Ex-professora, acompanhante fecha com Vitória e vai ao estádio pela 1ª vez
Os torcedores batiam palmas com os braços estendidos sobre a cabeça. Os surdos, repiques e tamborins pulsavam como um coração acelerado. O sol derretia os cocos. Um drone sobrevoava os 22 jogadores, e o árbitro anotava alguma coisa no cartão amarelo. Quando foi autorizada, a garota de programa Nina Sag, cabelo ruivo preso em um rabo de cavalo, deu o pontapé inicial para Vitória x Jacuipense pela oitava rodada do Campeonato Baiano.
Em 36 anos de história, o estádio Manoel Barradas, o Barradão, nunca tinha visto uma cena como aquela. As garotas de programa sempre circularam com naturalidade no mundo do futebol, mas era a primeira vez que uma delas se via no círculo central do campo.
A presença de Nina já provocava uma pequena celeuma em Salvador. Dois dias antes, o Vitória tinha reunido a imprensa e, diante das câmeras, assinou um contrato de patrocínio inusitado: por uma quantia não informada, aceitou estampar nas mangas de seu centenário uniforme a logo do "Fatal Model", um site que reúne anúncios de prostituição.
Nina, 38 anos, é uma das prostitutas (ela prefere o termo "acompanhante") que fez carreira no site. Ela também trabalha como porta-voz da empresa e nos últimos dias tem se dedicado a dar entrevistas para explicar o óbvio: as mulheres e homens que se prostituem são pessoas trabalhadoras e, veja só!, merecem respeito. Antes daquele chute inicial no Barradão, Nina nunca tinha pisado num estádio de futebol. Percorreu um caminho inusitado até lá.
Graduada em letras na Universidade do Estado de Mato Grosso, ela deu aulas de português e espanhol em escolas de ensino médio por cinco anos antes de inverter totalmente sua vida profissional. Empreendeu, abriu empresas, mas viu na satisfação sexual alheia uma forma de aumentar sua renda. "Nunca trabalhei na rua, nem em boates", conta ela em uma conversa por WhatsApp. "Estudei por cinco meses como era esse mercado e fiz meu primeiro anúncio em um site."
Era 2017, e as dinâmicas das redes sociais estavam começando a causar uma revolução na vida social, nos relacionamentos, na indústria, no comércio, no mercado de trabalho e, claro, na prostituição. Um ano antes, empresários no Rio Grande do Sul tinham criado um site em que trabalhadores do sexo postavam anúncios, com textos, vídeos e fotos. Os clientes podiam mandar mensagem e contratá-los, negociando o preço do programa diretamente com o trabalhador.
Com desenvoltura digital, Nina logo se tornou o rosto e a voz do site e foi contratada para escrever textos, fazer vídeos e apresentar podcasts para incentivar o público e os profissionais a adotar práticas eficientes, seguras e justas no mercado.
"Nós trabalhamos com pessoas, então precisamos entender as pessoas. Entender de marketing, de administração financeira. O trabalho de uma acompanhante não é só ir lá, tirar a roupa e fazer sexo. Se vemos nosso trabalho como profissão, temos que nos profissionalizar."
Como funciona o site de anúncios de prostituição
Segundo o site "SimilarWeb", o "Fatal Model" registrou 45 milhões de visitas em dezembro de 2022. Se cada visitante fosse uma pessoa diferente, esse número representaria 21% da população brasileira. A empresa afirma ter 18 mil trabalhadores do sexo anunciantes.
A prostituição é uma atividade legal no Brasil, mas o Código Penal proíbe uma terceira pessoa ou empresa de explorar o trabalho de uma pessoa que se prostitui. Por causa disso, o site não cobra taxas nos negócios fechados entre prostitutas, o que poderia enquadrá-lo no crime de "rufianismo", descrito na lei como "tirar proveito da prostituição alheia".
O trabalhador do sexo não paga para anunciar seus serviços no site, mas sim para fazê-lo chegar a mais clientes e pra ter funcionalidades extras. O cliente também não paga para ver anúncios ou fazer propostas, mas pode pagar para escrever e ler resenhas dos profissionais, por exemplo.
O "Fatal Model" também afirma se esforçar para aumentar a segurança da negociação. Os anunciantes são verificados e os clientes podem fazer reclamações caso o serviço não tenha sido prestado conforme o anúncio.
Por que o 'Fatal Model' está no futebol?
O Vitória não é o primeiro time a receber patrocínio do site, que já fechou acordo com equipes menores, como Altos (Piauí) e Globo (Rio Grande do Norte), que disputaram a Copa do Brasil ano passado. A empresa também patrocina campeonatos estaduais em quatro das cinco regiões do país. A motivação comercial é óbvia: aumentar a base de usuários entre o público majoritariamente masculino do futebol.
Outra motivação é tentar convencer as pessoas mais conservadoras de que a prostituição pode ser uma profissão como outra qualquer - embora esse debate esteja longe de um consenso entre ativistas do sexo, cientistas sociais e feministas.
Mas dar o chute inicial em um jogo oficial de futebol, transmitido na TV e com repercussão nacional, representou para Nina a afirmação de uma escolha que ela fez há cinco anos. A prostituição para ela sempre foi uma opção, mas durante muito tempo ela precisou se esconder. Hoje, não mais.
A antiga professora acredita que nunca mais entrará em uma escola para dar aula a adolescentes. Mas poderá chegar a lugares em que uma acompanhante jamais imaginou estar: como o centro do gramado Barradão, o estádio do Vitória, em um domingo de calor, com os tambores soando alto e o coração batendo acelerado.
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