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Fora do campo, Pelé foi comentarista, ministro, diretor e garoto-propaganda

Pelé como garoto-propaganda da marca esportiva Puma, em anúncio de 1970 - Divulgação
Pelé como garoto-propaganda da marca esportiva Puma, em anúncio de 1970 Imagem: Divulgação

Do UOL, em São Paulo

30/12/2022 13h47

Pelé parou de jogar em 1977. Foram mais de 45 anos até sua morte, nesta quinta-feira (29), por falência múltipla de órgãos decorrente de um câncer de cólon aos 82 anos.

Em quase meio século de atividades fora dos gramados, o Rei do Futebol transitou da política à televisão, passando pelo mundo dos negócios, ações sociais, música, filmes e novelas, condecorações e pelo próprio futebol, numa trajetória pouco conhecida como dirigente do Santos.

  • Garoto-propaganda milionário

A entrada de Pelé no mundo dos negócios depois do adeus ao futebol teve como base o uso de sua imagem. Ele faturou como garoto-propaganda até o fim da vida. Em 27 de novembro, dois dias antes de ser internado no Hospital Albert Einstein para reavaliação do tratamento do câncer, as redes sociais de Pelé publicaram publicidade de uma blusa de moletom inspirada na seleção brasileira campeã mundial em 1958, parte da coleção de peças de roupa exclusiva do Rei produzidas por uma marca americana.

Ao longo das últimas décadas, Pelé teve diversos contratos publicitários que proporcionaram a manutenção da força de sua imagem mesmo tantos anos após o fim da carreira, além da fortuna hoje avaliada em aproximadamente R$ 530 milhões pelo site especializado "Celebrity Net Worth".

Pelé - Reprodução - Reprodução
Pelé e Cristiano Ronaldo disputam popularidade em comercial da Emirates de 2014
Imagem: Reprodução

Um dos grandes contratos recentes foi com a marca suíça de relógios Hublot, que criou um modelo inspirado em Pelé vendido a mais de R$ 50 mil na época do lançamento, em 2014. No ano da Copa do Mundo, aliás, os contratos de publicidade do Rei geraram quase R$ 60 milhões segundo a "Bloomberg".

Foi o último boom da imagem do ex-jogador, que já foi o rosto de marcas como Coca-Cola, Emirates, Puma, WhatsApp, Bombril, Nestlé, Nokia, Volkswagen, Mastercard, Subway, Atari, Louis Vuitton, Santander, Casas Bahia, Honda, Head & Shoulders, Rayovac, Vivo, Café Pelé, que leva seu nome, e outras.

Uma das mais famosas é de 2002. A frase "fale com o seu médico, eu falaria..." ficou muito popular quando estrelou o comercial do remédio Viagra, para disfunção erétil. Pelé só não fazia propaganda de bebida alcoólica e cigarros.

  • Comentarista e apresentador

A cena dos gritos desafinados de "é tetra!" de Galvão Bueno quando o Brasil foi tetracampeão mundial em 1994 tem Pelé como coadjuvante. O Rei do Futebol trabalhou como comentarista dos jogos da seleção na TV Globo em três edições de Copa do Mundo.

Galvão e Pelé - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Galvão Bueno abraçado a Pelé no tetracampeonato mundial da seleção, em 1994
Imagem: Reprodução/Instagram

O então vice-presidente de operações da empresa, José Bonifácio de Oliveira, conhecido como Boni, ficou encantado com a naturalidade com que Pelé falava de futebol durante um churrasco nos Estados Unidos e convenceu o ex-jogador, no começo relutante, a topar o desafio de comentar jogos da seleção na TV. A experiência iniciada nas Eliminatórias para a Copa de 1990 foi aprovada e rendeu as participações em 1990, 1994 e 1998.

As pessoas exigiam ou imaginavam que ele seria um comentarista tão brilhante quanto fora jogador. Evidente que não era assim. Mas ele analisava o jogo muito bem, tinha visão do que estava acontecendo e do que poderia acontecer, tinha sacadas ótimas."
Galvão Bueno no livro "Fala, Galvão", lançado em 2015.

Pelé também comentou futebol para a emissora mexicana Televisa, na Copa do Mundo de 1982, participou de uma mesa redonda comandada por Luciano do Valle no pós-jogo da Bandeirantes, em 1986.

Como apresentador, esteve à frente do programa "Um Minuto com Pelé", com boletins diários sobre a Copa do Mundo de 2010, no SBT, e do "Show do Pelé", em 2001, no canal por assinatura PSN. Pelé entrevistou personalidades como Felipão e Carlos Bilardo. Em 2017, Pelé comentou dois amistosos da seleção, inclusive um Brasil x Argentina, na CBF TV. Foi a última aventura nas telinhas.

