Palmeiras x Corinthians de 1999 foi mais duro que Copa do Mundo para Zinho
Para não deixar dúvidas, Zinho repete "foi" duas vezes, quando indagado por um repórter, ainda no gramado do Morumbi, se bater o pênalti que fechou as quartas de final da Copa Libertadores de 1999 foi mais difícil que jogar a Copa do Mundo de 1994. O UOL conta essa história no documentário "Inimigos Íntimos", disponível no UOL Play.
O hoje comentarista da ESPN foi um dos protagonistas da sequência de 14 partidas entre os rivais, disputadas entre fevereiro de 99 e julho de 2000.
Além do penal decisivo, Zinho também foi atuante na briga campal da final do Paulista de 1999, sendo um dos perseguidores de Edilson — muito embora, em sua memória, ele tenha ficado alijado da confusão tentando acalmar os ânimos.
Em entrevista ao UOL, como parte do documentário "Inimigos íntimos", sobre a sequência de embates entre os rivais, Zinho fala da mística e do peso inerente aos Dérbis. Partida que ele disputou pela primeira vez em 1992, pouco menos de um ano antes de fazer o gol que abriu caminho para a conquista do Paulista de 1993 pelo Verdão.
UOL - Você é do Rio de Janeiro, veio do Flamengo em 1992. Como é que você se deparou com a rivalidade entre Palmeiras e Corinthians?
Assim, eu já acompanhava essa história de rivalidade de longe, né? Enfrentando essas equipes, eu via a força das torcidas que tinham o Palmeiras e Corinthians, mas eu jogava pelo Flamengo, contra, né? Viver o que que é um Corinthians x Palmeiras, só vestindo a camisa de um dos dois times, como foi quando cheguei.
Tinha o São Paulo campeão do mundo ali, em 1992 e 93. Mas por mais que no Brasil, e principalmente em São Paulo, tem a rivalidade entre os grandes times, como era o São Paulo naquela época, quando joga Palmeiras e Corinthians, é outra coisa. É outro campeonato.
E logo no seu seu segundo ano de Palmeiras, já tem uma decisão contra o Corinthians.
O nosso time estava começando aquela coisa da Parmalat no Palmeiras, as empresas no futebol. Era um time formado para o Palmeiras voltar a vencer. Mas, na hora do duelo, essa diferença de investimento ou até de qualidade de time fica muito parelho, fica muito igual, por causa da rivalidade. O corintiano não queria deixar o Palmeiras sair da fila em cima dele. Então, assim, na rua, no dia-a-dia, nos momentos que antecedem o jogo, eu estava num restaurante, e o pessoal só falava do clássico, sabe? Seja palmeirense ou corintiano. E, se bobear, até quem não era se metia no meio disso, dava opinião.
Muda tudo, não é?
É um momento que todo atleta quer, mas ser campeão contra o rival, e num Palmeiras x Corinthians, é diferente. Eu fiz o gol na final (do Paulista), né? De pé direito. Foi no dia 12 de junho de 1993. Nós estamos em 2022. Parece que o gol foi ontem. Porque o palmeirense quer beijar o meu pé direito onde eu tô. 'Ah, o pé direito? O Dia dos Namorados, nunca mais foi o mesmo'.
Palmeiras e Corinthians não tem explicação. É uma paixão, é uma rivalidade e é uma coisa que assim eu tenho na história do Palmeiras. Porque eu ganhei muitos títulos, joguei 333 jogos pelo Palmeiras. Eu fiz 56 gols. Eu ganhei oito títulos, eu fui campeão da Libertadores, mas parece que o Paulista de 93 foi a final da Copa, do Campeonato Mundial. Porque a gente saiu da fila em cima do Corinthians.
O que difere a atmosfera de 1993 da de 99?
Lá no início dos anos 1990, o nosso time era melhor do que o do Corinthians. Era bem melhor. É tanto que, quando a gente perde o primeiro jogo, com o gol que o Viola imita porco, durante a semana, cara, a gente dizia 'nós vamos reverter, nosso time é melhor e tal'. E [a imitação do Viola] só nos inflamou mais. Tinha aquela coisa, 'ah, time de empresa, não é time com raiz no clube. Na hora da decisão, o que vale é a camisa do Corinthians'. Então, isso nos inflamou. A gente atropelou no segundo jogo.
Agora, já em 1998, 99, o time do Corinthians era uma seleção também. Nosso time era bom. Muito bom. Mas o time do Corinthians era muito bom também. Era uma rivalidade que ia além do clássico, além do objetivo da Libertadores. As duas equipes queriam muito. Ninguém tinha Libertadores, nem Palmeiras, nem Corinthians.
