Paquetá não é sobrenome: saiba de onde vem apelido do meia da seleção
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É numa ilha de quase 4 mil habitantes, situada na Baía de Guanabara, a cerca de 45 minutos de barca do Rio de Janeiro, que seu filho ilustre nasceu e se criou. Na Praia da Moreninha ou no clube Municipal, Lucas deu seus primeiros chutes e se desenvolveu para levar o nome de Paquetá ao mundo. Tudo com muita ajuda de seu lendário e saudoso avô Altamiro. Titular na seleção brasileira na Copa do Mundo, ele tornou-se orgulho e referência para o charmoso bairro carioca de chão de terra, e onde não é permitido o trânsito de veículos.
Dois dias antes da estreia do Brasil no Mundial do Qatar, o UOL esteve na região e presenciou uma população unida, onde todo mundo se conhece e trata Lucas com muito carinho. Logo na chegada, após a travessia pelo mar, a reportagem deu de cara com Roberto Alves, mais conhecido como Beto, de 41 anos, que dirige um dos muitos carrinhos de golfe que servem de transporte e turismo para quem quer transitar pela ilha.
Ele cresceu com Marcelo, pai de Lucas, a quem se refere como um "grande craque e camisa 10 de Paquetá". Enquanto levava a reportagem para o tour pela vida do meia do West Ham, não cansava de elogiá-lo.
"O Lucas é muito querido aqui em Paquetá. Muito ser humano. Não tem ninguém aqui na ilha que fale mal dele. Sempre foi bom de bola, humilde. Depois que ganhou a Copa São Paulo então [em 2016], ficou difícil segurar. O destino era sair do país mesmo. Ele estando no Brasil, sempre dá uma passadinha aqui, tem amigos de infância. É um moleque bom", disse.
Barcas, quatro ônibus e avô como fiel companheiro
Hoje na Premier League e vivendo o sonho de disputar uma Copa do Mundo, Lucas Paquetá é referência aos mais jovens. No entanto, antes da vida confortável que hoje leva, o meia de 25 anos ralou bastante e se dedicou muito para chegar onde chegou. Ele e seu irmão mais velho Matheus, que também chegou a jogar profissionalmente, acordavam cedo e enfrentavam uma travessia diária para estar no Flamengo.
Matheus tinha treino às 10h no Ninho do Urubu, na Zona Oeste (RJ). Já Lucas treinava às 19h na Gávea, na Zona Sul (RJ). Por causa de toda a distância entre Paquetá e Rio de Janeiro, eles passavam o dia todo juntos e só retornavam para casa meia-noite. E quem ficava responsável pelos dois meninos era o falecido avô, Altamiro, que mesmo com as dificuldades da idade, não os deixava na mão.
"Mirão era demais, uma lenda. Ele que levava os meninos. E eram treinos em horários diferentes. Então quando acabava o treino de um, o outro não podia ir embora. Tinha que esperar o outro acabar para fazer uma viagem só. Era bem sacrificante, mas eles foram ficando. Depois ele faleceu. Essa trajetória toda quem começou foi o avô", explica Beto.
Tio e padrinho de Lucas, Alessandro também reforça as dificuldades e o esforço do pai Marcelo, que era militar, para não deixar o filho passar necessidades.
"O pessoal falava para o Altamiro: 'você é maluco de pegar a barca e mais quatro ônibus'. Era difícil financeiramente, mas meu cunhado era militar, tinha uma estrutura que a gente, pelo menos, tinha o dinheirinho da passagem, do suco e do salgado", se recorda Alessandro, a quem Lucas é muito apegado.
Após um ano nessa batida sacrificante, os pais de Lucas e Matheus, Cristiane e Marcelo, resolveram pegar um apartamento simples no Rio para ficar mais próximos aos treinos.
Primeiros passos na praia da Moreninha e no Municipal
Antes de chegar ao Flamengo, no sub-10, Lucas Paquetá começou a se destacar nos dois campinhos que existem na ilha. Um na praia da Moreninha, de dimensões menores, com solo de areia e mato, à beira-mar, com duas traves de madeira e restos de redes já deterioradas com o tempo. E outro no clube Municipal, o único que comporta uma partida com 11 jogadores para cada lado.
Na praia da Moreninha, garante o tio Alessandro, Lucas chamou a atenção de Búfalo Gil e Kléber, ex-integrantes da chamada "Máquina Tricolor", que fez sucesso na década de 70.
"O Kléber e o Gil Búfalo, da Máquina Tricolor, o viram jogando na Praia da Moreninha e perguntaram quem era aquele garoto, e aí falaram: 'esse vai ser jogador profissional'. Com quatro ou cinco anos, ele já era diferenciado", diz o tio.
Já no clube Municipal, embora não tenha chegado a se federar, passou a aprender a conviver com a competitividade.
