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Líder de apostadores prometia clube e moradia na Europa e abandonava jovens

Eder Traskini e Alexandre Araújo

Do UOL, em São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ)

15/05/2023 12h00

"Meu filho foi descobrindo que lá nada funcionava e não me contou para não me preocupar. Pelo futebol, esses garotos aceitam tudo. Não existia time, emprego e nem ajuda de custo. Antes de me contar, meu filho vendeu garrafas e latinhas no supermercado para conseguir dinheiro"

Esse é o relato de uma mãe que pensou estar realizando o sonho futebolístico do filho, mas na verdade estava mandando o jovem para um calvário na Europa. Tudo por causa das mentiras contadas por Bruno Lopez, descrito na operação Penalidade Máxima como líder do grupo de apostadores que manipulava jogos no Brasil e no exterior.

BL, como é conhecido, é dono da BC Sports Management, uma empresa do ramo esportivo que prometia a seus jogadores oportunidades em território europeu. No entanto, tudo não passava de mais um golpe.

O UOL conseguiu contato com algumas das vítimas, que falaram com a reportagem sob condição de anonimato. A empresa prometia contrato assinado com o time e com a empresa, salário, moradia, transporte, tradutor no local, carta-convite para não se tornar ilegal no país e muitas outras mentiras.

Já no exterior, os jogadores tomavam ciência de que nada do que foi dito se tornaria realidade. Bruno Lopez, então, sumia do celular e quase nunca respondia. A partir daí, se iniciava uma saga para voltar ao Brasil. As vítimas chegaram a registrar prejuízos na casa de R$ 60 mil.

"O Bruno é uma das piores pessoas que conheci. Fez atrocidades com muitas pessoas que estão pagando até hoje. Um monstro. Isso tudo até demorou a aparecer", disse uma das vítimas.

O UOL tentou contato com a BC Sports Management e com o advogado de Bruno Lopez, mas não obteve retorno até a publicação da reportagem. Em caso de um posicionamento, a matéria será atualizada.

"Tudo que está descrito vai acontecer"

Bruno Lopez se apresentava como ex-jogador de futebol e atual gestor da BC Sports, empresa que ele dizia ser "voltada à intermediação, captação e negociação de atletas". Como o UOL revelou, o suposto currículo de BL era repleto de mentiras.

Nas conversas com as vítimas e familiares, BL indicava ter "portas abertas e oportunidades" na Europa e pedia um DVD com lances para que pudesse apresentar aos clubes.

Nos diálogos aos quais o UOL teve acesso, eram apontadas oportunidades na Alemanha, Albânia e Eslováquia, com investimentos que variavam de 3 mil euros (R$ 16 mill) a 10 mil euros (R$ 54 mil).

Uma das propostas enviadas por Bruno citava nominalmente o Hertha Berlin, tradicional clube alemão, para integrar o time B, "podendo ter oportunidades na 1ª equipe dependendo do rendimento".

BL Hertha Berlin - Reprodução - Reprodução
Bruno Lopez enviou a jogadores promessa de contrato com o o Hertha Berlin, tradicional clube da Alemanha
Imagem: Reprodução

O UOL também teve acesso a áudios em que Bruno Lopez explica o processo da BC Sports e garante que "tudo que está descrito... são reais que vai (sic) acontecer" e que a empresa "trabalha muito sério".

O clube sequer sabia da minha existência, ele nunca teve contato com o clube a meu respeito. Eu, por conta, consegui o teste no mesmo clube! A única coisa que ele sabia fazer era pedir fotos de jogos, apresentação, para que ele postasse na BC e obviamente atraísse público. Absolutamente nenhuma promessa dele se cumpriu, era uma farsa total, a página, as promessas e até a carta-convite. Ele me ludibriou, iludiu e mexeu com meu sonho!"

"Vendia latinhas"

As vítimas depositavam o valor pedido pela BC Sports e embarcavam para o país escolhido, mas, logo que chegavam, o sonho começava a desmoronar. Sem o suporte prometido, ficavam completamente largadas no Velho Continente. Quem não conseguia testes ou oportunidades por conta própria precisava tirar sustento de algum lugar, até mesmo da rua...

"Esses garotos, pelo futebol, aceitam tudo. Mas, com o tempo, o dinheiro foi acabando. Não existia time, emprego e nem ajuda de custo. Depois que meu filho me disse, comecei a cobrar do Bruno o dinheiro da alimentação. Antes de me contar, meu filho vendia umas garrafinhas e latinhas no supermercado para arrumar um dinheiro", contou a mãe de uma das vítimas.

O UOL ouviu nove vítimas e todas relataram o mesmo problema: promessas falsas, total abandono, sonho frustrado e prejuízo financeiro.

