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Do Carrossel Caipira a pasto para vacas: como o Mogi Mirim foi para o brejo

Sapo de cimento na entrada do Estádio Vail Chaves do Mogi Mirim E.C, o Sapão da Mogiana - André Porto/UOL
Sapo de cimento na entrada do Estádio Vail Chaves do Mogi Mirim E.C, o Sapão da Mogiana
Imagem: André Porto/UOL

Luiz Augusto Símon

Colunista do UOL, em Mogi Mirim (SP)

11/03/2023 04h00

Quem visita o estádio Vail Chaves é recepcionado por um simpático sapo verde. De cimento, com 15 centímetros de altura, é uma referência ao apelido do Mogi Mirim E.C, o Sapão da Mogiana. Representaria melhor o atual momento do clube se estivesse em meio a um brejo. Ou, quem sabe, enterrado.

O Mogi, que sob o comando de Vadão foi o Carrossel Caipira e enfrentou grandes times, se prepara para jogar a Bezinha. É um modo carinhoso de tratar a quarta divisão do Campeonato Paulista. Vai enfrentar equipes tão modestas quanto ele mesmo, como São Carlos, São Carlense, XV de Jaú, União São João e Independente de Limeira.

E ainda joga com o sinal vermelho: no próximo ano, a Série B de São Paulo muda de formato. Hoje, são 36 times na disputa. Ano que vem, apenas 16. Quem não ficar no grupo dos primeiros, cai para uma nova quinta divisão.

Um destino desconhecido para um time que já foi grande.

O estádio de quatro nomes

O estádio tem placas proibindo a entrada nos banheiros, precisa de reparos e as cabines de imprensa estão interditadas. Mas ainda guarda beleza. Ninguém sabe até quando: é que o endereço está penhorado por dívidas. O clube pode perder seu controle a qualquer momento.

O próprio nome do estádio é um reflexo do cipoal de processos que atrapalha a subsistência do Mogi. Vail Chaves foi um empresário que ajudou na fundação do clube e, por isso, foi homenageado. Foi o primeiro nome.

Depois, nos anos 90, tempos áureos do clube, passou a ser chamado por sua segunda nomenclatura: Wilson de Barros, nome do então presidente (e responsável por levar o Mogi ao grupo dos grandes do futebol paulista).

Mas quando a mulher e a filha de Wilson foram sequestradas, ele prometeu mudar o nome do estádio para Papa João Paulo II. Pagou a promessa.

Quando Rivaldo, o melhor jogador do mundo em 1999, pentacampeão mundial com a seleção brasileira em 2002 e maior atleta revelado pelo Mogi Mirim, era presidente do clube, em 2011, resolveu homenagear seu pai, Romildo Vitor Gomes Ferreira, grande incentivador de sua carreira e que morreu atropelado, o estádio ganhou seu quarto nome.

Em 2016, voltou a se chamar Vail Chaves.

Cachorro no CT do Mogi Mirim - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Imagem: André Porto/UOL

O cachorro em frente ao CT de Rivaldo

E, se um sapo de cimento, marca a entrada do estádio, um cachorro de verdade — agressivo e de latido forte — protege um dos dois CTs do clube. O latido do cachorro atrai uma senhora que mora na casa ao lado.

— Boa tarde, é verdade que o CT virou pasto para vacas?

— É sim, mas elas só chegam mais tarde. Pelo menos as vacas comem a grama e impedem que vire um matagal. Tem cobra por aí também. Quero só ver se um dia uma cobra matar uma vaca...

— A senhora é a caseira?

— Meu marido é que é. Mas ele saiu para procurar um bico na cidade. A gente mora aqui de graça, mas precisa pagar água e luz. O clube não paga nada.

— E o outro CT?

— Ah, é menor. Fica bem longe, na estrada para Limeira. Lá não tem ninguém cuidando, não.

A cena mostra outro problema do Mogi, esse legal: durante a gestão Rivaldo, entre 2008 e 2013, o clube acumulou dívidas com seu presidente. Para pagá-las, os dois centros de treinamento do clube foram transferidos para o pentacampeão.

Ex-cartola do clube, Henrique Storti processa Rivaldo por isso. Sua alegação é que o ex-jogador, como gestor, não poderia contrair a dívida, definir como ela seria paga, definir o valor dos bens a serem usados nesse pagamento (no caso, os CTs) e usar esses bens para pagamento para ele mesmo.

Betelen Dante Ferreira, advogado de Rivaldo, contesta os argumentos: "Rivaldo não estava nas duas pontas do processo, como eles dizem. Ele era presidente licenciado porque estava atuando na Grécia, no Uzbequistão, em Angola, no São Paulo".

Um time sem lugar para treinar, sem dinheiro e sem divisão

Enquanto as partes disputam judicialmente a posse dos terrenos (entre outras demandas), o time de futebol ficou sem ter onde treinar. Acabou no estádio. E, com as dívidas que se acumularam, montar uma equipe vencedora foi impossível. Desde 2013, quando Rivaldo saiu, foram cinco quedas que deixaram o Sapão sem divisão no Brasileiro.