"O Lucas é neto de um cara que foi treinador nosso, o seu Altamiro. Foi ele quem levou o Lucas para o Flamengo, acompanhou todo esse processo de quando o Lucas era criança. Ele [Lucas] participou da escolinha com o professor Irakitan. Até que o avô dele foi vendo que ele tinha talento, era um canhoto que chutava com a direita, era diferenciado. E aí o avô tinha contato com o Flamengo e conseguiu levá-lo para lá", explica Wilton José Amélio, mais conhecido na ilha como Kiko, e que é vice-presidente do clube Municipal.
Baixa estatura da época quase o fez sair do Flamengo
Hoje com 1,80m, Lucas Paquetá chama a atenção pela estatura e por aguentar bem o tranco dos adversários, fator que o faz se destacar bastante, por exemplo, no fundamento de pivô. Porém, essa não foi sua realidade durante toda a infância e adolescência, quando era baixo e franzino, situação que quase o colocou de fora do Flamengo no sub-17, quando chegou a ficar afastado.
"O avô o levou para fazer tratamento para crescer no Fernandes Figueira [instituto no Rio de Janeiro voltado para a criança, o adolescente e a mulher]. E era uma luta. O avô o levava, ele [Lucas] ia com o pãozinho com mortadela, mas o avô acreditou", diz "Tia" Marli, a primeira professora de Lucas.
De maneira surpreendente, Lucas ganhou 27 centímetros, passando de 1,53m, aos 15 anos, para 1,80m, atualmente.
Bom aluno nos estudos
Apesar da rotina sacrificante, Lucas Paquetá não deixou a desejar nos estudos. Tia Marli, sua primeira professora, garante que o menino era um bom aluno e se alfabetizou rápido.
"Ele veio para minha casa para estudar com quatro aninhos. Foi alfabetizado por mim e só saiu daqui quando já estava na oitava série", disse Tia Marli, garantindo que o pequeno Lucas não era levado em sala de aula:
"Era muito bom aluno. Aprendeu a ler de quatro para cinco anos. Nunca me deu problema, nunca repetiu ano. Não era levado, era bem calmo, um menino muito tranquilo".
Já foi guia de turismo e criou time da comunidade
Quando fo sei tornando adolescente, Lucas Paquetá chegou a fazer uns "bicos" de guia de turismo na ilha, levando os visitantes para os principais pontos e contando as ricas histórias do lugar.
Depois que tornou-se jogador profissional e já com uma boa condição financeira, criou o "Time do Pec", equipe formada pelos seus amigos de infância e que leva o nome do "Morro do Pec", onde viveu boa parte da adolescência.
"Ele montou um time para disputar o campeonato aqui da ilha que todo ano tem no clube Municipal. É o Time do Pec. É formado por uns amigos de infância dele. Fomos campeões, inclusive", diz o amigo Gabriel Pires, um dos integrantes da equipe.
Além de fornecer lanche e uniforme, Lucas Paquetá foi o treinador do time.
Primo de dez anos sente saudade
Outro local que o UOL visitou foi a antiga casa onde seus pais, Cristiane e Marcelo, moraram na ilha, e que hoje é ocupada pela tia Ana Cláudia e o pequeno primo Arthur, de 10 anos, que está morrendo de saudade de Lucas.
"Ele brinca pra caramba comigo. Agora ele está lá no Qatar e estou com muita saudade dele", disse o simpático menino, que fez suas apostas:
"Espero muitos gols do meu primo, do Neymar e do Vinícius Júnior. Vamos ser campeões desta Copa!".
A tia, Ana Cláudia, dimensionou a expectativa pela participação de Lucas Paquetá na Copa:
"Já ficamos no clima da Copa do Mundo normalmente, e agora a ansiedade é maior ainda por ele estar participando. Então a torcida vai ser maior ainda".
O orgulho da ilha
Lucas Paquetá não é o primeiro jogador que consegue chegar ao futebol profissional, mas sem dúvida alguma, foi o que chegou mais longe no esporte e o que mais tem divulgado o nome da ilha pelo mundo. Sua carreira meteórica e o apreço pelo local onde foi nascido e criado levaram orgulho à população local.
"Isso é o maior orgulho que a gente tem. Já tivemos outros jogadores que chegaram ao profissional, mas quem botou o nome de Paquetá no mundo mesmo foi o Marcos [técnico ex-Arábia Saudita e que dirigiu diversos clubes do Oriente Médio] e o Lucas, que é nosso fenômeno. A gente bate palma para ele. É o ídolo da ilha", diz Kiko, o vice-presidente do clube Municipal.
"Ele está levando o nome de Paquetá para o mundo inteiro, então isso é uma satisfação enorme. Apesar que Paquetá já era conhecida por outras questões, mas não a esse nível. Não só nós, da família, como todos os moradores ficam muito orgulhosos dele", disse a tia Ana Cláudia, complementando:
"Ele é apaixonado por Paquetá. Infelizmente já não tem mais tanto tempo de vir, porque a vida dele mudou totalmente, mas sempre que pode, vem".
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