Da euforia à eliminação: seleção e Pia acumulam erros até queda na Copa
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A seleção brasileira acabou eliminada da Copa do Mundo feminina sem marcar um gol sobre a Jamaica, em Melbourne. Com uma vitória, um empate e uma derrota, o grupo se despede com alguns erros na bagagem que incluem lado técnico, tático, emocional e também de decisões da técnica Pia Sundhage.
Paciência
Desde o primeiro jogo, a treinadora já falava sobre ter paciência, uma das palavras a qual costuma dizer inclusive em português durante as entrevistas. A sueca e a lateral-esquerda Tamires, que deu a coletiva na véspera da estreia, falaram que a seleção já estava mais preparada neste sentido.
Diante do Panamá, apesar do nervosismo aparente nos primeiros 10 minutos, o time marcou relativamente rápido. Contra França e Jamaica, porém, a medida em que as coisas não davam certo, a desorganização e decisões erradas tomavam conta.
"Não podemos subestimar nada, não sei se vamos jogar no contra-ataque. Paciência é uma ótima palavra e tem o ritmo. Continuamos acreditando na característica do ataque, em acelerar o jogo. O ataque é tão mais rápido, tem situações que você dá a bola também. Se conseguirmos balancear isso com situações imprevisíveis, vai ser bom. Não tenho medo e não estou preocupada. Tenho um plano", disse Pia antes do duelo com o Panamá.
Emocional
O lado emocional foi um dos assuntos mais falados antes da Copa, especialmente pela treinadora. O temor sobre como as mais jovens reagiriam a uma competição neste nível era uma preocupação na seleção, que investiu em trabalho psicológico para tentar facilitar este lado.
O que se viu no campo, porém, foi um time com dificuldades de reagir bem aos momentos de pressão. Um início nervoso contra Panamá e França, além de um jogo com pouca inspiração diante da Jamaica, mesmo valendo a vida no Mundial, ditaram o ritmo.
Sempre que perguntada sobre o lado emocional, Pia Sundhage citou a alegria das jogadoras como parte fundamental. Antes da Jamaica, ela pediu que tivessem isso na última partida. O trabalho interno para esse lado, porém, foi forte depois da derrota na segunda rodada. Com o abatimento de muitas atletas, as mais experientes e a comissão precisaram entrar em cena.
"Se a gente mantiver essa alegria, que é contagiosa, será muito importante. Quando não joga bem, como lidar? Não temos essa situação, todas jogaram bem e isso vai passar para o próximo jogo. Se continuar se esforçando, tentando, vamos ficar satisfeitas, vai dar alegria para o próximo jogo e ser levado para a próxima partida", disse após a vitória sobre o Panamá.
Ataque
Emocionada na zona mista, Ary Borges fez o diagnóstico: "Pecamos talvez no que foi um dos maiores problemas nossos durante o ciclo, que era a parte ofensiva. Hoje, só precisávamos colocar uma bola dentro do gol e não conseguimos. Falamos que nem que fosse da forma mais feia possível precisávamos ter marcado".
Os 139 gols marcados em 57 jogos com Pia não traduzem o que foi o ciclo em termos de problemas ofensivos.
A explicação para a treinadora é que as jogadoras muitas vezes querem marcar gols bonitos e, por isso, dão passes demais ou de menos. Nesta parte, ela admite que aposta no jeito brasileiro mais criativo e talentoso para resolver.
"Algumas vezes, acho que tem muitos passes e outras vezes acho que não tem o suficiente. É típico do Brasil, às vezes não sabe o que está acontecendo. Não ensinei nada nesse sentido, é o jeito do Brasil. Mas o único jeito é estando juntas. Tem um equilíbrio. Nossas jogadoras querem marcar gols bonitos. A bola está lá e eu penso 'só cabeceie' e elas querem fazer várias coisas diferentes. Quando funciona, é lindo, tenho que permitir, mas às vezes só lembrar que marcar gols é legal também", avaliou Pia.
Gols da França
Depois da vitória sobre o Panamá, todas as entrevistas da seleção brasileira tiveram um tema em comum: as bolas aéreas francesas. A preocupação acabou se mostrando mais do que válida e os dois gols sofridos na derrota em Brisbane nasceram de jogadas assim.
Antes do jogo, Pia garantiu que o time estava estudando e pronto para qualquer situação, inclusive se Wendie Renard jogasse. A zagueira acabou marcando o gol da vitória da França já nos minutos finais.
