Pentacampeão driblou pobreza e alcoolismo e hoje fura poços no Piauí

Edmilson tinha 12, 13 anos e a vida não era fácil, não. Era dura. Acordava às quatro da manhã e ia, com o pai, apanhar laranja. Era seu trabalho em Taquaritinga. Levava uma marmita preparada pela mãe, trabalhava muito e só parava para o almoço. O futuro campeão do mundo era um boia-fria, como tantos brasileiros.

Nada de refrigerante. Um gole de pinga servia de acompanhamento: "Era um agrado que o patrão deixava para os trabalhadores. Todo mundo tomava e eu também. Servia para ajudar a fome a passar".

A vida estava encaminhada. Trabalhar até não poder mais. Talvez se transformar em um alcoólatra: "Ou coisa pior. Vi muitos garotos ficarem pelo caminho, com más companhias e sem oportunidade de mudança."

O futebol mudou tudo. Depois do trabalho, havia a bola. E, como para alguns raros escolhidos no mundo da ilusão, houve um convite. Da roça em Taquaritinga para o XV de Novembro em Jaú e, depois, o São Paulo. E 12 anos depois, já com 26, Edmílson fez, contra a Costa Rica, um dos gols mais bonitos da campanha do pentacampeonato. Uma puxeta ou bicicleta, na área da Costa Rica:

"Aquele gol foi surpreendente para quem não conhece o futebol brasileiro. Quantas vezes um garoto pobre não tentou fazer um gol assim em campo de terra? É um lado lúdico que pouca gente tem além do brasileiro".

Em 2005, Edmílson resolveu retribuir o que o futebol havia lhe dado para crianças que não tiveram a mesma oportunidade. Criou a Fundação Edmílson em Taquaritinga. Hoje, ela está também em Carapicuíba, Santana de Parnaíba e em Betânia do Piauí. A cidade piauiense tem 6 mil habitantes e IDH - índice de desenvolvimento humano - 0,489, o 222º entre 224 cidades do estado.

"Conheci essa cidade e fiquei impactado com a pobreza que existe lá. Você não precisa ir para a África para ver pessoas em situação difícil, inclusive sem saneamento básico. Temos projeto para reuso de água e abertura de poços, reforço escolar. Ajuda a melhorar a vida das pessoas", relatou ele.

A Fundação Edmílson busca ser autossustentável. Todo o dinheiro ganho em merchandising, cachê por participar de palestras ou transmissões de jogos foi direcionado para ela. A busca de doações é intermitente.

As crianças são atendidas no contraturno escolar, com aulas, assistência social, hip hop, futebol, futsal, balé, música, informática, basquete, teatro, vôlei, coral. As famílias recebem cesta básica. A contrapartida exigida é ter boas notas na escola. Até hoje, 6 mil crianças já foram atendidas e não há a ambição de se procurar craques no esporte.

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A primeira doação recebida pela Fundação Edmílson tem valor sentimental. É o terreno onde ele jogava bola quando criança. "Abrir uma fundação é fácil, difícil é manter. Quando há uma crise econômica como houve na pandemia, o primeiro que as empresas cortam são as doações. Mesmo assim, fomos em frente. Hoje, temos 50 funcionários. Coloquei dinheiro por nove anos, agora não precisa mais", contou.

Edmílson deixou o futebol em 2011. Ficou um ano sem trabalhar, só cuidando da fundação. Depois, foi buscar algo para se dedicar. Algo ligado ao futebol. Levou Luiz Araújo, também de Taquaritinga, para o São Paulo. Intermediou um outro negócio, mas não se deu bem e não cogita retomar a atividade.

Vida de cartola

Em 2017, foi estudar em Barcelona, fez dois cursos de gestão, mas ainda não o sabia o que fazer. Foi então que o passado voltou, com boas novas.

"Eu tenho um amigo japonês, há mais de 30 anos, o Hayashi. Ele tinha feito intercâmbio no XV de Jaú e nunca perdemos contato. Então, ele me apresentou aos donos de um fundo de investimento, o Skylight, e fundamos o Ska, meu time de futebol, que fica em Santana do Parnaíba", recordou ele.

O clube foi fundado em 2019 e Edmilson tinha duas coisas na cabeça. Os primeiros cinco anos não teriam retorno e, para fazer a coisa andar, seria necessário cumprir à risca um simples ensinamento de economia familiar: não gastar mais do que arrecadar.

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E, mesmo com a pandemia, o Ska foi crescendo. Em 2023, pela primeira vez, disputou todas as categorias possíveis, do sub-11 ao profissional. Está na Série B, a quarta divisão do futebol paulista, e já se classificou para a terceira fase, o que, em termos crus, significa que não será rebaixado. Começa agora, contra outros 15 times, a luta por duas vagas na série A-3 do próximo ano.

No ano passado, o sub-17 do Ska foi vice-campeão paulista, atrás apenas do Palmeiras. Utiliza sempre o mesmo estilo de jogo, um 4-3-3 ofensivo. O Ska não tem uma grande rede de captação, mas tem cartas na manga que ajudam na busca de jogadores:

"Temos alojamentos, alimentação, psicólogo. Muitos jogadores preferem ficar aqui do que em outro time, temos cem garotos alojados. Aqui, há a possibilidade de crescimento"..

O clube tem 45 jogadores no mercado, em vários clubes. No São Paulo, são 11. Ryan Francisco, do sub-17, é o que tem chamado mais atenção.

Quando empresta um jogador a um time grande, Edmilson faz constar no contrato que, em caso de dispensa, o jogador volta para o Ska. É difícil, mas Edmílson tem planos. Vai construir o segundo campo de grama sintética dos sete planejados. E sonha com a implantação das escolinhas de futebol do Ska Brasil por várias cidades. Assim é a vida de Edmílson. Uma luta diária com a Fundação e com a Ska. Ou, como ele mesmo define: "aqui, matamos um leão por dia e deixamos outros dois amarrados".

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