Tite deixa a seleção sem hexa e marcado pelas Copas, mas deixa herança
Tite assinou ontem (17) a rescisão do contrato com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Agora oficialmente, ele não é mais técnico da seleção brasileira depois de mais de seis anos.
- Foram 81 jogos no período, com 60 vitórias, 15 empates e seis derrotas. O trabalho termina com 80,2% de aproveitamento.
- Tite foi campeão da Copa América em 2019 e vice em 2021. Teve duas campanhas arrasadoras em Eliminatórias e duas eliminações nas quartas de final da Copa do Mundo.
- O gaúcho é agora o terceiro técnico que mais venceu jogos pela seleção, atrás só de Zagallo e Parreira.
O substituto de Tite ainda é desconhecido. A CBF deseja um treinador de estilo ofensivo e que seja "de respeito", ou seja, de renome. A preferência é por uma estrela estrangeira, como os já consultados Guardiola e Ancelotti. Independentemente do nome, receberá algum legado do antigo comandante.
Copas do Mundo derrubam aprovação
Tite comandou a seleção nas edições de 2018 e 2022 da Copa do Mundo, com duas eliminações nas quartas de final contra seleções europeias que não são campeãs mundiais, Bélgica e Croácia.
As derrotas deixaram marcas negativas permanentes na imagem do primeiro treinador a ficar no cargo depois de eliminação em Copa em 40 anos.
O histórico de pesquisas do instituto Datafolha ilustra bem a queda de aprovação ao longo dos seis anos de trabalho. Às vésperas da Copa do Mundo de 2018, o índice de pessoas que achavam o trabalho de Tite bom ou ótimo era 64%. Já depois do Mundial de Qatar foi registrado o pior número de todo o estudo, de apenas 29%.
Na Rússia, ficou marcada a fidelidade de Tite aos titulares escolhidos antes da Copa, principalmente Gabriel Jesus. Já no Qatar, a convocação de Daniel Alves aos 39 anos e sem jogar há dois meses, a titularidade de Raphinha e a desorganização defensiva no lance do gol da Croácia foram momentos destacados.
O tempo pode responder melhor, não consigo avaliar todo o trabalho que foi realizado. Vocês [jornalistas] vão fazer também."
Próximo técnico não começa do zero
Tite renovou o elenco da seleção brasileira ao longo dos seis anos de trabalho, principalmente entre a Rússia e o Qatar. De 88 jogadores convocados nos últimos quatro anos, 50 eram estreantes com a Amarelinha. Uns afirmaram, como Richarlison, Vini Jr, Militão, Bruno Guimarães, Raphinha e Paquetá.
O caminho também foi pavimentado para nomes que devem continuar influentes na seleção, como Rodrygo, Gabriel Martinelli e Antony. Os jovens atacantes quebraram o gelo na Copa do Mundo e chegam mais experientes e preparados para o ciclo até 2026, num cenário que mostra que o ataque está resolvido para o próximo técnico.
Tirando o resultado de campo, a percepção na CBF é que o trabalho na seleção brasileira foi bem feito em termos administrativos sob o comando de Tite. Os processos internos, a integração com a base, a divisão do trabalho, a profissionalização dos setores de análise de desempenho técnico e físico e as condições para observações de jogadores são pontos considerados positivos.
Isso só foi possível porque a comissão técnica que agora se despede da CBF instituiu o trabalho diário na sede da entidade, no Rio de Janeiro. Antes de Tite, o trabalho da seleção era só nos períodos de jogos. Com ele, o expediente passou a ser diário e presencial, exceção feita às viagens para observação presencial de jogadores ou reuniões com clubes internacionais.
Todos os profissionais foram demitidos junto com Tite, mas o sistema de trabalho fica como legado. A CBF definiu que quer enxugar a comissão em 2023.
Eliminatórias da Copa viraram barbada
Tite assumiu o cargo em junho de 2016 para substituir Dunga, que tinha deixado a seleção no sexto lugar das Eliminatórias. A má campanha foi revertida e o Brasil passou em primeiro lugar para a Copa do Mundo da Rússia. À frente também do ciclo até o Qatar, o treinador encerra o trabalho sem nunca ter perdido um jogo das Eliminatórias. Foram 14 vitórias e três empates e 13 dos 17 jogos sem tomar gol.
