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Brasileiro resgatado em Dubai sofreu agressão e sonha com volta ao futebol

Carolina Alberti e Tiago Biasoli

Do UOL, em São Paulo

07/06/2023 04h00

O atacante gaúcho Moisés Santana Brisolla embarcou para Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, em busca do sonho de assinar seu primeiro contrato profissional e melhorar a vida financeira de sua família.

Apelidado de "Lonaldinho" na infância, pela combinação de habilidade com a bola nos pés e língua presa, Moisés viu a prometida "vida de xeque" se transformar em cerca de 8 meses trabalhando em condições análogas à escravidão.

Vida de xeque é [ganhar] uma casa bonita, tanto em Dubai como para a minha família no Sul. Prometeram isso, e também carro, tanto para os meus familiares que têm carteira de motorista quanto para mim. Muito dinheiro e contrato. Mas realmente não existia". Moisés Santana Brisolla

Então jogador do sub-20 do Água Santa, Moisés foi abordado por um empresário que havia conhecido meses antes, ao fazer avaliação em um time de Brasília. O jogador conta que o empresário entregou e traduziu uma carta de interesse do Al-Rams Club e prometeu contrato, casa, carros e um salário no valor de 30 mil dirham (pouco mais de R$ 40 mil).

Moisés, porém, encontrou uma realidade bem diferente ao chegar aos Emirados Árabes.

O terror em Dubai

Treinos, amistosos, mas nada de contrato com o Al-Rams: "O clube existia. Fiquei no hotel do clube e fui praticando entre um e dois meses, indo para o clube, jogando amistosos, jogos-treino. Chegavam muitos estrangeiros para avaliação que ficavam dois dias e depois iam embora. Eu fiquei dois meses e fui dispensado".

Reprovado em outros clubes: "Falei que eu queria ir embora. [...] Fui fazer avaliação em um clube lá em Oman, apenas um dia, um dia de avaliação, com um monte de gente. Acabou que não deu certo, eu voltei para Dubai. Então me levaram para um clube que se chama Dubai City, para uma avaliação, um dia, e não deu, não deu. No outro dia, eu fui no clube Al-Wast, em Dubai também. Um dia de avaliação, e não deu [certo]".

Oferta de trabalho em fábrica de cosméticos: "Me fizeram essa oferta de contrato assinado na empresa, de visto de trabalho, que eu ia ter um salário. Então eu nunca debati em cima da passagem. Falavam 'trabalha comigo que te pago um salário, você junta [dinheiro] e vai embora tranquilo, numa boa". [...] Me ofereceram esse contrato na fábrica, de visto de trabalho. Me falaram que me pagariam 1.500 dirham (cerca de R$ 2 mil)".

Jornada de trabalho: "O trabalho era das sete da manhã, até umas 10, 11 horas da noite. Eu fui trabalhando, trabalhando e exigindo a passagem, porque eu queria voltar. [...] Trabalhava assim todos os dias. Tinha uma trégua na sexta-feira, porque ela é santa para os muçulmanos. Daí a gente ia meio-dia e voltava umas 23h".

Uma refeição por dia: "Quando chegava o fim do dia, eu sentia fome. Nem tinha refeitório na fábrica, então, chegava [no apartamento] com fome, tinha que fazer comida, me alimentar. Eu ia para a cozinha fazer alguma coisa e me virava".

Após aproximadamente oito meses, Moisés conta que "acabou acordando". Depois de uma briga com "chutes e agressões" com o dono da fábrica e do apartamento em que morava, o jogador fugiu e foi até a embaixada brasileira em Abu Dhabi (capital dos Emirados Árabes).

Volta ao Brasil e sonho de seguir no futebol

Moisés foi resgatado pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul (CCDH RS), com o apoio do Itamaraty, e chegou ao Brasil no dia 30 de maio.

Ainda no aeroporto, o jogador prestou depoimento à Polícia Federal e teve um reencontro emocionante com a família: "Todo mundo chorou. Um banho de lágrimas e eu voltei para casa, graças a Deus. Estou com eles, tomo chimarrão todos os dias com meu tio".

Mas o sonho de ser jogador profissional segue vivo, e ainda é capaz de provocar um sorriso do atacante em meio a um relato traumático.

Quando fala futebol até abre o sorriso, porque é uma vida desde pequeno. Quero realizar meu sonho e ter meu contrato. Eu sempre sonhei [ com isso]".

Moisés voltou a estudar, mas está desempregado e sem clube. Ele, porém, torce para que algum time se solidarize com sua história e lhe dê uma oportunidade.

Enquanto isso, o atacante torce por justiça e para que sua história ajude outros jovens jogadores a não caírem em golpes semelhantes.

Confira, na íntegra, a entrevista com Moisés Santana Brisolla: