Tecnologia e regulamentação: detalhes de como governo vai monitorar apostas
Assessor especial do Ministério da Fazenda, José Francisco Manssur contou em entrevista no De Primeira como o Governo Federal pretende regulamentar o mercado de apostas esportivas no Brasil.
Medida Provisória: "A MP traz normativas gerais. Classifica as empresas que tiverem oferecendo serviços de apostas para consumidores e que não estiverem credenciadas como praticante de uma atividade ilegal, de um ato ilícito. E nos dá todas as ferramentas para fiscalizar: possibilita que o Governo Federal use a estrutura do Estado para fiscalizar tudo que é negativo das apostas".
Portaria sobre manipulação: "A partir da MP, vamos editar uma Portaria sobre manipulação de resultado, uma Portaria específica sobre manipulação. Estamos submetendo ao presidente um decreto, formando um grupo interministerial — ministérios da Fazenda, da Justiça, do Esporte — com representantes da sociedade civil — OAB, AGU, CGU, o Instituto Brasileiro de Direito Esportivo, o COB, CBF, Comitê Paralímpico, representantes dos operadores [casas de aposta] — para reunir tudo que tem mais moderno no mundo para enfrentar a manipulação de resultado. Eu acredito que é uma das crises mais graves, senão a mais grave, que o futebol já enfrentou em relação a credibilidade do produto, nunca enfrentamos uma crise tão séria".
Sistemas de monitoramento: "Estamos olhando o que se faz de mais moderno e eficiente no mundo para chegar no texto ideal. Acredito muito em tecnologia, em inteligência, sistemas e em equipe para monitorar. O ponto de partida é comparar a curva da aposta com a curva do comportamento de cada atleta, em tempo real, usando inteligência artificial, usando os sistemas que temos hoje. Se você nota que eventualmente um jogador está tendo um comportamento suspeito, seja fora ou mesmo no campo, e você compara esse comportamento fora da curva, porque ele por si só não pode ser indicativo, mas você repara que naquele escanteio teve R$ 1 milhão, você acende uma luz vermelha que dá ao governo inclusive o poder de se comunicar com as operadoras e falar: 'Tira o jogo do card, o card está sob suspeita'."
Taxa de R$ 30 milhões: "Haverá uma taxa de outorga de R$ 30 milhões para cada empresa, que vai ser definido na Portaria. Esse dinheiro é exatamente para usar em tecnologia e sistema, para montar dentro do ministério da Fazenda, com o do Esporte e da Justiça, um sistema altamente tecnológico que consiga monitorar comportamento. O que hoje a gente não tem: o que temos é um ambiente selvagem. A partir do monitoramento, vamos tentar fazer o preventivo, o que escapar do preventivo é assunto da autoridade policial, que já está fazendo hoje. Já existe inquérito importante em Goiás, ações importantes da PF, mas queremos trabalhar no preventivo".
Como vai funcionar a regulamentação: "A partir do momento que a regulamentação esteja pronta, vai haver um prazo para as casas de apostas, as bettings, se credenciarem pagando taxa de outorga, apresentando documentos, criando sede no Brasil, tendo funcionários contratados, capital mínimo, meio de pagamento aprovado pelo Banco Central. Vamos dar um prazo razoável, de 180 dias, a partir da Portaria que vem depois da MP. A partir disso, quem não tiver credenciado, está praticando atividade ilegal no Brasil, qual seja, oferecer para o consumidor apostas sem estar credenciado. E quem está ilegal não pode estar na camisa de time nenhum".
No De Primeira, José Francisco Manssur ainda falou sobre como será a regulamentação da publicidade das casas de aposta e disse ser necessário separar "o joio do trigo" com fiscalização e punição. Confira abaixo.
Proposta do Governo Federal
"O Governo Federal, este governo, está suprindo uma omissão, porque a lei que permitiu as apostas é de 2018, deu ao governo anterior dois anos para regulamentar, prorrogáveis por mais dois anos, e em quatro anos nada foi feito. Já tem uma minuta discutida com Ministérios, discutido com os operadores [casas de aposta], com entidades desportivas, CBF, clubes, COB, vários segmentos da sociedade para a gente chegar na MP. Ela está esperando os procedimentos internos que a lei determina, passando por seis ministérios, passa pela Casa Civil, é assinada pelo presidente e vai ao Congresso."
Regulamentação tardia
"Chance zero nunca terá, mas a gente teria muito mais meios como evitar manipulação [se já tivesse sido regulamentado]. Sem regulamento, não tem como fazer as portarias, o sistema de manipulação era algo muito previsível, se tem aposta e tem dinheiro, tem manipulação. É claro que a gente poderia estar com sistemas muito mais avançados de prevenção se a gente tivesse regulamentado no prazo que a própria lei dava, não é possível negar esse fato."
'Não acredito em proibição'
"Acredito muito em tecnologia, não acredito na proibição pura e simples, na paz do cemitério, as pessoas vão continuar fazendo clandestinamente e sem arrecadar para o Governo. O Governo quer arrecadar para fazer frente às necessidades de saúde, educação, habitação, saneamento, aquilo que tem que prover para a população, não é justo que todos os segmentos gerem impostos e esse não. Mas uma arrecadação saudável, que não mate o sistema."
