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Gualberto e o lado B do futebol: jogador precisou de vaquinha para operação

Gualberto atuou pelo São Paulo Crystal, da Paraíba - Divulgação
Gualberto atuou pelo São Paulo Crystal, da Paraíba Imagem: Divulgação

Luís Augusto Símon (Menon)

Colunista do UOL

21/05/2023 04h00

São muitos os jogos em um fim de semana na várzea. Um time pode jogar mais de uma vez no mesmo dia. Um jogador pode defender dois times diferentes no mesmo dia. O currículo de Gualberto Luís da Silva Jr — nove anos no Palmeiras, passagens por Penapolense, com direito a eliminar o São Paulo no Morumbi, Paysandu, Ferroviária — o credencia a sempre estar em campo. Sempre em troca de R$ 250 ou R$ 300, R$ 500 talvez, dependendo do jogo. Sempre em busca da sobrevivência de quem está sem time profissional há um ano.

São muitos jogos. E ele nem se lembra o nome do rival de 16 de abril de 2023, quando o desespero tomou conta de sua vida. A lembrança para no nome do Martinica, do Campo Limpo, zona Sul de São Paulo, cuja camisa defendia. E o lance, ele não esquece.

"Era uma falta de longe. Nosso goleiro não quis barreira. O rapaz se preparou de longe, no estilo Roberto Carlos. A bola veio forte, bateu no chão e subiu. Eu fui de cabeça nela e meu companheiro de zaga com o pé. E acertou meu olho esquerdo. Fiquei tonto na hora. E não acreditei que de novo estava me dando mal".

De novo?

"Sim, em 2017, eu estava no Paysandu e em um jogo contra o Paraná, sem pancada, de forma espontânea, perdi 50% da visão e 100% da visão periférica. Eu só tinha o olho esquerdo e naquele momento não sabia de mais nada. Só incerteza e o medo de ficar cego", conta.

Ele foi rapidamente para o Hospital dos Olhos na Avenida Paulista. Não queria que se repetisse o drama de 2017, quando demorou um dia para ir ao hospital, o que, tem certeza, impediu um bom tratamento. Quando chegou, foi atendido por um oftalmologista. Desmaiou e tomou quatro pontos. A tomografia mostrou afundamento da face da órbita esquerda. E a recomendação de ser operado em outro hospital.

Foi para o Hospital Santa Catarina. Foi constatada a necessidade da cirurgia. O custo seria em torno de R$ 61 mil. A família tentou conseguir um hospital que atendesse pelo SUS. Foi para o Hospital São Paulo. "Até a ambulância a gente teve de pagar". Lá, nova decepção. Não se faz operação, apenas emergência. De volta ao hospital Santa Catarina e à dúvida: como arrumar tanto dinheiro?

Gualberto teve afundamento da face da órbita esquerda - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gualberto teve afundamento da face da órbita esquerda
Imagem: Arquivo pessoal

"Eu ganhava R$ 25 mil por mês no Paysandu. Estava pagando R$ 3 mil em uma casa financiada. Quando perdi a visão direita, minha carreira caiu. Fui para o Nacional, Ferroviária e passei a ganhar no máximo R$ 2.800. Cortei plano de saúde e desisti da casa. No ano passado, minha filha nasceu no dia em que cheguei no São Paulo Cristal, da Paraíba. Esse ano, tive ofertas, mas não podia levar minha mulher, que está grávida e nem minha filha de um ano. Ia morar em alojamento. Desisti e fui para a várzea".

Com a carreira em descenso, os R$ 61 mil eram algo inimaginável. A poupança de tantos anos de profissão — de 2004 até agora — não chegava à metade. A família também não tinha como ajudar.

A opção — se é que se pode chamar de opção — foi fazer uma vaquinha virtual. Em poucos dias, conseguiu R$ 40 mil. O resto veio de contribuição via pix. "Muita gente me ajudou. O Moisés e o Thiago Martins, que jogaram no Palmeiras, ajudaram bastante", revela.

E agora? Gualberto tem visto jogos de futebol. Olha para a televisão e sente saudade do campo. Sabe que não tem como voltar. "Vou me recuperar em três ou quatro meses e procurar um emprego, voltar a estudar. Tenho uma família para cuidar. A Erica, minha mulher, é professora de Educação Física, mas está sem trabalhar porque está gravida da Júlia. E tem a Giovana, de um ano".

Gualberto acha que o sonho acabou?

"Olha, o sonho de menino de ser jogador de futebol eu concretizei. Fui feliz. O que não consegui foi o sonho de ganhar dinheiro com o futebol. Esse, eu não cumpri."