OS REBAIXAMENTOS DO MOGI

  • 2015 - Caiu da Série B para C no Brasileiro.
  • 2016 - Caiu para a A-2 do Paulista.
  • 2017 - Rebaixado para a Série A-3 do Paulista.
  • 2017 - Rebaixado para a Série D do Brasileiro.
  • 2018 - Rebaixado para a Série B do Paulista.
  • 2018 - Disputa a Série D, fica em último em seu grupo e acaba sem divisão no Brasileiro.

O presidente Luis Henrique de Oliveira, que assumiu o clube em 2013, é sincero em tentar explicar tantas quedas. "Acho que eu era inexperiente e incompetente. Mas nunca roubei nada do clube".

Luís Henrique é um forasteiro em Mogi Mirim. Veio de Guarulhos e, para se ter uma ideia de como é desconhecido, foi candidato a prefeito em 2020 e teve só 394 votos. Doze vereadores se elegeram com mais votos que Luís Henrique. "Não usei o Mogi Mirim para ter votos", diz.

Vacas no CT do Mogi Mirim. Elas só pastam no campo à tarde - Rene Couto/Arquivo Pessoal - Rene Couto/Arquivo Pessoal
Vacas no CT do Mogi Mirim. Elas só pastam no campo à tarde
Imagem: Rene Couto/Arquivo Pessoal

Arquibancadas fechadas desde 2017

O Mogi estreia na Bezinha no dia 23 de abril, em São Carlos. Vai de ônibus alugado já que não tem condução própria. O presidente ainda está montando o time — "temos 60% dos jogadores, ainda estamos contratando" — e espera um público médio de 4 mil pagantes. "Se o time der liga, a torcida vem".

Não veio em 2017, no último jogo do time em seu estádio, quando já havia caído da A-2 para a A-3. No jogo contra o Rio Preto, o público foi de 124 pagantes. A renda foi de R$ 2520 e o prejuízo de R$ 3815,98.

Nos últimos cinco anos, o time não jogou torneios, mandou jogos em outras cidades ou as arquibancadas estavam fechadas por conta da pandemia.

Mas quem olhou para o futebol de Mogi, a cidade, viu gente torcendo e gritando por futebol. Galileu Araújo é presidente do Vila Dias, alvirrubro, um dos dois times mais populares do futebol amador em Mogi Mirim. O rival é a Tucurense, alvinegra. "Quando a gente joga no estádio deles, que tem arquibancada, nunca tem menos de 300 pessoas. E, se os dois times estiverem decidindo algum campeonato, o público passa de mil pagantes. Muito mais que o Mogi Mirim no estágio atual", diverte-se.

Rivaldo e o Carrossel Caipira - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

O impacto de um time em uma cidade

"Depois da saída de Rivaldo, o time afundou. Vamos torcer para ver se aparece um investidor chinês ou árabe... Além do impacto econômico, muda o astral da cidade. Fica um clima de decadência e a cidade sofre. O hotel também", diz Luiz Zaniboni, dono do Zaniboni Bristol Hotel, que costumava receber os times que vinham enfrentara o Sapão.

O prefeito Paulo Silva também se preocupa: "O Mogi Mirim ainda é uma grande referência para nosso município. O seu afastamento, além de compromete a imagem da cidade, traz importante impacto negativo em nossa economia".

O comércio também sofre, explica Alex Sartori, presidente da Associação Comercial e Industrial da cidade. "Estamos falando de 20 mil torcedores, que é a capacidade do estádio. O comércio perde receita. Ambulantes, hotéis, transporte... Todo o setor gastronômico, o de roupas e de acessórios de esporte."

O repórter Diego Ortiz, do Jornal A Comarca, foi se adaptando aos novos tempos. "São três fases. Com Wilson de Barros era só futebol. Com Rivaldo, era futebol e processo. Com Luis Henrique (o atual presidente do clube), é só processo. Como eu tinha experiência em outra editoria, consegui me dar bem. E a gente cobre outros esportes."

Narrador de futebol para a rádio da cidade, Serginho Silva tem saudades dos velhos tempos. "A gente fazia a Série B pelo Brasil todo. Manaus, Porto Alegre... Dá muita saudade". Fábio Fideliz, também narrador, mudou sua rotina: "Passei a narrar alguns jogos do Bragantino e, agora, sou locutor de FM".

O que eu senti em Mogi

O triste foi ver, andando pelas ruas da cidade e conversando com pessoas comuns, é que, exceção ao que se chama de "forças vivas da sociedade", o prefeito, o dono do hotel e os comerciantes, a agonia do Mogi Mirim é pouco sentida.

Desconfiados com a entrevista (ou com a cara feia do repórter), ninguém aceita dar o nome para a reportagem. E ninguém sabe dizer se o time ainda existe, apontar o nome de algum jogador ou quando vai começar o campeonato.

O dono do bar da Rodoviária lembra de quando vendia (muitos) salgados para torcedores que vinham de ônibus. E, em uma rodinha de amigos e amigas, todos sentem saudades dos domingos de paquera no estádio.

É um tempo que não volta mais. Pelo que ouvi em um dia andando por Mogi Mirim, o Sapão dificilmente vai sair da areia movediça de processos e brigas.