando houve o pleito para a diretoria da associação, e uma nova administração assumiu. Guilherme Teixeira, um dos idealizadores da entidade, alega que houve fraude.

"Em 2005 houve um patrocínio e precisávamos ter um CNPJ. Como era uma festa popular que a gente ajudava, não achei que seria bom criar uma empresa. Montamos uma associação sem fins lucrativos. A gente veio vencendo as eleições esses anos todos. Nesse ano, resolveram fazer essa eleição, que foi marcada para um dia e realizada em outro. Uma eleição secreta, onde [eles] tiveram a maioria", contou.

"Convocaram, marcaram a eleição e registraram em ata. Ficamos [antiga gestão] impossibilitados de ter legitimidade para entrar com licença e essas coisas necessárias. Só que a turma que entrou não conseguiu fazer o evento", completou.

Guilherme, no dia 28 de outubro, fez uma publicação em rede social em que mostra o que seria uma convocação para o dia 11 de julho e uma ata indicando eleição realizada no dia 18, o que ele sustenta ser um indício de que as regras foram burladas. O ex-diretor apontou que, após ter acesso ao documento, acionou a Justiça e busca a realização de uma nova assembleia.

Paralelamente a isso, há também uma briga judicial por conta da marca "Alzirão", registrada por Guilherme junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Um Certificado de registro de marca exposto por ele assinala uma data de concessão a partir de janeiro de 2019 e com validade de 10 anos.

Atual presidente da associação que comanda o evento no Alzirão, Ronaldo Saliba, por sua vez, rebate as acusações.

"Ele está falando que houve fraude, que o evento é dele, que a marca Alzirão é dele. Nada disso procede. O Alzirão começou em 78, eu e o meu vice, que era o presidente da gestão anterior, somos dois sócios-fundadores. A festa tomou um vulto muito grande e, em 2005, tivemos de fundar uma associação sem fins lucrativos, criada especificamente para atender às Leis de Incentivo e aporte financeiro. Quem estava no poder à época era a diretoria anterior, com o Guilherme como diretor financeiro", defendeu.

Bandeirão do Alzirão foi estendido mesmo sem a realização do evento na Copa do Mundo de 2022 - Divulgação - Divulgação
Bandeirão do Alzirão foi estendido na esquina da Rua Alzira Brandão com Conde de Bonfim
Imagem: Divulgação

"Ele registrou a marca no nome dele sem pedir autorização da associação. Fez à maneira dele e isso não pode", completou.

O mandatário da Associação Recreativa e Cultural Turma do Alzirão manifesta que algumas pastas da antiga gestão foram "tomando rumo totalmente fora do controle dos que não faziam parte da diretoria".

Ronaldo diz ainda que os integrantes da gerência da associação se espantaram quando a eleição de 2022 não foi convocada e garante que os trâmites do pleito foram realizados dentro do que rege o estatuto.

"A convocação da eleição é feita de quatro em quatro anos, sempre com margem de alguns meses para a Copa do Mundo. Para a nossa surpresa, não houve a convocação. O estatuto da associação permite que os sócios-fundadores requeiram uma assembleia. Foi feito exatamente isso. Todos receberam a carta de convocação, foi tudo dentro da legalidade", afirma.

O presidente lamentou que a tradicional festa não vá ocorrer nesta Copa do Mundo e acusou a antiga direção de "negligência":

"Os moradores nos procuram, nossa rede social está bombando com as pessoas espantadas por não ter [o evento]. São 44 anos de Alzirão. É uma festa bacana, popular, e que demanda muito trabalho. O verdadeiro motivo de não ter o Alzirão em 2022 foi a negligência da diretoria anterior, que, em 2021, não correu atrás dos patrocínios juntos às empresas e, em 2022, não convocou assembleia com tempo hábil para eleger uma diretoria que conseguisse caminhar da melhor maneira para realizar a festa", afirmou Saliba.

Guilherme, por sua vez, assegura que havia negociações avançadas com as empresas que eram parceiras.

"Já tínhamos os patrocinadores, eles confiavam em nosso trabalho. Ainda tentamos alguma coisa, mas a atual diretoria não tem experiência", apontou.

A interrupção no calendário do Alzirão, após diversas edições, foi alvo de queixa de Ronaldo:

"A gente fica chateado, triste. É uma diretoria nova, que está assumindo agora, apesar de sermos sócios-fundadores. É um evento de 44 anos, não é qualquer festa que dura todo esse tempo".

Procura por patrocínio

Ronaldo Saliba salientou que a atual gestão buscou regularizar a situação junto aos órgãos públicos e foi atrás de recursos para fazer a festa, inclusive em contato com antigos parceiros, mas as tratativas não avançaram da forma esperadas. Segundo ele, as verbas disponibilizadas naquele momento não conseguiriam cobrir todo o necessário para colocar o Alzirão de pé.

Mesmo sem o evento, a tradicional camisa foi confeccionada e está sendo vendida na famosa esquina. Paralelamente a isso, a diretoria mantém contato com os poderes públicos e empresas interessadas. A Subprefeitura da Grande Tijuca chegou até mesmo a publicar uma imagem, no último dia 17, de uma reunião para tratar do assunto.

O UOL Esporte procurou a Prefeitura do Rio de Janeiro que respondeu que, até a última sexta-feira, não havia "pedido oficial para a realização de eventos, durante o período da Copa do Mundo de 2022, na Rua Alzira Brandão, na Tijuca. Mas a Subprefeitura da Grande Tijuca segue em contato com organizadores da festa no local para auxiliá-los no que for possível ao poder público".

O Governo do Estado informou, em resposta enviada no último dia 16, que a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio "não recebeu nenhuma solicitação de apoio para as festividades no Alzirão. No entanto, segue aberta para diálogo, sempre buscando garantir incentivo a projetos de relevância cultural e coletiva".

Vale ressaltar que as inscrições para captação de recursos via Lei Estadual de Incentivo à Cultura se encerram no dia 30 de novembro e reabrem apenas no dia 1º de março do próximo ano".