E esse clássico, nesse período, tinha grandes personagens, né? Os caras irreverentes do lado de vocês, do lado deles também. Como é que você se comportava dentro do vestiário com esses caras? Porque você não era falastrão, nunca foi o que fazia a provocação.
Eu não era aquele cara de ficar dando arma para o inimigo, eu não ia para a imprensa para ficar fazendo graça, palhaçada. Isso é legal, assim, de dar repercussão na mídia. É individualmente para o cara, que faz isso. Se ganha é ele que marca mais para o torcedor. Mas eu não queria. Eu nunca fui um cara de ficar fazendo média. Eu sempre fui profissional, atleta profissional. Então, meu objetivo era vencer para botar a faixa, ganhar títulos, marcar o meu nome no clube, mas não por falar muito. É a personalidade de cada um. Então, eu procurava tentar controlar os jogadores falastrões do meu time.
E era difícil, vamos dizer assim?
Em 1993, 94, era mais tranquilo, porque a gente tinha garotada mais nova, né? O Roberto Carlos, o Edilson. O Edmundo não era falastrão, ele era mais explosivo. Então, era um cara que a gente tinha que controlar para ele não ser expulso, para não entrar em confusão. Era um cara pavio curto. Se ficassem botando pilha nele ali no campo, ali jogando, ele podia perder o controle. Não era de ficar falando na imprensa, depois que ganha, depois que joga.
Em 1998, 99, era mais difícil porque o Marcelinho de lá era de falar bastante. Jogava demais, craque de bola, né? Jogador de nível de seleção. O Edilson já estava lá. E, do meu lado aqui também tinha um Paulo Nunes da vida, já tinha um Oséias, já tinha uns caras, né, que eram os 'Bad Boys' no bom sentido. Eram os caras que agitavam o jogo. Mas com coração bom, com caráter bom. Mas era da personalidade dos caras.
Como eram os dias antes daqueles jogos?
A gente se classifica, tira o Corinthians da Libertadores. Os caras lá não ficam sossegados com isso, ficam falando que estão torcendo pro River, que estão torcendo. Aí, os daqui também não tem sangue de barata também. 'Ah, fica aí com Paulistinha, não sei o quê'. Essa história de Paulistinha começa lá atrás. No primeiro jogo [da final do Paulista de 99], a gente botou o time reserva. Então, a gente tomou uma pancada de 3 a 0, ninguém jogou.
No segundo jogo a gente sabia que seria difícil reverter. Essa vontade que o Corinthians tinha. Mas a gente era campeão da Libertadores. Então, os caras, já no vestiário, [estavam] pintando o cabelo de verde, botando a faixa de campeão da Libertadores por baixo da camisa. Aí tu vai: 'cara, porra, não faz isso'. Deu no que deu no jogo, né?
Aí, tem o Edilson também do outro lado. 'Ah, entraram [com cabelo pintado]?' Aí ele vai e faz a embaixadinha. Foi do momento, [foi por causa] da atmosfera da rivalidade que aconteceram todas essas coisas. Mas, hoje, todo mundo se dá bem pra caramba, é amigo.
Mas quem foi o fio condutor desse estopim para a bomba estourar de vez naquele jogo foi o Paulo Nunes, né?
Tem essa ideia [da embaixadinha], não sei, na hora ali, e o Paulo Nunes que parte para cima, né? Então começa, ele não aceita essa provocação e dá um chute [no Edilson], os caras do banco saem, e aí todo mundo já está envolvido no negócio.
Mas, assim, ficou muito entre os dois, né? O início da briga da confusão, mais de falatório?
Ah, todo mundo falava daqui, outro falava dali, uns falavam mais na imprensa assim. O Marcelinho, principalmente, ele falou que estava torcendo pro River Plate que não sei o quê, então já tinha algo.
Seu papel na briga ali naquele dia, você fez o quê?
Eu estava muito próximo, eu tentei correr para proteger o Paulo Nunes, não foi nem para agredir o Edilson, porque eu vi que o Paulo Nunes deu chute e correu. O Edilson dá um chute nele, ele cai e o banco vem, né? Então, você corre. Eu nunca fui de briga, né? Nunca gostei, tenho pavor de violência. Mas você está ali na atmosfera, com a adrenalina, com sangue quente. Eu não sei se eu também não ia agredir alguém. Graças a Deus. Eu corro nesse intuito de tentar apaziguar, tentar de alguma forma proteger o cara do meu time. O Paulo era meu companheiro de quarto. Ele é meu amigo até hoje. Então você, claro, que vai mais para proteger o seu.
Como é era dormir com o Paulo Nunes?
