TV: Líder de esquema de apostas explica como era o golpe à Justiça
Em depoimento à Justiça de Goiás, Bruno Lopez, o líder da organização criminosa responsável por manipular jogos de futebol no Brasil, detalhou o funcionamento do esquema de apostas. O relato foi divulgado hoje pelo Fantástico, programa da TV Globo.
Foi acertado que ele faria o pênalti no primeiro tempo na última rodada do Campeonato Brasileiro. Cheguei a apostar nos três... Em pênalti. Se juntar tudo, dá uns R$ 400 mil. Se é uma aposta que você faz casada com time grande, aí aguenta você colocar 500 mil, mas se é time pequeno, a casa deixa você colocar 200 ou 300 reais",
falou Lopez.
O líder da quadrilha faz referência ao escândalo da Série B do Brasileiro do ano passado, que teve três jogos investigados: Vila Nova x Sport, Sampaio Corrêa x Londrina, Criciúma x Tombense. Nas três partidas deveria haver pênaltis cometidos no primeiro tempo. Só o jogo do Vila Nova não teve este registro, porque o jogador procurado pelos apostadores era Romário, não relacionado na partida.
Romário teria recebido um adiantamento. Por isso, quando soube que não participaria da partida, o atleta tentou encontrar algum companheiro para cumprir o combinado. Ninguém topou e a diretoria do Vila Nova descobriu.
Ameaças de morte
A reportagem também exibiu imagens das ameaças de morte que jogadores que não cumpriam com o combinado recebiam da quadrilha. Um dos casos foi o de Eduardo Bauermann, do Santos, que não levou cartão amarelo em duas partidas e acabou endividado com os criminosos.
"O do Santos não tomou, Eduardo Bauermann. Meu sócio caiu para lá, pai. Ele está caindo lá para Santos para trocar umas ideias. Ontem ele trombou o cara no hotel, levou dinheiro na mão do cara, olhou na cara, trocou ideia e o maluco não fez. Entendeu? Sabendo como funciona, que é muito dinheiro envolvido e ele não fez, irmão. Então, é muito mais fácil ele arrumar um jogador para fazer a parada acontecer, senão o bagulho vai ficar pesado para ele", disse Bruno Lopez em áudio que está no processo do MP-GO.
Nos celulares apreendidos pela Operação Penalidade Máxima, há um vídeo em que o sócio de Lopez ameaça um jogador com imagens de uma arma de fogo carregada: "Fala para ele aqui, ó! Essa aqui é para você, viu, seu condenado? Essa aqui é para sua irmã, sua mãe... Aqui com nós é só assim, bebê, venha!", diz o homem no vídeo.
A operação Penalidade Máxima
No segundo semestre do ano passado, o MP-GO abriu investigação ao encontrar evidências de manipulação em competições esportivas. Uma organização criminosa especializada em corromper atletas profissionais do futebol liderava esse esquema.
O objetivo seria assegurar a ocorrência de eventos determinados nas partidas, apostar nesses eventos e, assim, ganhar dinheiro em sites de jogos e apostas. A ocorrência mais frequente envolve o recebimento de cartões amarelos em partidas, mas outras apostas como escanteios, expulsões pênaltis e até resultado no primeiro tempo constam no processo.
Mais de 53 jogadores já foram citados de alguma forma na investigação. De acordo com o MP-GO, as apostas eram feitas em sites como Bet365 e Betano. A ação foi realizada em estados como São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, entre outros.
O crime: O caso também se enquadra no delito previsto no artigo 41-D do Estatuto do Torcedor, que prevê 2 a 6 anos de prisão e multa por "Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva ou evento a ela associado".
Os aliciadores: Segundo o MP, o esquema era liderado por Bruno Lopez de Moura e tinha entre os membros da quadrilha Camila Silva da Motta, Ícaro Fernando Calixto dos Santos, Luis Felipe Rodrigues de Castro, Victor Yamasaki Fernandes e Zildo Peixoto Neto, que também faziam parte do núcleo de apostadores.
