Em vídeo, dois jogadores confessam que manipularam jogos da Série A
O lateral Moraes e o zagueiro Kevin Lomónaco confessaram que manipularam três jogos da Série A do Brasileiro do ano passado. Os vídeos com as confissões foram obtidos com exclusividade pelo UOL.
O que eles disseram
Eu estava precisando da grana e acabei topando fazer. Minha esposa ficou brava comigo."
Moraes, lateral do Juventude
Ele falava que eu ia ganhar dinheiro rápido, que somente tinha que pegar cartão amarelo. Aceitei. Eu estava na concentração, um dia antes do jogo, acho. Ele seguia insistindo, mandando mensagem, dizendo: 'Vamos fechar, hermano, é dinheiro...' Mas eu fiz sem conhecimento algum que era um crime, algo assim. Fiz assim normal, não perguntei nada pra ninguém."
Kevin Lomónaco, zagueiro do Red Bull Bragantino
O que aconteceu
O lateral esquerdo e o zagueiro foram dois dos quatro jogadores que confessaram ao Ministério Público de Goiás terem participado do esquema de manipulação. O crime tem pena de até seis anos de prisão, mas a confissão fez o MP oferecer a eles um acordo de não persecução penal. Os dois não foram processados e passaram a ser testemunhas das investigações.
Moraes afirmou que recebeu R$ 25 mil para tomar cartões amarelos em dois jogos, contra Palmeiras e Goiás, ambos no ano passado. O lateral disse que a promessa era que ele ganhasse ainda mais, mas os aliciadores não cumpriram o combinado. O jogador também mencionou uma partida contra o Ceará, na qual ele foi amarelado. Ele diz que não aceitou a proposta para essa partida, mas logo em seguida viu um depósito de R$ 20 mil em sua conta —ele devolveu o valor dias depois.
Moraes contou aos promotores que se arrependeu da fraude. "Eu sabia que era errado. Eu fiquei muito arrependido, mas foi um momento que realmente estava precisando, eu e minha esposa", disse ele.
Kevin disse que aceitou uma promessa de receber R$ 70 mil para tomar um cartão amarelo em Red Bull x América-MG. Os golpistas depositaram na conta dele R$ 30 mil, mas deixaram de pagar o restante do valor.
Os promotores apreenderam o celular do argentino e descobriram os diálogos que comprovaram a armação. Neles, Kevin conversa com Luís Felipe Rodrigues de Castro, que faz a oferta. "Eu fiz o amarelo somente porque achei que não era algo que prejudicava a equipe", disse o zagueiro de 21 anos.
Os dois jogadores estão afastados temporariamente de seus clubes. Kevin continua contratado do Red Bull. Moraes tem contrato com o Atlético-GO e foi emprestado ao Aparecidense-GO.
Leia trechos do depoimento de Moraes
Marcelo Borges do Amaral, promotor do Ministério Público de Goiás: No Juventude x Goiás e Juventude x Palmeiras, você confirma que recebeu proposta?
Moraes, lateral do Juventude: Sim
Promotor: Você aceitou?
Moraes: Contra o Palmeiras eu aceitei.
Promotor: Quanto você recebeu?
Moraes: Não lembro exato, recebi 10 acho e não recebi o restante.
Promotor: Tinha combinado quanto?
Moraes: Acho que prometeram 50.
Promotor: Não recebeu o restante?
Moraes: Não cobrei porque não era um dinheiro que não ia mudar minha vida, estava mal no Juventude, fizeram a proposta e estava precisando, mandaram os 10 antecipado e ficou por isso, nem cobrei mais porque não queria me envolver com isso. [depois Moraes vai se corrigir e dizer que recebeu R$ 5 mil]
Antes, ele havia negado participação no esquema. Mas após ouvir alguns diálogos de Whatsapp narrados pelo promotor, ele acabou confessando. No fim da conversa, o promotor pergunta se ele toparia um eventual acordo para colaborar com as investigações, o que foi aceito. Dias depois, em 28 de abril, Moraes confessou ter manipulado o jogo contra o Goiás.
