Investigação de morte de palmeirense causa atrito entre MP e Polícia Civil
A investigação da morte da palmeirense Gabriella Anelli Marchiano colocou em rota de colisão o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e a Polícia Civil. Um torcedor do Flamengo chegou a ser preso, acusado de ter arremessado uma garrafa de vidro cujos estilhaços cortaram a jugular da moça, mas ele foi solto após pedido do MP.
A decisão de prender Leonardo Felipe Xavier Santiago, segundo fontes ouvidas pelo UOL, se deu com base no depoimento de torcedores palmeirenses que estavam no local. O advogado do flamenguista, Renan Bohus, diz que torcedores do Palmeiras não podem ser as únicas testemunhas ouvidas, pois estavam emocionalmente envolvidos com a tragédia. Os próximos a serem ouvidos serão os guardas civis metropolitanos que estavam presentes no local.
O delegado apresentou uma versão equivocada e temerária sobre a suposta confissão de Leonardo. Os guardas que tiveram visão do arremessador não foram ouvidos, e precisam ser Rogério Zagallo, promotor de Justiça no MP-SP.
Ainda segundo Zagallo, a mudança da investigação para o DHPP se dá pelo fato de o departamento ser "composto por profissionais zelosos e imparciais",
Em nota, a Polícia Civil do Estado de São Paulo rebateu as críticas e se manifestou "no sentido de corroborar a legalidade do auto de prisão em flagrante realizado pelo Delegado de Polícia diante dos elementos probatórios dispostos naquele momento, tanto que a prisão em flagrante, quando da audiência de custódia, fora confirmada pelo Poder Judiciário e convertida em prisão preventiva".
A decisão judicial de soltura ocorreu depois de o delegado do Drade (Delegacia de Polícia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva), Cesar Saad, afirmar que Leonardo havia confessado o crime. O torcedor foi preso e indiciado por homicídio doloso consumado. Mesmo solto, ele continuará sendo investigado, mas agora pelo DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa). O caso mudou de delegacia e o torcedor voltou ao Rio de Janeiro, onde mora.
Os advogados de Leonardo não queriam que o caso saísse do Drade. Em entrevista concedida antes da soltura do flamenguista, Bohus defendeu o delegado: "Ele amparou a narrativa em cima do depoimento de torcedores do Palmeiras, um depoimento contaminado. Houve uma interpretação errônea do delegado, mas tenho certeza de que em nenhum momento ele falou que o Leonardo confessou que atirou a garrafa. Eu confio no delegado, sabemos da integridade dele, confiamos na liturgia das investigações".
Novo suspeito no caso
No pedido de soltura de Leonardo, Zagallo aponta para um novo suspeito:
Nitidamente se vê que a intenção desse arremessador era fazer com que a garrafa passasse pelo vão existente naquele portão, que ainda estava bem aberto, e, seguindo sua trajetória, fosse atingir quem ali estivesse. Evidentemente esse torcedor de camisa cinza assumiu o risco de matar a pessoa que recebesse o impacto de tal objeto, pelo que, desde já é possível afirmar que ele agiu com dolo eventual e é autor de um crime doloso contra a vida Zagallo.
O promotor menciona também duas filmagens feitas por celulares no momento da briga na Rua Padre Antônio Tomás, nos arredores do Allianz Parque. Uma delas foi capturada pelos flamenguistas, enquanto a outra foi registrada da varanda de um edifício, do outro prédio. No vídeo inicial, conforme ressaltado pelo promotor, é possível observar um indivíduo de barba vestindo uma camiseta cinza lançando uma garrafa em direção aos torcedores do Palmeiras.
Postura incomodou MP
A manifestação do MP aponta comportamentos considerados anti-profissionais por parte de Saad - como por exemplo quando ele corrigiu um jornalista durante uma entrevista coletiva que tratou Leonardo por 'suspeito'. "Suspeito, não. Autor", corrigiu o delegado. Segundo o promotor, essa postura é "algo estranha", uma vez que os termos jurídicos são claros: enquanto não há acusação formal, um suspeito é apenas um suspeito.
Esse fato praticado por uma autoridade pública é assaz grave e censurável, pois, além de tipificar uma falácia, tem o poder de gerar falsas expectativas nos familiares de Gabriella, fazendo-os acreditar que a pessoa que assassinou o ente querido teria admitido o erro cometido e que sua justa e correta punição não tardará a materializar-se Zagallo no documento.
Ao optar por libertar o torcedor do Flamengo e encaminhar a investigação do caso ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), a juíza Marcela Raia Sant'Anna também criticou a conduta de Saad. "Considerando a postura do delegado de polícia, que se revelou precipitada e despreparada para conduzir as investigações, é apropriada a remessa dos autos ao DHPP, um órgão especializado e capacitado para lidar com investigações desse tipo", pontuou.
Entenda o caso
Saad não foi quem registrou o caso no domingo (9) - ele estava de folga. O boletim de ocorrência foi assinado pelo delegado que o substituía, Daniel José Orsomarzo. Ao assumir a investigação, na segunda-feira (10), Saad afirmou que Leonardo havia assumido ter arremessado a garrafa que estilhaçou e atingiu o pescoço de Gabriella. No entanto, o UOL teve acesso ao depoimento do flamenguista, que declarou ter "arremessado algumas pedras de gelo".
Em seu depoimento, Leonardo negou arremessar objetos de vidro em direção aos palmeirenses e ressaltou que não sabia dizer por que foi reconhecido como autor do crime. Disse, ainda, que se arrepende de estar "no lugar errado, na hora errada". Vídeos do tumulto mostram outro homem, de barba e camisa cinza, arremessando a garrafa que poderia ter atingido Gabriella.
Sobre meninos e porcos
A violência entre torcidas foi retratada na terceira temporada do podcast UOL Esporte Histórias. A série "Sobre meninos e porcos" conta em seis episódios a história de como as torcidas organizadas saíram da festa e chegaram à violência.
O relato é centrado no assassinato de Cléo Sóstenes Dantas nos anos 1980, considerado o marco da chegada das armas de fogo às brigas de organizadas.
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