Os financiadores: Ainda existia outro grupo, formado pelos financiadores do projeto, que tinha Thiago Chambó Andrade, Romário Hugo dos Santos, vulgo Romarinho, e William de Oliveira Souza, vulgo McLaren. O MP cita na denúncia que ainda podem existir outros a serem identificados. Eles asseguravam a existência das verbas para o pagamento dos atletas aliciados.
Como eles chegavam aos jogadores?
Além dos dois grupos já denunciados pelo MP-GO, existe um terceiro, formado por intermediários. Eles serão identificados em uma segunda investigação, que permanece em sigilo. Esses intermediários seriam os responsáveis por indicar os contatos e facilitar a aproximação entre apostadores e atletas.
Os valores prometidos aos jogadores variavam entre R$ 50 mil e R$ 500 mil. Em troca, eles garantiam a ocorrência de eventos dentro das partidas, como o recebimento de cartões amarelos ou vermelhos, ou até cometerem pênaltis contra seus próprios times. Caso os jogadores conseguissem realizar o objetivo, os apostadores multiplicavam o dinheiro colocado nas casas de apostas.
Durante o procedimento criminoso, a quadrilha utilizava contas de terceiros nos sites de apostas para aumentar seus lucros e ocultar quem eram os reais beneficiários.
O placar
São 15 jogadores denunciados e que já viraram réus na Justiça de Goiás.
Quatro jogadores fizeram acordo com o Ministério Público e se tornaram testemunhas no caso.
Pelo menos outros 34 jogadores aparecem nominalmente em conversas entre os envolvidos no esquema, como os apostadores e intermediários. No processo não há confirmação da participação desses jogadores no esquema, por isso a reportagem não publica seus nomes. A exceção são os atletas que foram afastados pelos respectivos clubes.
Não há jogadores presos até o momento. Mas vários foram afastados dos seus clubes ou tiveram contratos rescindidos.
Quem já está está sendo processado (15)
Jogadores denunciados na primeira fase da operação: Ygor Catatau, Allan Godói, André Queixo, Mateusinho, Paulo Sergio (Sampaio Corrêa), Gabriel Domingos (Vila Nova), Joseph (Tombense) e Romário (Vila Nova).
Jogadores denunciados na segunda fase: Eduardo Bauermann (Santos), Gabriel Tota (Juventude), Paulo Miranda (Juventude), Victor Ramos (ex-Portuguesa e ultimamente na Chapecoense), Igor Cariús (ex-Cuiabá), Fernando Neto (ex-Operário-PR).
Jogadores que fizeram acordo (4)
Jogadores que fizeram acordo, admitiram a culpa e viraram testemunhas: Moraes (Juventude), Kevin Lomónaco (Red Bull Bragantino), Nikolas Farias (Novo Hamburgo) e Jarro Pedroso (ex-Inter de Santa Maria).
O que eles admitiram
Moraes
O lateral do Juventude reconheceu que recebeu promessa de pagamento de R$ 30 mil — dos quais R$ 5 mil foram efetivamente entregues — para receber cartão amarelo no Palmeiras x Juventude do Brasileirão 2022. Moraes levou o cartão e a intermediação, segundo o processo, foi feita por Victor Yamasaki.
Moraes ainda recebeu a promessa de R$ 50 mil — dos quais R$ 20 mil foram entregues — para que recebesse cartão amarelo no Goiás x Juventude, pelo Brasileirão 2022.
Kevin Lomónaco
O zagueiro admitiu que recebeu promessa de pagamento de R$ 70 mil — dos quais R$ 30 mil foram pagos — para levar cartão amarelo no Red Bull Bragantino x América-MG, pelo Brasileirão 2022.
Lomónaco viria a recusar proposta para que cometesse um pênalti no jogo Red Bull Bragantino x Portuguesa, pelo Paulistão 2023, segundo conversas obtidas pelo MP.
