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Dúvidas, ameaças e um guardanapo: o dia em que o Barcelona contratou Messi

Thiago Arantes

do UOL, em Barcelona

23/04/2023 04h00

O telefone do empresário argentino Horacio Gaggioli tocou no início de dezembro de 2000. Do outro lado da linha, seu amigo e sócio Martín Moreno não tinha boas notícias.

"Horacio, acabou a paciência. Precisamos assinar algo agora. Diga ao Charly que o tempo acabou. Se ele estiver interessado, assinamos. Se não, vamos levar o garoto para outro lugar".

A chamada que cruzou 10.500 quilômetros, de Buenos Aires a Barcelona, é parte importante de uma série de acontecimentos que mudaram a história do futebol. O garoto a que Martín se referia era Lionel Andrés Messi, um jovem argentino de 13 anos que esperava havia dois meses por uma resposta.

Entre 15 de setembro e 1º de outubro de 2000, Messi havia feito testes no Barcelona. De volta à Argentina, um garoto ansioso, e uma família ainda mais, esperaram ao lado do telefone por dois meses. Nos testes, Leo havia se destacado, mas ainda havia dúvidas entre os responsáveis pelas categorias de base. A palavra final seria de Carles Rexach, ex-jogador e então secretário-técnico do clube. Charly, para os mais íntimos.

"Depois de receber aquela ligação, eu liguei para Rexach. Ele estava viajando. Marquei de encontrá-lo no dia 14 de dezembro", lembra Gaggioli ao UOL. O empresário era, ao lado de Martín Moreno, o encarregado de fazer o meio-campo entre Buenos Aires e Barcelona; entre a família do projeto de craque e a diretoria do clube catalão.

Em 14 de dezembro, Gaggioli, Charly Rexach e o empresário José Maria Minguella reuniram-se no bar do Clube de Tênis Pompeia, no distrito de Montjuic, em Barcelona. Sentados em uma mesa de metal, sem nenhum glamour, o argentino repassou, sem rodeios, a mensagem que recebera da família de Messi.

"Falei para ele que não podíamos mais esperar, e que ele como secretário-técnico tinha a obrigação de dizer se queria ou não contratar o Leo. Se ele não fizesse isso, teríamos de romper o compromisso verbal que havíamos feito com o clube".

Rexach reagiu rápido. Foi até o balcão do bar e pediu um papel, mas a sala onde ficava a impressora do clube estava fechada. O dirigente voltou para a mesa, pegou um guardanapo e escreveu de próprio punho aquele que seria o primeiro contrato de Lionel Messi com o Barcelona.

Primeiro contrato de Messi foi escrito em um guardanapo - Horacio Gaggioli - Horacio Gaggioli
Primeiro contrato de Messi foi escrito em um guardanapo
Imagem: Horacio Gaggioli

Em Barcelona, no dia 14 de dezembro de 2000, e na presença dos senhores Minguella e Horacio, Carles Rexach, secretário-técnico do FC Barcelona, se compromete sob sua responsabilidade, e apesar de algumas opiniões contrárias, a contratar o jogador Lionel Messi, sempre e quando sejam cumpridos os valores combinados".
TEXTO ESCRITO POR CARLES REXACH NO GUARDANAPO

Os três assinaram embaixo, e Gaggioli ficou com o pedaço de papel. Ao sair do bar, passou no escritório de seu advogado. "O guardanapo tinha nomes, datas e assinaturas. Me disseram que era um documento jurídico válido. Liguei para Buenos Aires e dei a notícia. Os pais ficaram muito felizes", conta.

Dois meses depois, a família mudou-se para Barcelona. Primeiro, todos ficaram em um hotel a poucos metros do Camp Nou. "Foi o início de um belo projeto", resume o empresário, que mais de duas décadas depois ainda transita no meio do futebol - até o ano passado, ele trabalhou com Marco Asensio, do Real Madrid.

"Jogador de futsal"

Uma leitura mais atenta do guardanapo que mudou a história do futebol mostra que o conto de fadas de Messi em Barcelona esteve ameaçado. O trecho "e apesar de algumas opiniões contrárias" chama a atenção. E não é exagero: havia uma corrente dentro do Barcelona que se opunha à contratação.

Horacio Gaggioli lembra que havia dois argumentos de peso.

Um deles era futebolístico. Diziam que aquele garoto nunca ia jogar futebol de campo. Que seria um jogador muito bom de futsal, mas não no campo. Esses eram os relatórios que eles passavam. Dois treinadores falaram isso."

O empresário se antecipa à pergunta sobre quem eram os dois técnicos que não queriam Messi. "Nunca vou falar os nomes".

Outro argumento contra o negócio era relacionado à saúde do garoto. Messi tinha 13 anos, mas a estrutura óssea era de 11, segundo exames médicos feitos na época. "Teriam de continuar um tratamento que ele estava fazendo na Argentina", lembra Gaggioli. Dentro do clube, havia quem visse a contratação como um risco desnecessário. A pergunta nos bastidores era: "Vamos correr o risco de contratar um menino de 13 anos com um problema hormonal?"

José Maria Minguella, o terceiro elemento no dia da assinatura no guardanapo, teve um papel importante no processo. O catalão já havia sido responsável por abrir as portas para os primeiros testes de Messi no clube, e depois fez campanha para convencer os críticos de que valia fazer o esforço pelo jovem argentino.

Tesouro está em um cofre

Horacio Gaggioli, empresário argentino - Thiago Arantes/UOL - Thiago Arantes/UOL
Horacio Gaggioli, empresário argentino
Imagem: Thiago Arantes/UOL

Enquanto o mundo vive a expectativa pelo que pode ser o último contrato de Messi - seja com o PSG, o Barcelona, a MLS ou a liga da Arábia Saudita -, o primeiro contrato repousa tranquilo em um cofre de segurança máxima.

Gaggioli manteve o documento na caixa-forte de um banco de Barcelona até 2016, quando mudou-se para Andorra e levou consigo a relíquia. Desde então, o guardanapo fica protegido por um plástico e dentro de uma pasta, no cofre de um banco andorrano, com acesso restrito. A pedido do UOL, Gaggioli fez uma foto do papel histórico e enviou à reportagem.

Para o empresário, o guardanapo deveria estar no museu do FC Barcelona, no Camp Nou. Há mais de dez anos, houve uma aproximação para colocar o "primeiro contrato de Messi" em exposição, mas foi justamente o valor legal do documento que impediu que a história fosse adiante.

"O clube considerou que o guardanapo era um primeiro contrato, e apesar de não haver uma cláusula de confidencialidade, se subentende que quando há um contrato, ele deve ser confidencial. Por isso não se pode colocar em um lugar público", explica Gaggioli, que já recusou propostas para expor a peça em Londres e Tóquio.

Eu não quero fazer dinheiro com esse papelzinho. Por sorte, não preciso disso. Não me parece correto atuar desta forma com esse papel, pelo qual tenho um carinho enorme. Ninguém duvida que foi o papel que mudou a história contemporânea do Barcelona."
HORÁCIO GAGGIOLI