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Como estádio do Vasco se tornou palco de título da centenária Portela

São Januário pronto para receber Vasco x Madureira, jogo válido pelo Campeonato Carioca - Reprodução/YouTube
São Januário pronto para receber Vasco x Madureira, jogo válido pelo Campeonato Carioca Imagem: Reprodução/YouTube

Do UOL, no Rio de Janeiro (RJ)

20/02/2023 04h00

A Portela completa 100 anos neste Carnaval e uma das páginas desta história foi escrita em São Januário. O estádio do Vasco foi palco de um dos títulos da Azul e Branca de Madureira, a maior vencedora da folia carioca.

A conquista de 1945, ano em que o Carnaval esteve em xeque em meio à tensão mundial devido à Segunda Guerra Mundial, teve ainda como testemunha ocular o cantor e compositor Paulinho da Viola, em um dia que viu unidas duas de suas paixões.

A Portela entra na Marques de Sapucaí hoje, entre 23h e 23h10. O enredo será em homenagem aos 100 anos da Escola, com o "O Azul Que Vem Do Infinito".

Por que em São Januário?

Os desfiles das Escolas de Samba começaram em 1932, na Praça Onze. No fim de 1944, o Brasil envia tropas para a Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Aliados.

O conflito fez com que a realização do Carnaval fosse questionada por uma parcela da sociedade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil.

Sem poder utilizar a Avenida Rio Branco, a Liga de Defesa Nacional (LDN) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), que organizavam a festa, viram a Colina abrir as portas.

Houve um aumento da pressão para a supressão das festas e desfiles. Lutando contra isso, as Escolas de Samba desfilaram. Impedidas de usar a Avenida Rio Branco, contaram com a ajuda do Vasco para que São Januário fosse palco dessa festa popular. O estádio estava na capital do país e era o principal palco nacional para grandes eventos esportivos, políticos e culturais. Ademais, em 1943, as Escolas haviam realizado um desfile não-oficial no estádio Walmer Peres, historiador do Cruz-Maltino

O evento citado aconteceu em 24 de janeiro de 1943, foi organizado por Darcy Vargas, esposa de Getúlio Vargas e então primeira-dama do país, e contou com a participação de 10 Escolas.

O desfile de 1945 foi realizado na pista de atletismo que já não existe mais na Colina.

Este é um Carnaval com poucos registros porque havia uma discussão sobre a realização do Carnaval. As entidades que promoveram estavam mais à esquerda no espectro político e queriam se construir junto aos setores populares. São Januário era o lugar para os grandes eventos na época, como o próprio Governo Vargas fez. Tinha essa característica de receber festas populares Mauro Sérgio Farias, do departamento cultural da Portela

O enredo

Na ocasião, em meio ao Estado Novo, "havia um discurso de exaltação a valores nacionais, visando construir uma certa identidade brasileira. As escolas de samba buscavam estar alinhadas com essa política varguista, adotando enredos nacionalistas", explica Walmer.

A Portela levou à "avenida" o "Brasil Glorioso", sob um samba composto por Boaventura dos Santos, conhecido como Ventura, que tinha trecho como "Ó meu Brasil glorioso / És belo, és forte, um colosso / É rico pela natureza / Eu nunca vi tanta beleza".

Aquela foi a sétima conquista da história da Portela, e o quinto de uma sequência de sete títulos (de 1941 a 1947).

A morte de Matinada

Com o samba e os sambistas marginalizados, e um desfile que aconteceu sob contestações, o evento ficou marcado por uma tragédia, que serviu para reforçar estereótipos.

Jornal noticia a morte de Matinada em conflito durante desfile em São Januário - Reprodução blog "Memória do Torcedor Vascaíno" - Reprodução blog "Memória do Torcedor Vascaíno"
Imagem: Reprodução blog "Memória do Torcedor Vascaíno"


A briga entre integrantes da "Depois Eu Digo", do Morro do Salgueiro, e da "Cada Ano Sai Melhor", do Morro de São Carlos, acabou com a morte do sambista Matinada.

"Parte da imprensa pediu para que providências enérgicas fossem tomadas contra as escolas. Algumas personalidades do samba, entre eles o já consagrado Paulo da Portela, transformaram-se nas vozes de defesa dos sambistas, fazendo uso do microfone de algumas rádios solidárias à causa das escolas", registra o site oficial da Portela.

O Paulo da Portela brigava muito pela legitimidade dos desfiles. No samba para o centenário tem um verso que fala sobre "pescoço ocupado", expressão que ele usava. Ele dizia que o sambista tinha de se apresentar altivo, de gravata. Vínhamos de um momento que, às duras penas, começava a se conseguir esse reconhecimento, e esse episódio fez isso retroceder um pouco. O debate ficou em cima da violência e daquilo tudo que os sambistas já eram acusados. Mauro Sérgio Farias, do departamento cultural da Portela

Citado em música do Paulinho da Viola

Músico Paulinho da Viola foi um dos agraciados com o kit "Resposta Histórica" do Vasco da Gama - Reprodução / Twitter do Vasco - Reprodução / Twitter do Vasco
Paulinho da Viola
Imagem: Reprodução / Twitter do Vasco

Vascaíno e portelense, Paulinho da Viola estava em São Januário naquele desfile e, anos depois, citou a morte de Matinada no samba. Em "Botafogo, Chão De Estrelas", feito em parceria com Aldir Blanc e interpretada por Walter Alfaiate, há os versos "Morreu assassinado o Matinada / Nas confusões que vestem fevereiro".

A década do Vasco e da Portela

A década de 40 marcou uma sequência de títulos para Vasco e Portela. Foram sete títulos para a Azul e Branca, enquanto o Cruz-Maltino viu a formação do que ficou conhecido como "Expresso da Vitória". Em 1948, a equipe de São Januário conquistou o Sul-Americano de Campeões e se tornava o primeiro campeão continental do mundo.

Eu prefiro datar 1945 como ano inicial do Expresso da Vitória, Era de ouro que vai até 1953. Em 1945, dentre outros títulos, o Vasco volta a ganhar o Carioca e faz de maneira avassaladora, invicta. A Portela venceu de forma seguida de 1941 a 1945, e seria hepta ao vencer os Carnavais de 1946 e 1947 Walmer Peres

Vasco em ação no Sul-Americano de 1948 - Revista Estadio / reprodução site oficial Vasco - Revista Estadio / reprodução site oficial Vasco
Imagem: Revista Estadio / reprodução site oficial Vasco

Samba-enredo da Portela em 1945

autor: Ventura

Ó meu Brasil glorioso
És belo, és forte, um colosso
É rico pela natureza
Eu nunca vi tanta beleza
Foi denominado terra de Santa Cruz
Ó pátria amada, terra adorada, terra de luz

Nessas mal traçadas rimas
Quero homenagear
Este meu torrão natal
És rico, és belo, és forte
E por isso és varonil
Ó pátria amada, terra adorada, viva o Brasil

Vasco