Ainda bem que ele estava na cama dele e eu na minha. Ele é um amigaço, um parceiraço, um cara de um coração enorme. É como eu falei, um maluco beleza, um cara do bem. Agora, é extrovertido, né? Um cara que vivia a vida. Ele é aquele cara de alegria no grupo. Jogava demais, artilheiro, baita de um jogador. Mas com personalidade de movimentar essa coisa de ir na imprensa. Naquela época, que ele comemorava gol de Feiticeira, de Tiazinha, é o estilo dele e tal. Marcou uma época, virou ídolo da torcida. Mas, assim, é um cara espetacular, meu amigo até hoje.
Você jogou com o Edilson também.
É outro monstro também, craque de bola, me ajudou muito no Palmeiras de 93. Também com esse estilo de ser irreverente, mas assim, é um outro cara que também ajudei muito ali no início de Palmeiras, desta coisa de você ter uma certa experiência. Então, você conversa mais, fala. Se você conversar com eles, eles vão falar até hoje sobre isso, né? Sobre essa esse meu estilo de cuidar fora de campo também.
Como era o Felipão nos momentos decisivos daquele Palmeiras de 1998 e 1999?
O Felipão era aquele cara que tinha esse espírito de levar a rivalidade para um lado positivo, mas sem deixar de alimentar. 'Pô, esse é o jogo. Olha a rivalidade'. Então, não era uma coisa incitando violência, pelo contrário. Mas pilhava para a gente encarar como um jogo diferente, destacando as qualidades do adversário. Mas, vamos dizer, qualquer fala dos caras, ele botava ali a matéria na parede. Eu sempre tenho essa muito essa coisa do Marcelinho torcendo pro pros argentinos, principalmente o jogo contra River na semifinal. Eu me lembro muito disso. E passaram-se muitos anos, né? Eu cuidei dele também. A ponto de eu ter sido, eu e minha esposa, padrinhos de casamento dele. Mas, dentro do grupo, ele era um cara que irritava todo mundo. Se bobear, mais do que o Edilson.
Você coloca Palmeiras x Corinthians como o maior clássico do Brasil?
Para mim, o clássico de maior rivalidade é o Gre-Nal.. Porque independentemente de situação na tabela. O Rio Grande do Sul para, porque tem só esses dois times, é a força do Estado. Então, um pode estar na série B e um na Série A e ser o campeão. Você não pode jogar no Grêmio e usar roupa vermelha. Tu joga no no Inter, tu não pode usar roupa azul, não pode ter um carro com a cor que lembra o teu adversário. Entendeu? Um patrocinador patrocina um no estado, tem que patrocinar o outro. Porque tá tudo dividido ali. Então, o clássico Gre-Nal, na minha opinião, é o de maior rivalidade.
Agora o Palmeiras x Corinthians foi a maior rivalidade que eu vivi. Foram quase seis anos no Palmeiras. Dentro do estado, você dilui contra os outros times. Mas, em 99 foi aquela coisa de Paulista e Libertadores. Foi o momento mais tenso. Tanto é que, para mim, o momento de maior nervoso da minha carreira foi bater aquele pênalti contra o Corinthians na disputa de pênalti, não foi na Copa do Mundo, não foi um um Flamengo x Vasco. Foi sair do meio de campo, caminhado meio campo sozinho, com a bola debaixo do braço, para chegar na marca do pênalti. Foi o maior nervoso que eu passei, de boa, cara. Se eu não fizer, se eu perder, como é que vai ser? Por causa da importância do jogo, da rivalidade que foi criada, dessa coisa é de ganhar a primeira Libertadores, de não ficar fora contra o teu maior rival. O momento mais tenso da minha carreira foi esse jogo.
O que você acha que essa rivalidade vocês nessa época deixa de legado para hoje, 22 anos depois? Tem alguma coisa que você sente?
Eu hoje sou comentarista dos canais ESPN. E, quando tem esse clássico, quando acontece, me perguntam. Palmeiras x Corinthians é um jogo diferente, que você se cuida diferente, que você se prepara diferente, você concentra diferente, o seu foco é diferente, né? A importância do jogo, da responsabilidade é diferente. Eu acho que esses jogadores de hoje não olham para não pegam vídeo desse jogo para ver. É o momento deles, é a época deles. Mas, assim, o torcedor corintiano ou palmeirense, lembra.
Feliz daquele que jogou um Palmeiras x Corinthians. Feliz daquele que vestiu a camisa de um dos dois times e viveu esse clássico. Com certeza, o cara sabe que é um clássico que está marcado na vida dele como atleta profissional.
Inimigos Íntimos
O que: documentário sobre a rivalidade entre Corinthians e Palmeiras na virada do século XXI
Estreia: 24 de abril
Onde assistir: exclusivo para assinantes UOL Play (https://play.uol.com.br/)
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