Moraes: Ele foi e falou comigo. 'Mano, você vai querer fazer? Eu tenho um dinheiro bom, a gente vai pagar R$ 30 mil, vamos pagar R$ 5 mil antes do jogo, e depois manda o restante se der certo. E aí eu mesmo assim fiquei com medo, estava precisando da grana e acabei topando fazer.
Moraes: Depois do jogo, ele me mandou mensagem falando que tinha dado certo, que precisava de outro jogador para dar certo. Falou comigo que eram vários ao mesmo tempo e dava certo, e aí pagavam tudo depois, eu falei: "Beleza", se der certo me avisa. Mas não deu porque um jogador não fez. Eu não cobrei porque fiquei com medo de cobrar e acontecer algo comigo, pois não era de trabalho, eu sabia que era errado e fiquei com medo de cobrar, aí ficou por isso. Fiquei com medo de alguém fazer alguma coisa comigo, com a minha esposa e algum parente meu.
O jogador chegou a receber mais R$ 20 mil no fim do torneio, para manipular uma nova partida, contra o Ceará.
Moraes: Entrou em contato de novo, no último jogo do Ceará, mas eu não quis. Mesmo assim falou para fazer, que se abrisse a banca iam mandar dinheiro, mas no vestiário do Ceará não pegava mais sinal e parei de falar com ele. Quando acabou o jogo eu vi que ele mandou os R$ 20 mil pra mim e não consegui mandar de volta, pois estava no Ceará. Voltei para minha cidade e mandei os R$ 20 mil de volta, tenho os comprovantes.
Moraes: Devolvi porque desde a primeira vez eu sabia que era errado, que não era o certo. Eu fiquei muito arrependido, mas foi um momento que realmente estava precisando, eu e minha esposa. Sabia que era um dinheiro que não era certo. Bateu muito arrependimento, sabia que poderia acontecer alguma coisa.
Em 2023, Moraes recebeu uma nova oferta, desta vez de R$ 200 mil para ser expulso no Campeonato Goiano, mas diz que negou e apagou as conversas, por medo.
Leia trechos do depoimento de Kevin
Fernando Cesconetto, promotor do Ministério Público de Goiás: Ele entrou em contato de novo com o senhor para o senhor fazer o quê?
Kevin Lomónaco, zagueiro do Red Bull: Isso, ele entrou em contato comigo, se apresentando, dando o nome dele e falando para fazer um... para ganhar um dinheiro. Para fazer isso. Eu não sabia muito, nunca fiz algo assim de aposta, nada disso. Não entendia muito, mas ele falava que eu ia ganhar muito dinheiro rápido, que somente tinha que pegar cartão amarelo. Ficou falando assim bastante, sozinho, porque eu não respondia mensagem. No começo eu não respondia a mensagem.
Cesconetto: Em algum momento o senhor aceitou a proposta desse Vinícius Ribeiro? [depois Kevin vai esclarecer que o aliciador se chamava na verdade Luís Felipe]
Kevin: Sim, aceitei. Eu estava na concentração, um dia antes do jogo, acho. Ele seguia insistindo, mandando mensagem, dizendo: 'Vamos fechar, hermano, é dinheiro..." Eu fiquei falando com ele na concentração, e aí sim: ficamos em cartão amarelo. Mas eu fiz sem conhecimento algum que era um crime ou algo assim. Fiz assim normal, não perguntei nada para ninguém.
Cesconetto: Qual jogo foi esse?
Kevin: Foi no América.
Cesconetto: Dia 5 de novembro?
Kevin: Sim, sim.
Cesconetto: Mas ele ofereceu quanto de dinheiro para esse amarelo?
Kevin: Ele ofereceu R$ 70 mil. E falava que eu mandava uma senha antes do jogo, que era de R$ 30 mil.
Cesconetto: Mandava um sinal antes?
