Mortes em campo: guerra entre facções aterroriza futebol amador no Amazonas
O goleiro do time amazonense Tchunay se preparava para a cobrança de pênalti decisiva, que poderia levar o time às quartas de final do Peladão 2022, no último dia 22 de janeiro. Ele começou a caminhar em direção à bola e uma série de tiros de armas de fogo foram ouvidos seguidos de gritos desesperados. Era o ataque de uma facção criminosa que queria a vitória do Guarany, adversário do duelo.
Três jogadores do Tchunay morreram. A cena chocante se tornou comum no Peladão, tradicional campeonato de futebol amador do Amazonas.
A violência é resultado da rivalidade entre facções de criminosos e traficantes, que inscrevem os times e querem ganhar a qualquer custo. A reportagem do UOL Esporte ouviu quatro testemunhas, que pediram o anonimato por temerem por suas vidas e, portanto, tiveram os nomes modificados.
Todas afirmam que as atrocidades se tornaram um problema sério de segurança pública no estado. Os organizadores da competição, que tem uma história de 50 anos, ficam de mãos atadas, já que não conseguem impedir a inscrição das equipes lideradas pelos criminosos.
O Peladão é um campeonato com mais de 50 anos. Todo mundo queria participar para ter esse título e o torneio já chegou a ter mais de 1.500 times divididos nas categorias: principal, máster, feminino e peladinha. As famílias vinham aos estádios para torcer pelos parentes"
relatou Jorge*, uma das testemunhas que atua na organização do torneio.
Há cerca de 10 anos, algumas facções colocaram times para participar do campeonato. Então, começaram a ameaçar os árbitros pela manipulação dos jogos. Depois, as brigas em campos se tornaram recorrentes. A equipe que ia jogar bola já sabia que tinha que perder para o time de facção, porque o pior poderia acontecer. Acabou que o número de times participantes foi caindo para uma média de 200, 300"
acrescentou.
O Peladão é conhecido como o maior torneio de várzea do Brasil e acabou se tornando oportunidade para potenciais atletas que não conseguem se encaixar no futebol de base dos clubes amazonenses.
O tiroteio
Em 22 de janeiro, durante a disputa de pênaltis do duelo entre Tchunay e Guarany, homens armados entraram no campo "Teixeirão" - zona leste de Manaus - e abriram fogo. Os alvos eram jogadores do Tchunay, que estariam provocando os adversários.
O ataque foi transmitido ao vivo em uma página do Facebook a mais de cinco mil pessoas. Mais de 30 tiros foram disparados e não cessaram nem com vítimas caídas e familiares desesperados.
Felipe Kleiser Freitas da Costa, de 30 anos, conhecido como "Mapará", morreu em campo. Odilon Vieira Mendonça, de 31 anos, e Valtenir de Oliveira da Silva, 27, chegaram a ser levados ao hospital, mas não resistiram.
Outros dois jogadores também foram atingidos e levados ao hospital, mas sobreviveram.
"É um problema geral, não é algo do esporte. A segurança pública tinha que agir, ter mais policiamento, dar mais atenção aos campos das comunidades", disse Marcos*, líder de uma das comunidades de Manaus. Ele comandava uma equipe participante do Peladão, mas desde que os casos de violência aumentaram, todos desistiram da competição e criaram um torneio paralelo.
"Foi um desastre. O time Tchunay não tinha envolvimento algum com crime e Guarany, sim. Não tínhamos como saber antes. Nem sabemos quantos times de facções são. Eles colocam um time e com nome fictício e trocam de nome e no decorrer do torneio", explicou Jorge*.
O que diz a organização do Peladão
Através do site, a organização do Peladão publicou um comunicado oficial. Veja abaixo:
Primeira morte em 2013
A primeira tragédia no Peladão aconteceu no fim de 2013. Paulo Christian Bezerra da Silva, conhecido como Paulinho, atuava no gol do Amigos do Tonhão e não aceitou uma oferta para deixar a bola passar na cobrança de pênalti do 13 de Maio.
Ele agarrou a cobrança e comemorou na frente do presidente do time rival, liderado por um traficante. Paulinho e a equipe foram comemorar a vitória do time em um bar e o goleiro foi surpreendido por uma moto ocupada por dois atiradores que dispararam contra ele. O jogador morreu na hora.
Na época, a polícia civil identificou os dois criminosos e ambos foram detidos.
O que dizem as autoridades
O UOL Esporte entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas e questionou sobre investigações e possíveis ações tomadas contra a violência causada no Peladão e, especificamente, sobre a tragédia de 22 de janeiro. A resposta veio por meio de um pequeno comunicado:
"A Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) informa que mantém, por meio da Polícia Militar do Amazonas (PMAM), diariamente o policiamento ostensivo em todos os bairros da capital amazonense e no interior do estado. Ressalta, ainda, que durante eventos em campos de futebol, o organizador deve fazer solicitação junto à PMAM para que o policiamento seja direcionado ao evento".
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