Falta de regras sobre apostas pode custar ao Brasil R$ 10 milhões por dia
Eu entendo por que as pessoas se focam nisso [proibir apostas em cartões ou pênaltis, por exemplo], mas precisamos ter uma abordagem baseada em evidências. O ponto é: eliminar ou proibir esse tipo de apostas não resolve. Se você é um apostador e quer fazer uma aposta, você vai encontrar um lugar para fazer. E será fora do país".
A frase é de Khalid Ali, CEO da IBIA (Associação Internacional de Integridade de Apostas), sobre a discussão que acontece no Brasil atualmente, após o escândalo da operação Penalidade Máxima, do Ministério Público de Goiás que apura manipulação de partidas (inclusive da Série A do Brasileirão). O motivo de um dos principais nomes do combate às fraudes no mercado de apostas estar focado no Brasil é simples: nos últimos cinco anos, o país foi de zona proibida para um dos mercados de maior crescimento do mundo. A associação estima que o mercado cresceu 44% de 2021 a 2022 e pode dobrar de tamanho até 2027, atingindo um lucro bruto de R$ 10 bilhões ao ano.
Só em receita, o mercado calcula que o Brasil perde R$ 3,6 bilhões em impostos ao ano por não ter leis regulamentando as apostas. "Se você olhar o ecossistema inteiro [das apostas esportivas no Brasil], a falta de regulamentação pode custar até R$ 10 milhões ao dia. Isso é uma perda significativa de receita", explica Ali.
Brasileiros apostam, ganham e perdem dinheiro em sites diariamente. A Folha de S.Paulo publicou que, nos primeiros três meses de 2023, R$ 13,4 bilhões foram enviados ao exterior para apostas e R$ 8,5 bi voltaram. Nada disso pagou impostos específicos. Pior: quem teve problemas com algum desses sites, não teve para quem reclamar, já que eles obedecem a leis de paraísos fiscais como Curaçao, uma pequena ilha do Caribe, e não à legislação brasileira.
Sites como esse invadiram o mercado de publicidade brasileiro e patrocinaram clubes de futebol e ou campeonatos. Hoje, no Brasil, é difícil saber quem oferece riscos e quem não. "Se fala sobre regulamentação do setor há anos, mas parece que estamos sempre muito próximos, mas não próximos o suficiente. É extremamente importante ter um mercado regulamentado. Só assim operadores sérios podem oferecer aos clientes segurança para apostar", diz Ali, cuja entidade representa casas que movimentam cerca de 60% do mercado nacional, segundo dados da H2 Gambling.
Atualmente, o governo federal discute a regulamentação por meio de uma Medida Provisória, que pode virar um projeto de lei com urgência constitucional, que obrigaria o Congresso a analisá-lo rapidamente, mas só passa a valer depois da sanção, diferente da MP.
O UOL falou com o CEO da IBIA, associação sem fins lucrativos que monitora o mercado e faz alertas sobre apostas suspeitas, legislação brasileira, a operação Penalidade Máxima e perspectivas do mercado.
Limitar apostas não impede fraudes: "Eu entendo por que as pessoas se focam nisso [proibir apostas em cartões ou pênaltis, por exemplo], mas precisamos ter uma abordagem baseada em evidências. O ponto é: eliminar ou proibir esse tipo de apostas não resolve. Se você é um apostador e quer fazer uma aposta, você vai encontrar um lugar para fazer. E será fora do país."
É preciso ter certeza para investir: "Tem que haver vontade política para fazer isso acontecer, certo? Eu falo com as pessoas aqui e todos me dizem que já ouviram falar que a regulamentação está vindo, mas nada aconteceu. Nós precisamos de certeza. Os grandes operadores estão dispostos a entrar e investir no país."
Regulamentação discutida parece ser restritiva: "Não posso entrar em detalhes, mas a sensação que tenho dos operadores que estão acompanhando o assunto é que as regras discutidas parecem restritivas. Você quer companhias sérias. Para isso, precisa garantir que as condições são adequadas. Regulamentação e regulamentação ruim não é a mesma coisa."