Pelé e Maradona - REUTERS/Prensa Canal 13/Handout - REUTERS/Prensa Canal 13/Handout
Pelé e Diego Maradona batem bola de cabeça durante programa de TV na Argentina, em 2005
Imagem: REUTERS/Prensa Canal 13/Handout
  • Presidente, não. Ministro, sim

Documentos divulgados ao público em 2013 pelo site "Memória política e resistência" revelaram que Pelé foi uma das personalidades investigadas pela ditadura civil-militar no Brasil. Embora tenha tido a imagem usada como propaganda do regime em sua fase mais repressiva e não levantado diretamente a voz contra a ditadura, o ex-jogador foi investigado no início dos anos 80 porque os militares temiam que ele entrasse para a política.

Pelé ministro - Sérgio Lima/Folha Imagem - Sérgio Lima/Folha Imagem
Pelé foi ministro dos Esportes no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso
Imagem: Sérgio Lima/Folha Imagem

Segundo a investigação dos militares, Pelé estava sendo convencido por militantes do PDT (Partido Democrático Trabalhista) a ingressar na vida pública pelas mãos de Leonel Brizola, ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. Pelé poderia ser candidato a vice-governador de São Paulo em 1986, o que nunca se confirmou. Em 1989, o Rei do Futebol deu uma entrevista para a "Folha de São Paulo" dizendo que seria candidato à Presidência da República em 1994, mas isso também não aconteceu.

Pelé entrou na política em 1995 para atuar como ministro dos Esportes do Governo Fernando Henrique Cardoso. Segundo conta em "Pelé: A Autobiografia", de 2006, ele já tinha sido convidado para a função por Tancredo Neves, José Sarney e Fernando Collor até decidir aceitar. Ele permaneceu na função até maio de 1998, quando deixou o governo e o ministério foi extinto.

Em pouco mais de três anos como ministro, Pelé teve como bandeira a garantia dos direitos trabalhistas dos atletas profissionais, além da modernização do futebol. A Lei Pelé foi sancionada em 25 de março de 1998 e extinguiu a figura do passe nos contratos de jogadores, forçando a profissionalização dos departamentos de futebol dos clubes. Clube dos 13, CBF e Fifa foram contra a proposta. João Havelange, presidente da Fifa, ameaçou tirar o Brasil da Copa do Mundo da França caso a lei fosse aprovada.

Antes da Lei Pelé, os jogadores não tinham controle sobre suas transferências, pois o "passe" era preso ao clube. Pelé também foi presidente do conselho do INDESP (Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto).

  • À frente de ações sociais

"Pelé não foi só uma lenda do futebol, mas também um ícone humanitário global", disse o ex-presidente americano Bill Clinton horas após a morte do Rei e antes de completar: "Ele usou sua plataforma para capacitar crianças carentes e inspirar gerações ao redor do mundo. Damos graças por sua vida e legado."

A jornada como embaixador à frente de ações sociais e humanitárias talvez seja a área mais notável da vida de Pelé depois do futebol. O maior símbolo disso é a Fundação Pelé, criada em 2018 para dar acesso à educação para crianças pobres. Mais uma página do histórico discurso de quando marcou o milésimo gol, em 1969, e disse emocionado no gramado do Maracanã: "Vamos proteger as criancinhas necessitadas".

O discurso também reverberou na criação do Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe, em 2005, com foco na pesquisa de doenças complexas da infância e ainda hoje em funcionamento no Paraná, como o maior hospital pediátrico do país. Uma das filhas do Rei é conselheira do instituto.

Pelé também foi embaixador da ONU para ecologia e meio-ambiente, embaixador da boa vontade da Unesco e emprestou a imagem para campanhas de caridade e pela paz no mundo inteiro. Em 2000, foi garoto-propaganda da "Partida pelo Coração", uma campanha pelo fim do conflito entre Israel e Palestina. No Brasil, foi embaixador da Copa do Mundo de 2014, lutou contra a mortalidade infantil e cantou numa campanha do Ministério da Educação, em 1998, pelo fim do analfabetismo: "ABC, ABC, toda criança tem que ler e escrever".

Em 1991, Pelé cantou junto com Roberto Carlos, Ney Matogrosso, Maria Bethania e Renato Russo na campanha de fim de ano da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida de Herbert de Souza, o Betinho.

Pelo conjunto da obra, Pelé recebeu o título de Cavaleiro Honorário do Império Britânico concedido pela Rainha Elizabeth II em dezembro de 1997. É o título equivalente a "sir", entregue só a britânicos.