"Olhamos para as jogadoras, claro. Temos um plano se ela [Renard] jogar ou não. Tento acompanhar o máximo que podemos se ela vai jogar ou não. É uma das boas jogadoras da França. Mas estamos prontas para todo tipo de cenário", disse a técnica na prévia.
"Assistimos a vídeos do time rival, mas às vezes somos surpreendidas, como aconteceu hoje. Diria que não se trata de erros individuais, eu não acredito em erros individuais. Aqui é sempre uma questão coletiva, é um time", avaliou após a derrota.
Marta
A utilização de Marta durante a Copa do Mundo foi um dos motivos de maior dúvida ao longo da competição. No primeiro jogo, a atacante já estava 100% recuperada conforme disse Pia. Ela, porém, jogou poucos minutos antes de ser titular no último e decisivo jogo.
A camisa 10 não era titular no Brasil desde fevereiro de 2022. Depois, passou por uma grave lesão e virou reserva de vez. Apesar de fazer algumas partidas no Orlando Pride, ainda não havia voltado a ter esta posição na seleção.
Na véspera, foi escolhida para a entrevista coletiva oficial e levantou a expectativa sobre começar jogando. Nem a emoção e o otimismo ajudaram na hora do jogo. Uma das críticas a Pia ao longo do ciclo foi o posicionamento da jogadora. Contra a Jamaica, o problema parece ter voltado a acontecer.
Na entrevista após a eliminação, Pia colocou em dúvida a utilização de Marta nos próximos jogos caso continue à frente da equipe.
"Ela tem tanta experiência, e é uma das razões, e também está muito treinada. Talvez a equipe consiga, junto com ela, encontrar o espaço. É preciso de muita velocidade. Infelizmente, ela sofreu algumas lesões, então não jogaria contra Inglaterra, Alemanha. Agora, daqui para frente, enquanto eu estiver à frente, vamos trabalhar para encontrar novas jogadoras, vai ficar cada vez mais difícil para a Marta continuar na seleção", disse.
Substituições
As mudanças de Pia no jogo contra a Jamaica aconteceram no intervalo, com Bia Zaneratto na vaga de Ary Borges, e depois aos 36 minutos, quando Duda Sampaio, Andressa Alves e Geyse entraram para tentar resolver nos últimos instantes.
Diante da França, a treinadora mexeu aos 16 do segundo tempo com Andressa Alves no lugar de Geyse e depois somente aos 35 (Bia Zaneratto) e aos 40 (Marta, Ana Vitória e Mônica). Esta última mudança estava prevista antes do gol da França e foi mantida mesmo com o cenário de derrota.
O único jogo em que as mudanças aconteceram cedo foi na vitória sobre o Panamá, quando o Brasil já fazia 3 a 0. Gabi Nunes, Bruninha e Geyse entraram aos 14 do segundo tempo, enquanto Duda Sampaio e Marta foram acionadas aos 30.
"Essa é sempre uma pergunta que a gente se faz, quando a gente vê que não funcionou. Algumas das situações ali no segundo tempo poderiam ter sido melhores. Quando vemos o resultado, percebemos que foi um pouco tarde", disse a técnica depois da derrota para a Jamaica.
Postura
Durante um atendimento na Jamaica, Pia reuniu as jogadoras para um papo à beira do campo. Na reta final, ficou em pé boa parte do tempo dando orientações. A cena, porém, não é vista com tanta frequência.
Enquanto o treinador da Jamaica, Lorne Donaldson, passou o jogo todo em pé, a sueca não costuma ter esse hábito. Algumas vezes, até as auxiliares levantam para falar com as jogadoras, como aconteceu com Marta ainda no primeiro tempo.
Pia continua ou sai?
Agora paira a dúvida sobre o futuro de Pia Sundhage no comando da seleção brasileira. Com contrato até o ano que vem, a treinadora terá a situação analisada pela CBF, mas é possível dizer que está ameaçada.
Enquanto esteve na Austrália para os dois primeiros jogos, o presidente da entidade, Ednaldo Rodrigues, falou sobre sequência e garantiu que não faria diferença uma mudança antes das Olimpíadas.
Os bastidores, porém, estão movimentados e devem permanecer desta forma até uma definição.
"No final, o resultado é minha responsabilidade, mas não minha apenas. Tem a ver como a forma como trabalhamos, a nossa preparação. Eu realmente tenho que pensar se poderia ter feito diferente. Nós fizemos uma boa preparação, bons jogos e bons treinamentos. Há uma distância enorme entre o fracasso e o sucesso", afirmou.