Nikolas Farias
O volante admitiu que recebeu promessa de pagamento de R$ 80 mil — dos quais R$ 5 mil foram efetivamente pagos — para que ele cometesse pênalti no jogo Esportivo x Novo Hamburgo, pelo Gauchão 2023. O jogador, de fato, fez o pênalti.
Jarro Pedroso
O atacante admitiu a promessa de receber R$ 70 mil — dos quais R$ 30 mil foram pagos — para cometer pênalti no jogo Caxias x São Luiz, pelo Gauchão 2023. O jogador, de fato, fez a penalidade.
Não foram denunciados, mas aparecem em conversas e foram afastados pelos clubes (5)
Pedrinho e Bryan Garcia (Athletico)
Richard (Cruzeiro, ex-Ceará)
Vitor Mendes (Fluminense, ex-Juventude)
Nino Paraíba (América-MG)
Allef Manga e Jesús Trindade (Coritiba)
Veja abaixo os jogos e jogadores investigados
- Palmeiras x Juventude, 10 de setembro de 2022 - Moraes (Juventude) - o jogador levou o cartão amarelo
"A vantagem consistiu na promessa de pagamento de 30 mil reais, dos quais 5 000 reais foram efetivamente entregues antes mesmo da realização do jogo para que o jogador do Juventude, Onitlasi Junior Moraes Rodrigues fosse punido com um cartão amarelo durante a partida.
- Juventude x Fortaleza, 17 de setembro de 2022 - Gabriel Tota e Paulo Miranda (Juventude) - Paulo Miranda levou cartão amarelo
"A vantagem consistiu na promessa de pagamento de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), dos quais R$ 5.000,00 (cinco mil reais) foram efetivamente entregues antes mesmo da realização do jogo, mediante pagamento na conta de Gabriel Tota, jogador do Juventude, para posterior repasse ao atleta Jonathan (Paulo Miranda), para que este, também jogador do Juventude, fosse punido com cartão amarelo na partida, o que foi efetivamente providenciado pelo jogador".
- Goiás x Juventude, 5 de novembro de 2022 - Moraes (Juventude) - o jogador levou o cartão amarelo
"A vantagem consistiu na promessa de pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), dos quais R$ 20.000,00 (vinte mil reais) foram efetivamente entregues antes mesmo da realização do jogo, para que o jogador do Juventude, Onitlasi Junior Moraes Rodrigues fosse punido com um cartão amarelo durante a partida".
- Goiás x Juventude, 5 de novembro de 2022 - Gabriel Tota e Paulo Miranda (Juventude) - Paulo Miranda levou o cartão amarelo
"A vantagem consistiu na promessa de pagamento de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), dos quais R$ 10.000,00 (dez mil reais) foram efetivamente entregues antes mesmo da realização do jogo, mediante pagamento providenciado por Romário Hugo dos Santos para a conta de Gabriel Tota, para posterior repasse a Jonathan (Paulo Miranda) para que este, também jogador do Juventude, fosse punido com cartão amarelo na partida, o que foi efetivamente providenciado pelo jogador".
- Ceará x Cuiabá, 16 de outubro de 2022 - Igor Carius (Cuiabá) - o jogador levou amarelo e o vermelho
"A vantagem consistiu na promessa de pagamento em montante total ainda não precisado, porém certo que R$ 5.000,00 (cinco mil reais) foram efetivamente entregues a Igor Aquino da Silva (Igor Carius) antes mesmo da realização do jogo, para que Igor, jogador do Cuiabá, fosse punido com cartão amarelo na partida, o que foi efetivamente providenciado pelo jogador".
- Sport x Operário, 28 de outubro de 2022 - Fernando Neto (Operário) - o jogador não levou o cartão vermelho
"A vantagem consistiu na promessa de pagamento de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), dos quais R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) foram efetivamente entregues a Fernando José da Cunha Neto antes mesmo da realização do jogo, para que Fernando, jogador do Operário, fosse punido com cartão vermelho".