'Investigar e punir'
"É muito ruim para o produto se a gente estigmatizar os atletas como fraudadores. O atleta é aquele que luta a vida inteira, o fraudador, aquele que se deixa corromper. É a minoria, senão a gente vai matar o produto. Se a gente presumir que todo mundo está fraudando, a gente mata o esporte e não é isso que a gente quer. Queremos investigar aqueles que se corrompem para deixar o sistema indene. É preciso dizer que os jogadores e os operadores [casas de aposta] não são corruptos, corrupto é o fraudador. Alguns estão fazendo isso, uma minoria, a gente vai investigar e punir."
Regulamentação da publicidade
"Temos que analisar a regulamentação da publicidade, que hoje é feita sem qualquer regulamento, em qualquer horário. Vamos fazer os avisos ao público infantil e adulto e combater a lavagem de dinheiro, é algo fundamental, o Governo está muito preocupado e querendo enfrentar. Também vamos proibir a publicidade de quem tiver ilegal em meios de comunicação, porque são concessões públicas. Quem não tiver legal, não vai poder fazer propagandas em rádio, TV e internet. Tenho muito claro, até porque eu vim do futebol, participei da elaboração da lei da SAF, já tenho atuações em clubes e ligas, então sei o quanto esse patrocínio é fundamental para o esporte hoje. As apostas não vamos cortar, não acredito em proibição. Se tirar da camisa, você mata o seguimento e a pessoa vai continuar apostando. O que nós queremos é trazer essas empresas para dentro do sistema fiscalizado, para que elas continuem exercendo."
Ampliação do mercado
"O mercado americano não está no Brasil porque são todos listados na bolsa de valores, e a bolsa não permite que atue em mercado não regulado, como o Brasil. A partir da portaria, vai entrar mais gente, os clubes terão mais oferta de patrocínio. A gente tem estudos que as empresas de aposta gastam R$ 3 bilhões em publicidade, o que mostra que a publicidade é fundamental para esse mercado, para chegar no consumidor, precisa fazer publicidade. Proibir a atividade ilegal vai trazer para dentro do sistema, é um produto muito bom, ninguém expõe à toa em camisa de time de futebol."
'Separar o joio do trigo'
"Hoje, se você faz uma aposta, você recebe um pix minutos depois. Todos esses meios, para quem não tiver credenciado, vão estar limitados pelo BC. O cara vai ter que fazer uma conta fora e com a possibilidade de o Governo derrubar sites, uma vez na ilegalidade. A gente pode separar o joio do trigo, não acredito em proibição, é apostar em tecnologia, fiscalização, inteligência e método."
Aprendizado com os bingos
"Em relação aos bingos, a experiência do que deu errado é um norte para a gente corrigir. E aí que está o ponto fundamental: os bingos pretendiam fazer uma taxa de repasse público, mas aqui a gente está num mercado que o clube tem muito mais a ganhar na relação do clube com o patrocínio. O bingo se apostou no repasse do faturamento para o poder público e para os clubes; e aqui não, temos capacidade de fiscalizar mais e fazer com que esse mercado se estabeleça de maneira segura e responsável para que o mercado dos patrocínios cresça. O filé mignon do clube é manter o mercado sustentável, para que mais operadores entrem no Brasil. Você cria um mercado que fica em pé e esse mercado gera mais riqueza."
'É uma receita fundamental'
"O mercado tem muitos tamanhos. Tem a empresa de apostas da cidade, credenciada no Brasil, que vai procurar o time da Série C. Das Séries A e B, são 39 de 40 clubes. Nas séries C e D, quase 80% têm patrocínio de mercado. Ou seja, para o mercado o clube é fundamental, e para os clubes é uma receita fundamental para o futebol brasileiro como um todo."
Proibir apostas específicas?
"A gente criou o Grupo de Trabalho, com órgãos governamentais e da sociedade, e vamos ouvir. Nesse momento, eu acho que proibir cartão, escanteio, não é solução, porque o cara vai procurar lá fora onde apostar, mas se o Grupo de Trabalho se convencer que essa é uma solução emergencial, estamos abertos ao diálogo. Minha posição pessoal não é proibir, mas estou aberto à discussão, não vou criar um Grupo de Trabalho para respaldar a posição de alguém, é para ouvir, receber estudos, documentos, ver o que se faz lá fora. Se mostrar por A mais B que nesse momento vale restringir algumas modalidades, estou aberto ao diálogo".
Prazo para a MP
"Sou um funcionário do Ministério da Fazenda e não dou prazo para o presidente da República, que teve 60 milhões de votos e vai assinar quando bem entender. O povo o colocou lá e cabe a nós funcionários dos ministérios fazer nossa função. O presidente saberá o momento certo de assinar, mas já entregamos a minuta e estamos trabalhando nas Portarias. Depois de assinada, a Medida Provisória vai ser submetida ao Congresso, com muita autonomia, vai ter relator, podem debater, modificar, estamos à disposição para conversar. Tem o Parlamento também, que é eleito pelo povo e merece todo respeito".
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