'Não era a última Copa que eu sonhava', lamenta Marta após queda do Brasil
A maior de todos os tempos se despede da Copa sem um título. Hoje (2), Marta fez a última partida em Mundiais na eliminação do Brasil para a Jamaica, após o 0 a 0 na fase de grupos. No primeiro e único jogo como titular, a Rainha não conseguiu fazer a seleção avançar. Foi substituída nos minutos finais e ficou do banco de reservas sofrendo e torcendo pelo gol salvador que não veio.
"É difícil falar num momento desses. Não era, nem nos meus piores pesadelos, a Copa que eu sonhava. É só o começo. O povo pedia renovação, e está tendo. A única velha aqui só eu. As meninas têm um caminho enorme pela frente. Eu termino, mas elas continuam", disse, com lágrimas no rosto.
Mesmo anunciando o fim de sua trajetória em Copas, Marta pede que o apoio seja mantido. "Quero que o Brasil siga com o mesmo entusiasmo, apoiando. Resultado não acontece de um dia para o outro. Isso mostra que o futebol feminino dá lucro, é produto. A Marta acaba por aqui, estou muito grata pela oportunidade que tive e estou muito contente com o que está acontecendo. Para elas é só o começo, para mim é o fim da linha", avisou.
Marta deixa a seleção brasileira com 189 jogos e 122 gols marcados. Vinte anos depois de iniciar a trajetória com a camisa amarela, disputou a última Copa tranquila com o legado deixado.
Classificação e jogos
A camisa 10 deixa o Mundial como maior artilheira da história entre homens e mulheres, com 17 gols. Pela seleção, foi medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de 2003 e 2007, além de campeã da Copa América em 2003, 2010 e 2018. Ela também fez parte do grupo vice-campeão da Copa em 2007 e das medalhas de prata nas Olimpíadas de 2004 e 2008.
Na prévia da partida, Marta não quis pensar que poderia ser sua última entrevista coletiva. Estava confiante de que o Brasil conseguiria a classificação. Uma das últimas mensagens, porém, foi sobre legado.
"Sabe o que é legal? Eu não tinha uma ídola no futebol feminino. Vocês (imprensa) não mostravam o futebol feminino. Como eu ia entender que eu poderia ser uma jogadora, chegar à seleção, sem ter uma referência? Hoje a gente sai na rua e os pais falam. 'Minha filha quer ser igual a você'. Hoje temos nossas próprias referências. Não teria acontecido isso sem superar os obstáculos. É uma persistência contínua".
Referência
Há 20 anos, quando Marta estreou pela seleção aos 17 anos, recebeu o título de "mágica" pelas boas atuações na primeira Copa do Mundo, nos Estados Unidos. O show mesmo veio quatro anos depois, em 2007, com a melhor campanha da história brasileira. A camisa 10 foi artilheira pela primeira e última vez.
Depois de marcar em todas as Copas seguintes, exceto a de 2023, a seis vezes melhor do mundo se tornou a referência que ela acredita não ter tido quando chegou à seleção.
"Há 20 anos, em 2003, ninguém conhecia a Marta. Hoje, viramos referência para o mundo inteiro. Não só no futebol, mas no jornalismo também. Hoje vemos mulheres aqui, o que não tinha antes. A gente acabou abrindo portas para a igualdade", disse a jogadora.
Além do papel dentro do campo, a inspiração fora talvez tenha sido a melhor coisa deixada por ela na carreira. Após receber sua quinta Bola de Ouro, Marta se encontrou com a então presidente Dilma Rousseff, no Palácio do Planalto, em Brasília, e pediu "mais atenção" à modalidade. Nas últimas duas Copas, usou chuteiras sem patrocínio como pedido de igualdade.
Mudança e legado
Na eliminação verde-amarela na Copa de 2019, Marta já tinha dado o recado de que não seria eterna. Ela fez um apelo de que o futebol feminino dependia da nova geração para sobreviver. Quatro anos depois, o discurso é mais tranquilo, sereno, com a sensação de que o trabalho foi feito.
"A Pia chegou, fez as mudanças, trouxe atletas novas, elas que vão continuar esse trabalho. Meu desabafo foi para que todos fizessem seu papel: atletas, comissão, direção e mídia. Isso vem acontecendo, e temos que reconhecer e dar seguimento. Temos que fazer sempre algo a mais. Colocando isso em prática, teremos um futuro brilhante. Não só o Brasil, mas todas as outras seleções, que vemos crescendo. Não ganha só um, ganha a modalidade", disse na última entrevista coletiva.
Sem Formiga, aposentada, e com Cristiane fora dos planos da atual comissão técnica, a camisa 10 foi a última representante de uma geração que mudou a história do futebol feminino brasileiro. Um dos poucos recordes que não conseguiu alcançar foi ser a primeira jogadora a balançar a rede em seis Mundiais consecutivos.
A última dança
Os dias na Austrália foram intensos, emotivos e de holofotes para a Rainha. Em Melbourne, parou diversas vezes para atender torcedores, quase prevendo o que viria a seguir. Nos lugares anteriores ela sempre acenava, mas na correria dos deslocamentos não conseguia falar com um por um.
Antes da Copa, as jogadoras foram claras sobre a despedida ser um motivador a mais na competição, mas Marta sempre dispensou ser o centro das atenções desta forma. Ela deixou claro que o sonho não seria sobre ela, mas sim sobre a modalidade.
"Fico feliz quando escuto isso das meninas, que elas querem ganhar essa Copa por mim, mas elas têm que ganhar por elas. Essa Copa do Mundo não é só sobre mim, é sobre o futebol feminino em geral, sobre essa geração que está surgindo e vai levar esse trabalho por muitos anos. É por todas nós. Não só sobre a Marta. Se isso as motiva um pouco mais, vamos em frente, vamos à luta", disse.
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