Kevin: Isso, ele mandava um sinal antes do jogo.
Cesconetto: E ele mandou R$ 30 mil?
Kevin: Ele mandou. Não lembro se um dia antes ou foi no mesmo dia, mas antes do jogo, né?
Cesconetto: Ele estava devendo 40 mil reais, e ele continuou conversando com o senhor?
Kevin: Sim, sim. Ficava querendo fazer já o vermelho, o pênalti, já algo muito mais grande. Não era minha intenção fazer isso. Eu fiz o amarelo somente porque achei que não era algo que prejudicava a equipe. Achei que era algo normal e tampouco pensei que era crime, algo assim. Foi como falei, não perguntei nada para ninguém, fiz assim por fazer, aí num momento, foi um dia rápido aí, somente.
Cesconetto: Tá, mas o senhor reconhece que é errado o senhor receber promessa de 70 mil e receber 30 mil no bolso para tomar um cartão contra o seu time. O senhor sabe que isso é errado?
Kevin: Sim, sim, sim.
Cesconetto: Tanto que o senhor não saiu contando para os seus outros colegas de time que o senhor tinha feito isso?
Kevin: Não falei.
Cesconetto: Para o seu técnico também não?
Kevin: Não, para ninguém.
Como as confissões se inserem na história do futebol brasileiro
É a primeira vez em ao menos 40 anos que jogadores admitem que manipularam partidas da primeira divisão do Brasileiro. O escândalo investigado pelo MP de Goiás não é o primeiro do tipo no Brasil, mas é o único que apontou os jogadores como personagens centrais da fraude. Em 2005, na "máfia do apito" foi comprovada a participação de árbitros. E em 1982, há 41 anos, na "máfia da loteria", as investigações até indicaram a participação de atletas, mas as provas e as confissões não foram contundentes.
Ao todo o MP de Goiás denunciou 16 pessoas, entre elas sete jogadores, por envolvimento nas fraudes. Como nos sites de apostas, é possível palpitar sobre diversas estatísticas das partidas, os jogadores foram procurados por golpistas para que fizessem ações como receber cartões e cometer pênaltis. Assim geraram lucros para os criminosos.
O que dizem as defesas
A advogada de Moraes, Cláudia Mendonça Noventa, disse que o vídeo foi gravado após o atleta fazer acordo com o MP e que ele está arrependido. Ela ainda disse que ele não é mais réu e não deve ser utilizado como bode expiatório, pois já prestou todos os esclarecimentos e vai aguardar a situação dele no STJD.
"Ele foi procurado pelo senhor Victor Yamazaki quando estava em um momento que precisava. Foram dois jogos que ele realmente aceitou, recebeu um sinal de R$ 5 mil contra o Palmeiras e R$ 20 mil contra o Goiás, mas nos lances dos jogos, se você assistir, vê que ele tomaria o cartão mesmo que não aceitasse o dinheiro", disse a advogada.
"O Moraes não fez parte dos grupos de WhatsApp dos atletas que ficavam comentando que tomariam os cartões. Ele foi contatado apenas pelo Victor Yamazaki e a conversa foi com ele. Fez errado, ele mesmo sabe que errou, hoje está cooperando com a Justiça, é um colaborador do processo", acrescentou Claudia. "No jogo contra o Ceará, em nenhum momento ele aceitou o valor. As pessoas queriam que ele fizesse, ele diz que não ia fazer mais, que tinha se arrependido e não queria o dinheiro. Ele não devolve porque não tomou o cartão, ele toma o cartão, mas devolve porque não aceitou fazer o esquema."
A defesa de Kevin Lomónaco não atendeu à tentativa de contato da reportagem. Luis Felipe Rodrigues de Castro e Victor Yamasaki Fernandes ficaram em silêncio em seus depoimentos. A reportagem não localizou a defesa de Luis Felipe. O advogado que representa Yamazaki foi contatado pelo número disponível na OAB, mas não foi encontrado.
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