Publicidade é essencial: "Cada mercado deve decidir o que é melhor para a sua própria situação, mas publicidade é essencial. Se você abre seu mercado, os únicos com direito a fazer publicidade devem ser aqueles que se adequaram às regras locais, pagaram licenças e serão punidos se fizerem algo errado".
Brasil teve casos até no tênis de mesa: "Entre 2018 e 2022, no Brasil, nós reportamos 33 alertas, 21 deles para o futebol, que é 64%. Ainda tivemos sete alertas para tênis e uma para vôlei, basquete, vôlei de praia, futsal e tênis de mesa."
Confira a entrevista completa
Quando falamos de apostas, o governo federal liberou as apostas esportivas em 2018 mas até hoje não há regulamentação do setor. Foram quatro anos perdidos?
Tem que haver vontade política para fazer isso acontecer, certo? Eu falo com as pessoas aqui e todos me dizem que já ouviram falar que a regulamentação está vindo, mas nada aconteceu. Eu sei que há uma Medida Provisória na mesa, mas também entendo que pode haver legislação sobre o assunto... Nós precisamos de certeza. Os operadores precisam de certeza. Os grandes operadores estão dispostos a entrar e investir no país. O Instituto Brasileiro de Jogo Responsável diz que, em avaliações conservadoras, o governo está perdendo quase R$ 4 milhões por dia em impostos. Isso quem está falando são os sites de apostas. Se você olhar o ecossistema inteiro, eles dizem que pode ser até R$ 10 milhões ao dia. Isso é uma perda significativa de renda. Eu espero que essa regulamentação chegue para que o governo possa coletar esses impostos. Mas é preciso dizer: não basta que existam regras. Elas precisam ser adequadas.
Quando você fala em regras adequadas, é uma indicação que o que está sendo discutido atualmente, com licenças de R$ 20 a 30 milhões, tributação sobre o ganho dos apostadores e restrições de publicidade, pelo governo brasileiro pode não ser o ideal?
No Brasil, se fala sobre regulamentação do setor há anos, mas parece que estamos sempre muito próximos, mas não próximos o suficiente. Para nós, é extremamente importante ter um mercado regulamentado. Só assim operadores sérios podem oferecer aos clientes segurança para apostar. São necessários um modelo de taxação adequado, restrições claras das apostas que são oferecidas e um sistema de licenciamento aberto e justo. Por que? Porque nós queremos eliminar o mercado clandestino. Enquanto ele existir, brasileiros irão apostar em lugares que não oferecem segurança. Vou dar um exemplo. Na Espanha, quando abriram o mercado, em 2012, apenas 28% dos espanhóis apostavam em sites legalizados na Espanha. O começo teve regras duras, com taxação que não era adequada e uma lista de tipos de apostas que podiam ser feitas. Nós dissemos que isso não iria ajudar o mercado e eles concordaram. Adequaram impostos, removeram a lista de apostas permitidas e o mercado reagiu. Hoje, 78% dos apostadores apostam em sites espanhóis. E fazem isso com operadores licenciados e que pagam impostos ao governo espanhol. É o que precisamos alcançar no Brasil: que os brasileiros apostem em sites que passaram por um sistema de licenciamento, que já foram aprovados por todos esses controles de segurança, que já têm sistemas contra lavagem de dinheiro, programas de educação para aposta responsável...
Eu não posso entrar em detalhes sobre as regras brasileiras, mas a sensação que tenho dos operadores que estão acompanhando o assunto é que as regras discutidas parecem restritivas. Você quer companhias sérias. Os membros da minha associação, por exemplo, são regulamentados em múltiplas jurisdições, são companhias publicamente listadas nas bolsas de valores pelo mundo. São empresas assim que você quer. Para isso, precisa garantir que as condições são adequadas. Regulamentação e regulamentação ruim não é a mesma coisa. O que queremos é uma regulamentação adequada. Isso significa uma taxação de 15 a 20% de GGR (receita bruta dos jogos), não incluir restrições no tipo de apostas que você pode oferecer.
Mas ter uma lista de apostas permitidas, evitando o uso de lances como pênaltis e cartões, que foram manipulados recentemente no Brasil, não é algo positivo? Não evitaria que grupos mal-intencionados atuassem?
