Irmã de lateral da seleção vira agente Fifa: 'coragem para entrar nisso'
Não é fácil para qualquer mulher entrar no universo do futebol. As posições de tomada de decisão são ocupadas quase que totalmente por homens. Transpor essa barreira e desbravar o mercado da bola é o objetivo de Hellen Telles, de 33 anos, irmã do lateral Alex Telles, do Sevilla, que trabalha como gestora de carreira de atletas licenciada, inclusive, pela Fifa.
O que aconteceu
Hellen trabalha na gestão de carreiras de atletas desde 2015 e com intermediação de negócios em futebol desde 2019. Sua paixão pelo esporte vem de família, principalmente por influência do pai, que tentou ser atleta profissional, e do irmão, que tem passagens por Juventude, Grêmio, Porto, Manchester United e Galatasaray, e esteve com a seleção brasileira na última Copa do Mundo.
No início desse ano, ela passou na prova que a Fifa impõe a agentes de futebol para autorizar o trabalho no mercado mundial. Antes ela possuía registros em federações específicas.
Com Telles, Hellen trabalha em parceria com uma de suas referências, o empresário israelense Pini Zahavi. Além disso, ela gere a carreira de outros jogadores de categorias de base no Brasil e foca suas atenções na intermediação de atletas.
Além do futebol, Hellen tem uma marca de roupas no Brasil. Mas nunca trabalhou como modelo, como foi citado pela imprensa internacional recentemente.
Em entrevista ao UOL, ela contou que já sofreu preconceito em reuniões, clubes e contatos estabelecidos no universo do futebol, e que tenta passar por cima disso mantendo posicionamentos firmes e uma postura amplamente profissional.
"Não vou mentir, já passei por situações [de machismo, preconceito]. Mas não gosto de dar poder a isso, relevância, importância no meu dia a dia. Quanto mais poder eu dou para isso, mais forte isso se torna. Costumo não dar poder para este tipo de situação"
Veja a entrevista completa
Preconceito no mundo do futebol. "A primeira forma de preconceito é a dúvida. Eu costumo dizer que muitas vezes eu entro nas salas de reuniões, de negociações, pela curiosidade dos que estão lá, que muitas vezes querem saber se vou saber argumentar, me posicionar, falar de futebol, de estrutura tática, de função de atleta, de mecanismo de negociação. Então, muitas vezes eu entro pela curiosidade, mas fico pela competência. A curiosidade dura muito pouco, pois para transitar ali, ser chamada para reuniões, participar de negociações, projetos, parcerias, preciso mostrar competência e isso independente de gênero"
Abordagens erradas: machismo. "A segunda forma de preconceito tem muito a ver com cultura. A questão da figura feminina no futebol. Diversas vezes eu tive que cancelar reuniões ou abrir mão de certos contatos pela forma que me abordavam. Tive que mudar meu perfil de ações, gestos, do que eu falo, para me proteger de comentários desrespeitosos, abordagens maldosas. Porque é um universo que, dependendo da forma que você se veste, se comporta, fala, olha, tudo pode ser mal interpretado. E ao mesmo tempo não quero e não abro mão do meu espaço. Tenho que aprender a me posicionar neste espaço sem perder o respeito, sem perder oportunidades e também sem dar brecha para que situações sejam nesse viés não profissional"
"Tem muitas mensagens que muitas vezes não são respondidas pelas pessoas não darem a devida seriedade e importância, por acharem que não é algo relevante ou que está sendo levado a sério. E tem também o lado de cancelar reuniões, contatos, reduzir o contato com certos profissionais muitas vezes pela forma que abordam e conduzem a conversa, por levar para um outro lado que não é profissional. Nós, mulheres, temos que nos posicionar, e uma característica que eu gosto muito é de me posicionar. Mas temos que nos vestir bem, estar bem apresentada, e preciso lidar com isso. Mas, com certeza muitas vezes já não fui respondida ou recebida pela dúvida, por acharem que minha abordagem não seria séria ou não teria força. E muitas vezes tive que fazer este afastamento por sentir que a intenção do contato não era o que eu buscava profissionalmente"
Futebol no sangue. "Nasci e cresci numa família que vive o futebol desde muito cedo. Meu pai é apaixonado pelo esporte, conviveu durante anos com o futebol porque tentou ser profissional. Em virtude das condições da época, não foi possível. Mas ele sempre colocou para nós essa paixão, e com muito orgulho e amor transformamos isso em carreira. Sou muito grata por isso. Foi assim que entrei, através do meu pai, e depois com todo desenvolvimento da carreira do meu irmão"
Empresária de atletas. "Iniciei como gestora de carreira, numa fase inicial para entender o processo, auxiliando no crescimento que meu irmão teve desde que iniciou até vir para o exterior. Fui desenvolvendo contatos, conexões, relacionamentos, fazendo cursos, workshops dentro da própria CBF, e isso despertou em mim a vontade de trabalhar com intermediação. Fiz isso desde 2018, 2019, e já tenho registros como agente em entidades no Brasil e no exterior. Venho profissionalizando, ampliando a rede de contatos, que é muito importante. E agora a licença da Fifa de forma mais oficial no desenvolvimento desse trabalho"
"Hoje trabalho na representação do Alex (Telles) com o Pini Zahavi desde 2020. Ele é uma referência extrema como agente, intermediário, me ensinou muito nos últimos anos e tenho muita honra de ter essa trajetória com ele. É uma lenda. Tenho em torno de 13 atletas de base no Brasil. Alguns começaram comigo lá em 2019, outros agreguei pelo caminho. Mas confesso que no momento meu objetivo é mais estender a rede de relacionamentos trabalhando na intermediação, na busca de oportunidade e necessidade, do que a representação em si. Mas são duas áreas muito importantes"
Chancela da Fifa e futuro. "A Fifa legitima os nove anos de construção, estudo, conexão, crescimento, desenvolvimento, que muitas vezes é minimizado por ter uma conexão familiar ou algo neste sentido. Teve muita luta envolvida, foi necessário muito empenho e coragem para se inserir neste mundo sendo mulher. Não gosto muito de erguer essa bandeira porque ela fala muito mais sobre competência do que sobre gênero, mas mesmo assim ela legitima tudo isso porque é uma chancela que te coloca entre os profissionais da área. Minha meta era passar na prova para ter tranquilidade de trabalhar no resto do ano e não depender da prova de setembro, que seria o momento final, depois disso os agentes não podem mais trabalhar a nível internacional sem licença. Com essa licença na mão, o mercado mundial está aberto. Agora, meus planos a curto prazo são expandir o mercado, conexões, negócios. A médio e longo prazo, criar estrutura, crescer ainda mais neste universo e, por que não, me tornar referência dentro do mercado de intermediação"
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