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Por que é complicado obter detalhes da condenação de Cuca por estupro em 87

Pedro Lopes

Do UOL, em São Paulo

21/04/2023 04h00

A contratação de Cuca pelo Corinthians, anunciada na quinta-feira (20), irritou torcedores nas redes sociais. No centro da revolta está a condenação do treinador a 15 meses de prisão por estupro de Sandra Pfaffli, de 13 anos, em um hotel em Berna, na Suíça, em 1987, quando ainda era jogador de Grêmio.

Outros três atletas do time gaúcho também foram condenados: o ex-goleiro Eduardo, o ex-zagueiro Henrique e o ex-atacante Fernando. Os detalhes do que aconteceu naquela noite não são, até hoje, conhecidos no Brasil. O que se tem da história é reconstruído pela versão dos próprios acusados que retornaram e alguns recortes de jornais da época.

Uma visita profissional a Berna em 2019 para participar de um festival de jornalismo virou uma oportunidade de tentar desvendar o mistério que cerca a condenação e entender toda a fundamentação por trás da decisão. Cuca nega ter cometido qualquer violência, e diz que a pena se justifica, em parte, por não ter tido a oportunidade de se defender — o julgamento aconteceu quando os gremistas já tinham retornado ao Brasil.

Contei a história a uma jornalista local que conheci durante a viagem: um famoso treinador e ex-jogador brasileiro tinha sido condenado no país dela pelo estupro de uma menor de idade, mas voltou ao Brasil antes de cumprir qualquer pena. Aqui trabalhava livremente nos maiores clubes do país. Estarrecida, ela topou me ajudar.

Meses depois, quando eu já tinha retornado ao Brasil, localizamos os processos — estavam na corte criminal de Berna-Mitteland. O acesso aos detalhes, entretanto, esbarrava na lei de proteção de dados da Suíça. Oficialmente, a corte informou que se tratava de um procedimento criminal altamente pessoal e que, por isso, a proteção aos dados era particularmente forte. A liberação só seria possível em três cenários: por força de lei que assim obrigasse, com uma decisão judicial determinando ou com autorização expressa da vítima.

Explicamos a um funcionário do tribunal que a ideia era esclarecer essa história no Brasil. O que se sabia aqui é que um dos treinadores mais famosos do país tinha no seu passado uma condenação por estupro. Ele negava o crime, e não havia detalhes ou dados para confrontar as versões. Nem mesmo a íntegra da sentença era conhecida por aqui. O funcionário disse que tentaria localizar Sandra para pedir autorização de acesso à decisão e a documentos.

Essa autorização não veio. O retorno informal foi de que a mulher, mais de 30 anos depois, não queria ser encontrada — algo comum em eventos traumáticos como o crime de estupro. Oficialmente, a corte enviou uma carta; ela diz que o pedido de informações não atende a nenhum dos três requisitos previstos em lei para a liberação do acesso e, por isso, foi negado.

Em entrevista à colunista do UOL Marilia Ruiz, Cuca diz ser completamente inocente do crime. Nos depoimentos de 1987, reproduzidos tanto pela imprensa brasileira como pela europeia, Sandra narrou ter sido segurada a força por quatro jogadores do Grêmio. Na Suíça, os detalhes do processo permanecem protegidos por fortes e invioláveis mecanismos de proteção à vítima.