Ano passado, o Brasil consolidou a melhor campanha de uma seleção na história das Eliminatórias Sul-Americanas neste formato, que é disputado desde 2002. Isso com um jogo a menos, porque um clássico contra a Argentina foi até cancelado.
Com Tite, as Eliminatórias da Copa viraram barbada, formalidade, num cenário que não era assim antes dele. O treinador também esteve à frente da seleção em duas edições da Copa América, com um título (2019) e um vice (2021).
Linguagem característica gerou críticas
Apesar de ser conhecido desde os tempos de Corinthians, o modo particular de Tite de se expressar chamou atenção nos últimos anos, com imitações, reverências e também críticas pelo discurso rebuscado e uso de palavras e expressões como "externos desequilibrantes", "último terço", "perninhas rápidas" e "performar".
Ao longo dos anos, Tite tentou mudar essa forma de se expressar. Depois de uma conversa com o comentarista do SporTV Paulo César Vasconcellos, chegou à conclusão de que o técnico da seleção falava para o mundo do futebol e ao mesmo tempo para um mundo maior, social, que engloba vários segmentos.
Desde então, a profundidade dos discursos e uso de palavras passou a depender da pergunta feita. Se a pergunta era sobre tática, a resposta compreendia termos táticos. Se fosse um assunto mais amplo, a linguagem era mais simples e direta.
Tite também aboliu do vocabulário o termo merecimento, antes muito marcado como símbolo de sua linguagem. Ele concluiu que a palavra era muito categórica, quando na verdade era só a manifestação de sua opinião ou posicionamento.
Temas sociais ganharam destaque
Durante a passagem de Tite pela seleção, sua filha Gabriele Bachi se formou em Ciências Sociais. O convívio familiar deu ao treinador uma visão sobre temas mais abrangentes do que o dia a dia da equipe.
Em coletivas de imprensa, Tite usou na lapela do paletó broches com símbolos a favor da vacinação na época do início da campanha de imunização contra covid-19 e sobre a causa da diabetes infantil, por exemplo. Também chegou a condenar curtidas de seu filho e auxiliar Matheus em postagens na internet com transfobia, machismo e violência de gênero, em 2021.
Foi assim que Tite aprofundou o contato com jogadores que podiam representar problema ao longo do trabalho. Para Neymar, deu e tirou a faixa de capitão. Com Richarlison, teimou em não usá-lo como centroavante até finalmente ceder perto da Copa. Com Marquinhos, administrou a insatisfação pela reserva em 2018. No fim, todos os jogadores fizeram textos emotivos para se despedir do treinador.
Desafio é continuar relevante no mercado
Tite pretende ficar pelo menos seis meses longe do futebol. Há dois motivos além do descanso e retiro com a família depois de seis anos de trabalho na seleção: ele quer fazer uma cirurgia por causa de um problema recorrente no joelho; e também quer esperar o mercado europeu se abrir para 2023/2024.
O plano de Tite é que o próximo desafio profissional seja um clube europeu ou uma seleção. Ele tem facilidade com línguas espanhola e italiana. O empresário do treinador tem recebido sondagens, mas não foi autorizado a avançar em qualquer negociação.
O desafio de Tite é seguir como nome relevante no mercado nos próximos anos, uma realidade que seus antecessores na seleção que falharam em Copas não viveram.
Dunga, por exemplo, não trabalha desde que deixou a seleção, em 2016. Treinador em 2006, Carlos Alberto Parreira esteve na seleção da África do Sul, no Fluminense por menos de 30 jogos e depois em função de coordenação. Não trabalha desde 2014. Depois da Copa de 2018, o campeão mundial de 2002 Felipão foi campeão brasileiro no Palmeiras, mas rodou sem sucesso por Cruzeiro, Grêmio e futebol chinês até se aposentar no Athletico-PR, onde neste ano virou diretor.
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