  • No futebol, foi dirigente do Santos

Pelé nunca se candidatou a cargo político na CBF ou no Santos, mas chegou a trabalhar como dirigente no clube da Vila Belmiro. Em janeiro de 1999, ele topou o convite para ser coordenador das categorias de base do Peixe. Uma vez por semana, ele mesmo comandava os treinos para as jovens promessas do clube. Reportagens da época mostram que ele não gostava quando os meias recuavam para buscar a bola na defesa, dizia ser o "maior vício do futebol brasileiro".

Pelé entrou em rota de colisão com Emerson Leão, então técnico do Santos, que era contra a ideia do Rei de integrar as categorias amadoras ao time profissional no CT Rei Pelé.

Pelé - Friedemann Vogel/Getty Images - Friedemann Vogel/Getty Images
Pelé na Vila Belmiro, em maio de 2014
Imagem: Friedemann Vogel/Getty Images

A experiência como dirigente durou só dez meses, mas serviu para Pelé recomendar à diretoria do Santos que investisse no atacante Robinho, em quem via talento. Robinho subiu para o elenco profissional em 2002 e foi protagonista do título do Campeonato Brasileiro.

Pelé também foi uma espécie de embaixador do Fulham, da Inglaterra, para captação de jogadores no Brasil, em 2002, e presidente honorário do revivido New York Cosmos, clube que defendeu como atleta nos anos 70. O Rei do Futebol também esteve em uma série de eventos como sorteios de Copa do Mundo, abertura de Olimpíadas e premiações a jogadores.

Em agosto de 2011, a "Folha de São Paulo" publicou que o Santos pretendia inscrever Pelé como jogador no Mundial de Clubes da Fifa, no Japão. Pelé tinha 70 anos. A ideia era do então presidente do clube, Luis Alvaro de Oliveira Ribeiro, e era "séria", segundo ele disse na época. O projeto de ter Pelé no banco de reservas com a camisa foi aprovado pelo técnico Muricy Ramalho levado até Pelé, que recusou. O argumento foi de que não queria correr o risco de sair derrotado. O Santos perdeu a final do Mundial do Barcelona por 4 a 0.

Pelé - Ernesto Rodrigues/Estadão Conteúdo - Ernesto Rodrigues/Estadão Conteúdo
Em 2011, Pelé exibe foto de quando era jovem e tinha um corte de cabelo estiloso, como Neymar
Imagem: Ernesto Rodrigues/Estadão Conteúdo

Desde a aposentadoria dos gramados, Pelé se envolveu com o futebol também por meio de sua empresa de marketing esportivo, que conduziu uma reforma de São Januário, o estádio do Vasco e levou a parceira ISL para contratar para o Flamengo jogadores como Gamarra, Alex, Denilson e Edilson, além de assinar com alguns clubes contratos de direitos de transmissão.

Na época, Pelé tentou comprar os direitos de transmissão das Eliminatórias da Copa do Mundo, mas não conseguiu. Ele disse numa entrevista à Playboy que perdeu a concorrência para a Traffic porque não subornou a CBF, então comandada por Ricardo Teixeira. O dirigente processou Pelé e eles foram desafetos por quase uma década.

  • Nas novelas, filmes e música

Pelé fez sua estreia no mundo das novelas em 1969, quando ainda jogava e interpretou o escritor Plínio Pompeu, que fazia contato com seres extra-terrestres em "Os Estranhos", da TV Excelsior. Na Globo, contracenou com Lima Duarte em "O Salvador da Pátria" (1989) e interpretou a si mesmo em "História de Amor" (1995), "O Clone" (2001) e "Celebridade" (2003). Esteve em episódios de "A Família Trapo" e "A Praça É Nossa".

No cinema, participou de produções brasileiras e estrangeiras. Seu trabalho mais conhecido é "Fuga Para a Vitória" (1981), em que contracenou com Sylvester Stallone e Michael Cane. Também atuou em "Os Trapalhões e o Rei do Futebol", com cenas gravadas até no Maracanã em abril de 1986. O filme teve 3,6 milhões de espectadores. Foram 11 filmes ao todo.

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Na música, foi personagem de composições de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque. Compôs, ele mesmo, mais de cem músicas, cantou com Elis Regina, escreveu para Jair Rodrigues, participou de especial de fim de ano de Roberto Carlos e lançou um CD produzido por Sérgio Mendes em 1978. O maior sucesso é a música "Meu Mundo É Uma Bola", que Pelé canta com Gracinha Leporace. Em 2006 lançou o álbum Peléginga, que vendeu cem mil cópias no mercado internacional.

Pelé também marcou presença no mundo dos quadrinhos. Foi publicada entre 1977 e 1986 a revista do Pelezinho pela editora de Mauricio de Souza, que coletou histórias de infância do Rei.

Veja a trajetória de Pelé em fotos