O que eu vou dizer é que, entre 2017 e 2021, analisamos o tipo de alertas que passamos para os governos relacionados a apostas suspeitas. No futebol, 91% desses alertas estavam relacionados ao placar do primeiro tempo ou do jogo inteiro. Isso significa que apenas 9% eram para apostas secundárias como essas. Por quê? Porque a liquidez nesse tipo de apostas não existe. Se você é um criminoso e está tentando fazer dinheiro, você vai tentar colocar o máximo de dinheiro na aposta que vai te dar o maior retorno possível. E isso não acontece com essas apostas secundárias, de cartões, por exemplo. Isso é um engano que as pessoas cometem. O tênis é o melhor exemplo: apenas 5% dos nossos alertas estavam nos pontos. Ainda é 5% a mais do que queremos, não é um número grande. Eu entendo por que as pessoas se focam nisso, mas precisamos ter uma abordagem baseada em evidências. O ponto é: eliminar ou proibir esse tipo de apostas não resolve. Se você é um apostador e quer fazer uma aposta, você vai encontrar um lugar para fazer. E será fora do país.
Cada mercado deve decidir o que é melhor para a sua própria situação, mas publicidade é essencial para dar a reconhecimento de marca que essas empresas precisam. Porque, se você abre seu mercado, os únicos com direito a fazer publicidade devem ser aqueles que se adequaram às regras locais, que pagaram licenças e serão punidos se fizerem algo errado."
Qual o caminho para evitar escândalos como o da Operação Penalidade Máxima, então? Banir os jogadores?
A coisa mais fácil é dizer que é culpa é dos jogadores. Mas qual foi o motivador para aquele ato? Por que eles foram envolvidos? No ano passado, emitimos um aviso para a federação internacional de sinuca e, na semana passada, anunciaram que dez jogadores chineses foram punidos. E apenas dois desses jogadores foram banidos do esporte. Os outros foram suspensos. Isso aconteceu porque os dois banidos tinham influência sobre os outros por causa da cultura chinesa. Lá, se prega o respeito aos mais velhos e os jogadores jovens eram, basicamente, ordenados a agir daquela maneira. O julgamento levou esse traço cultural em conta. É preciso ser proporcional e razoável quanto à punição e garantir que as punições são cumpridas. O importante é que ninguém quer ver jogadores manipulando resultados ou qualquer outro aspecto do jogo. O que nós fazemos é investir em educação. Nos últimos dez anos, atingimos, com nossas campanhas, 36 mil atletas de 13 esportes diferentes. Hoje, estamos preparando uma nova campanha, sobre os "3 Rs": regras, responsabilidades e relatar o problema. É simples, básico e direto. No Canadá, fizemos um investimento de 300 mil dólares para ações de educação. Espero poder investir também no Brasil, em algum momento, quando as regras estiverem valendo.
Podemos falar sobre educação, mas no Brasil, nas divisões menores, o problema maior é dinheiro. E são esses os jogadores que as organizações criminosas focam. Como lidar com isso?
Isso acontece em todo mundo. Se há um problema, nunca vai estar nas divisões maiores, em que os jogadores são bem pagos. São sempre nos níveis mais baixos. O mesmo acontece com o tênis. Não veremos problemas nos Grand Slams, mas os torneios Challengers são um problema. O segredo é o monitoramento. Nos mercados regulamentados, existe um controle sobre quem aposta e nas movimentações. A partir daí, é possível entender o que está acontecendo e emitir o alerta de perigo de manipulação. Entre 2017 e 2021, reportamos 1.222 alertas para as autoridades esportivas. Mais de 600 desses alertas foram sobre tênis, que é onde encontramos os maiores problemas, outros 194 alertas foram para o Comitê Olímpico Internacional, responsáveis por todos os esportes fora o tênis e o futebol. Depois disso, foram 128 alertas para a UEFA e 115 para a FIFA.
E no Brasil?
Entre 2018 e 2022, no Brasil, nós reportamos 33 alertas, 21 deles para o futebol, que é 64%. Ainda tivemos sete alertas para tênis e uma para vôlei, basquete, vôlei de praia, futsal e tênis de mesa.
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