"O prometido era para ir para um time e, quando cheguei lá, fui para outro. Não fiquei sem ajuda alguma porque um outro rapaz me ajudou, juntamente com a minha mãe. Se dependesse do Bruno, até fome eu passaria. Me levaram para um time com condições muito precárias. O visto era de três meses. Eu fiquei cerca de oito neste primeiro país, fiquei ilegal e a polícia só não me parou porque eu estava jogando ainda. Mas quando terminasse a temporada, e se eu fosse pego, eu teria de pagar uma multa"

"Meu filho foi um dos jogadores que a BC Sports mandou, tenho o contrato com firma reconhecida na minha cidade e em São Paulo, como corresponsável dele. Essa foi uma das minhas exigências antes dele embarcar. Lá está prevista uma multa de R$ 250 mil para quem não cumprisse o prometido, e eles não cumpriram com nada".

"Meu filho chegou a passar necessidade. Ele até me omitiu isso, por ser o sonho dele estar lá, jogando, e por termos investido uma nota para isso. Nessa viagem, ele chegou a perder de 12kg a 15kg. O Bruno desapareceu, não deu assistência alguma. A família se mobilizou. Conseguimos mandá-lo para outro país, onde morava um amigo nosso e que nos ajudou. Quando ele respondia, enviava uma ajuda irrisória e dizia que ia arrumar um outro time. Isso durou dois meses. Tivemos de trazê-lo de volta porque expirou essa questão de passaporte e tudo mais".

Contrato da BC Sports com um dos jogadores aponta multa em caso de uma das partes não cumprir o assinado - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

"O Bruno veio aqui na minha cidade e conversou comigo e mais um outro jogador. Assinamos contrato e ele disse que teria de ir para São Paulo reconhecer firma. De repente, nos ligou dizendo que o embarque seria em dois dias. Quando chegamos lá, ele sumiu. O clube não era o prometido, a moradia não era a prometida... Não era nada daquilo. Eu tinha feito um empréstimo de cerca de R$ 12 mil e tenho dívida até hoje

"Era quase um clube amador, que não tinha como nos pagar. O técnico nem sabia que chegaríamos. A partir daí, caímos na real e começou o pesadelo. Conversei com a minha namorada, ela foi pesquisar e achou um monte de coisa que o Bruno havia feito. Vimos que era golpe".

"Tentamos nos virar e, na verdade, só não passamos fome. No restante... Quando ele nos respondia, dizia que tinha tido um problema, mas ia arcar com o prometido. Aí, depositava uns R$ 200 na conta. O contrato prometido era de um ano, mas ele não fez a nossa documentação certinha. Chegamos a ficar ilegais lá e o presidente do clube nos ajudou. A empresa que tinha comprado a passagem de ida também sumiu e não prestou mais assistência. Tivemos de pedir ajuda para conseguir voltar".

"Eu cheguei à BC Sports através de uma página em rede social e quem me respondeu foi o próprio Bruno. Ele fez diversas promessas e as conversas foram acontecendo. Ele cobrou pela intermediação e eu teria de pagar também a passagem. Foram cerca de R$ 11 mil gastos. Eu até fiquei hospedado em um bom lugar, onde também tive de trabalhar para ganhar um dinheiro. Depois que cheguei, o Bruno passou a me enrolar e nunca aconteceu o que estava no contrato. Era tudo mentira".

"Cheguei à BC Sports por indicação de um amigo, que, posteriormente, também viveu a mesma coisa. Paguei à empresa cerca R$ 20 mil no total. Fui para a Europa achando que cumpririam tudo que prometeram, mas, chegando, vimos a realidade. Não tinha moradia, alimentação ou qualquer suporte. Mandávamos mensagens e não tínhamos retorno. A BC Sports também não cumpria o combinado com o clube, que acabou nos dispensando. Ficamos, praticamente, abandonados. Chegamos a passar fome. Só conseguimos nos estabelecer conforme fomos conseguindo trabalho, com ajuda de amigos. Fomos buscar um sonho e tudo virou algo muito ruim. No fim, fomos enganados por uma pessoa sem ética alguma. Tivemos um prejuízo enorme".

Parcerias que não existiam

Na página do Instagram, a BC Sports Management apontava o Mação Futebol Clube, equipe de futsal de Portugal, como parceiro comercial. O UOL entrou em contato com o Mação, que negou qualquer contrato com a BC e afirmou que a relação entre as instituições se limitou a um jogador que foi contratado por eles e já havia deixado o clube.

Há também uma publicação em que Bruno aparece nas dependências do Água Santa e, na legenda, a promessa de "em breve novidades". Segundo o UOL apurou, a reunião da diretoria do clube, na verdade, foi com uma empresária suíça e Bruno não fazia parte do escopo inicial do encontro.