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Árbitro do último jogo de Pelé repassa carreira e cita premonição de morte

Emídio Marques de Mesquita, ex-árbitro de futebol - Arquivo pessoal
Emídio Marques de Mesquita, ex-árbitro de futebol Imagem: Arquivo pessoal

Luís Augusto Símon (Menon)

Colunista do UOL

08/05/2023 04h00

Brecha tocou para Pelé na linha do meio de campo, no círculo central. Na Vila Belmiro, sua casa, seu templo, seu castelo. Não havia marcação e quem estava no estádio - 20.258 pagantes - certamente imaginou uma - mais uma, talvez a última - daquelas arrancadas paradas - quando paradas - com faltas.

Não foi assim. O Rei pegou a bola com as mãos e se ajoelhou. Deixou a companheira um pouco de lado e, ajoelhado, abriu os braços para os quatro lados do estádio. Depois, tirou a camisa e deu a volta olímpica. Era 2 de outubro de 1974, quarta-feira à noite, 20 minutos de Santos x Ponte Preta, a despedida de Pelé do clube e do futebol brasileiro. Em 1975, começaria carreira no Cosmos, nos EUA.

A bola, deixada momentaneamente de lado, recebeu companhia. Foi puxada pela perna direita de Emídio Marques de Mesquita, o árbitro. Dali, já devidamente murcha - ele havia levado um bico especialmente para isso - foi deixada com o delegado do jogo. Uma das grandes recordações da carreira do juiz.

"Fui avisado na segunda-feira que apitaria a partida e que Pelé sairia antes. Foi um jogo diferente. Pelé estava emocionado, nervoso e ninguém parecia acreditar que seria a despedida mesmo. Além disso, houve problemas com a iluminação e a Ponte Preta se aproveitou para tentar melar o jogo, mas deu tudo certo no final".

O Santos fez 1 a 0 com Cláudio Adão aos 44 do primeiro tempo e 2 a 0 aos 10 do segundo, com gol contra de Geraldo. A luz começou a falhar e, se a interrupção fosse por 15 minutos seguidos, o jogo seria cancelado. "Eu não queria ser responsável pela anulação da despedida de Pelé. Então, quando os 15 minutos estavam acabando, eu voltava a apitar. Foi assim três vezes e levei o jogo até o final."

Anos mais tarde, a bola do jogo foi presenteada a José Ermírio de Moraes, então presidente da Federação Paulista de Futebol. "Queriam fazer uma cariocada comigo. Era minha vez de ser promovido e a CBF ia colocar um juiz do Rio na minha frente. O José Ermírio de Moraes bateu o pé e fiquei com a promoção. Então, dei a bola para ele", conta.

A despedida de Pelé foi um dos lances marcantes da carreira de Emídio, iniciada em 1961, após um falso diagnóstico. "Eu tinha 12 anos e fui fazer exames físicos para as aulas de Educação Física na escola. Um médico me proibiu. Disse que eu tinha um problema no coração e disse ao meu pai que teria apenas seis meses de vida".

Sem poder jogar, Emídio pediu um apito ao pai e foi apitar os jogos de basquete dos colegas. E como a previsão do médico não se confirmou, continuou apitando e subindo na carreira. Fez os cursos necessários e, com 16 anos, passou a ser árbitro internacional. "Apitei durante dez anos, de 1958 a 1968. Foi a era de ouro do basquete brasileiro, com gênios e craques como Wlamir, Amaury, Ubiratan, Edvar e outros. E comecei a apitar jogos de futebol na várzea também. Senti que já havia feito de tudo no basquete".

Foi então que houve uma grande mudança na Federação Paulista de Futebol. "O Santos ganhava tudo e o Corinthians estava muito descontente com a arbitragem. Pediu uma renovação completa e foi atendido. Eu, José Astolphi e José de Oliveira, do basquete, fomos contratados. Do futebol de salão vieram o Oscar Scolfaro, Vilmar Serra e Milton Jorge. O Arnaldo Cezar Coelho veio do Rio e Roberto Goicochea, da Argentina. E chegaram novos como Albino Zanferrari e Silvio Luiz, o narrador de futebol".

A amizade com Arnaldo Cezar Coelho rendeu uma história que envolve premonição. Em 1988, Emídio foi até o escritório de Arnaldo, que fica perto da sede da CBF.

"Que surpresa, Emídio. O que faz por aqui?"

"Estava na CBF e vim tomar um café com você".