- Red Bull Bragantino x América (MG), 5 de novembro de 2022 - Kevin Lomonaco (Red Bull Bragantino) - o jogador levou o cartão amarelo
"Pagamento de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), dos quais R$ 30.000,00 (trinta mil reais) foram efetivamente entregues antes mesmo da realização do jogo, para que o atleta do Red Bull Bragantino, Kevin Joel Lomonaco fosse punido com um cartão amarelo".
- Santos x Avaí, 5 de novembro de 2022 - Eduardo Bauermann (Santos) - o jogador não levou o cartão amarelo
"Pagamento em montante ainda não precisado, porém certo que pelo menos R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) foram efetivamente entregues a Eduardo Bauermann antes mesmo da realização do jogo, para que Eduardo, jogador do Santos, fosse punido com cartão amarelo na partida (o que não ocorreu).
- Botafogo x Santos, 10 de novembro de 2022 - Eduardo Bauermann (Santos) - o jogador levou o cartão vermelho
"Bauermann, apesar de ter aceitado valores na rodada anterior, não "cumpriu" sua parte no acordo ao não ser punido com cartão amarelo. Por isso, na rodada imediatamente seguinte e ainda com a posse da quantia recebida, novamente aceitou a promessa de valores indevidos para, agora, ser expulso na partida".
- Palmeiras x Cuiabá, 6 de novembro de 2022 - Igor Carius (Cuiabá) - o jogador não levou o cartão amarelo
"Pagamento de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) para que Igor Aquino da Silva (Igor Cárius), jogador do Cuiabá, fosse punido com cartão amarelo na partida".
- Guarani x Portuguesa, 8 de fevereiro de 2023 - Victor Ramos (Portuguesa) - o jogador não cometeu o pênalti
"Promessa de pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais) para que Victor Ramos Ferreira, jogador da Portuguesa, cometesse uma penalidade máxima. Posteriormente, em razão de Bruno, Ícaro e Zildo (três dos denunciados) aparentemente não terem encontrado outros jogadores para manipulação de resultado na mesma rodada, os denunciados não efetuaram pagamento antecipado ao atleta e posteriormente não fizeram a aposta na partida).
- Red Bull Bragantino x Portuguesa, 21 de janeiro - Kevin Lomonaco (Red Bull Bragantino) - o jogador não cometeu o pênalti
Promessa de pagamento de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para que o atleta Kevin Joel Lomonaco, do Red Bull Bragantino, cometesse uma penalidade máxima no primeiro tempo. O jogador não aceitou a proposta".
- Bento Gonçalves x Novo Hamburgo, 11 de fevereiro de 2023 - Nikolas (Novo Hamburgo) - o jogador cometeu o pênalti
Promessa de pagamento de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), dos quais R$ 5.000,00 (cinco mil reais) foram efetivamente entregues antes mesmo da realização do jogo, para que o atleta do Novo Hamburgo Nikolas Santos de Faria cometesse uma penalidade máxima durante a partida".
- Caxias x São Luiz, 12 de fevereiro de 2023 - Jarro Pedroso (São Luiz) - o jogador cometeu o pênalti
"Pagamento de R$ 70.000,00 (setenta mil reais), dos quais R$ 30.000,00 (trinta mil reais) foram efetivamente entregues antes mesmo da realização do jogo, para que o atleta do São Luiz Emilton Pedroso Gonçalves Domingues (Jarro) cometesse uma penalidade máxima no primeiro tempo da partida".
O que vem por aí
Nada indica que o MPGO vá parar de investigar o caso, sobretudo pela quantidade de provas colhidas ao longo das buscas e apreensões.
Enquanto isso, o processo contra os denunciados corre na Justiça de Goiás. Três operadores do esquema de apostas tiveram prisão preventiva prorrogada, inclusive Bruno Lopez, tratado como líder da organização criminosa.
O ministro Flávio Dino determinou abertura de inquérito para que a Polícia Federal também investigue as denúncias de manipulação.
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