Em seguida, Arnaldo convidou Emídio para participar de uma palestra que dois árbitros antigos - Carlos de Oliveira Monteiro, o "Tijolo", e João da Silva Ramos - para jovens que estavam começando na profissão.

A palestra caminhava bem, quando João da Silva Ramos teve um ataque cardíaco e morreu. Na mesa, enquanto Tijolo estava no banheiro. O corpo não podia ser removido porque no local ao lado a TV Globo estava gravando um espetáculo.

Todos assustados, estenderam o corpo na mesa. Então, alguém sugeriu que fossem comprar uma vela para acender.

"Não precisa comprar a vela não, eu tenho uma aqui no meu bolso", disse Emídio para surpresa de todos.

"Por que você tem uma vela, Emídio"?

"Eu vou em uma missa daqui a pouco e trouxe uma vela".

Foi a explicação para todos. Para o amigo Arnaldo foi outra.

"Arnaldo, você acha mesmo que eu saí de São Paulo e fui até o seu escritório para tomar um cafezinho. Eu sabia que um amigo iria desencarnar e precisava levar a vela até ele".

E qual a necessidade da vela, perguntei a Emídio.

"Nós vivemos na terceira dimensão. A primeira é o fogo e a segunda, o interior da Terra. São sete dimensões e a vela chega em todas elas, ajuda as pessoas desencarnadas".

Bandeirinha no título da Portuguesa

Emídio é engenheiro formado pela Universidade de Mogi das Cruzes. Deu aula muito tempo de Mecânica dos Fluidos, Resistência dos Materiais e Hidráulica. E foi instrutor da Fifa, de 1994 a 2014. Foi ele que apresentou Edílson Pereira de Carvalho a Armando Marques, que era responsável pela arbitragem da CBF. "Ele era goleiro de uma equipe de várzea, defendia uma equipe pertencente a uma fábrica de vidros, a Cebrace. Participou de um curso de arbitragem que eu ministrei e mostrou um potencial enorme. Depois, houve a decepção enorme minha e da família em saber que ele fabricava resultados. Foi afastado. Muito triste, uma pessoa de talento ter de conviver com isso."

Emídio foi bandeirinha na final do Campeonato Paulista de 1973. O juiz era Armando Marques e a decisão foi para os pênaltis. Armando se equivocou e deu o jogo por encerrado, quando a Portuguesa ainda tinha chances mínimas - precisava acertar dois e esperar dois erros do Santos. "Ele apitou o fim do jogo. O Santo começou a comemorar. No vestiário, avisei que ele tinha cometido um erro. Ele disse que não. Armando era assim, ótimo árbitro, mas o temperamento atrapalhava muito. Quando ele percebeu, quis voltar atrás, mas a Portuguesa já tinha ido embora. E o título foi dividido".

Críticas ao VAR

Como instrutor de arbitragem, Emídio viu a implantação do VAR. E é contra. "A implantação foi feita de modo precipitado. Sempre que há uma mudança na regra, ela é testada nas categorias de base até chegar no futebol profissional. O VAR foi implantado em uma Copa do Mundo."

Para ele, a decisão deve ser única. "Já tentaram colocar dois juízes no futebol e não deu certo. Cada um pensa de um jeito. O juiz de campo tem um tipo de interpretação e o da cabine tem outra. Não dá certo".

E ele dá um exemplo extremo. "Final de Copa do Mundo. Com cinco minutos de jogo, um goleiro e um centroavante disputam a bola. O juiz dá escanteio e sai um gol olímpico. Aí, ele fica sabendo que, na verdade, era tiro de meta e não escanteio e que o VAR não pode chamar em casos assim. Como que ele vai apitar até o final do jogo com esse arrependimento de ter errado logo no começo?"

Emídio é espírita, claro. Durante 15 anos, psicografou mensagens de pessoas recém-falecidas para parentes. Não à toa, foi designado por todos para levar a notícia da morte de João da Silva Ramos até sua esposa, lá em 1988.

Ele não psicografa mais. "Minha missão está cumprida". É dirigente de uma associação em São José dos Campos, onde mora, chamada "Nosso Lar". Tem convênio com a Prefeitura e trata de dar alimentação, fraldas geriátricas e habitação para pessoas carentes.

"Eu sou muito ativo. Não paro de jeito nenhum. Tenho 79 anos e sempre busco atividades. Sempre tenho missões para fazer. Estou preparado para o dia em que deixar esse plano. Não sei dizer quando, mas posso ter uma percepção sim. Mas isso não interessa muito para a nossa matéria, não é?".

É.