Rapinoe se aposenta dos EUA como referência em campo e revolucionária fora
Classificação e Jogos
Para muitos, a última imagem da carreira de Megan Rapinoe será o pênalti perdido na eliminação dos Estados Unidos para a Suécia na Copa do Mundo feminina. Mas a trajetória da duas vezes campeã mundial termina como referência dentro do campo e revolucionária fora dele.
O final poderia ter sido de conto de fadas. Entrou nos últimos minutos, foi ovacionada, teve um pênalti importante nos pés e que poderia selar a classificação às quartas. Mas isolou. Uma vez na carreira, a jogadora tão acostumada com a pressão não conseguiu sobressair. O sorriso de nervoso se transformou em lágrimas pouco depois.
"A Rapinoe é um ícone cultural nos Estados Unidos. Saiu na capa da Time quando anunciou a aposentadoria. É incrível. Não aconteceria 10 anos atrás. A forma como ela não se afastou da política, como mostrou que política e esporte se unem, foi incrivelmente importante. Ela foi um modelo para outras jogadoras poderem falar sobre suas crenças sem ter que se preocupar só porque estão no time nacional dos Estados Unidos", resumiu a jornalista norte-americana Steph Yang, do The Athletic, ao UOL.
Trajetória no campo
Aos 38 anos, Rapinoe começou no futebol ainda criança. O pai era treinador e a irmã gêmea também jogava. No futebol universitário, só foi defender o Portland Pilots depois de cumprir a convocação para os Estados Unidos na Copa do Mundo Feminina sub-19.
Em 2009, Rapinoe foi escolhida pelo Chicago Red Stars no draft. Ela disputaria a temporada inaugural da WPS (Women's Professional Soccer), divisão de elite do futebol feminino no país.
Embora os únicos títulos por clubes tenham sido o Campeonato Francês e a Copa da França com o Lyon em 2012/13, Megan Rapinoe construiu uma carreira de sucesso na seleção dos EUA.
Ao longo dos anos, passou por outras equipes dentro e fora dos EUA, e em 2011 jogou a primeira Copa do Mundo. A estreia foi eliminando o Brasil nas quartas, mas ficando com o vice-campeonato para o Japão.
Em 2012, a revanche contra as japonesas veio em forma de ouro olímpico em Wembley. Em 2013, foi para o Lyon, mas a passagem apagada a fez se transferir para o OL Reign, onde está até hoje.
As jogadoras se despediram com emoção e carinho da companheira após a eliminação.
Campeã mundial
Depois da derrota na primeira final, a consagração veio nas edições seguintes da Copa do Mundo.
Em 2015, no Canadá, goleada por 5 a 2 sobre o Japão para consagrar o primeiro título mundial de Rapinoe.
Em 2019, foi eleita a melhor jogadora da Copa marcando seis gols, inclusive na final contra a Holanda. Ela também ficou com a chuteira de ouro da competição.
Este ano também foi de reconhecimentos individuais. A norte-americana foi eleita melhor do mundo pela Fifa, recebeu a Bola de Ouro e também recebeu prêmio da IFFHS.
"Eu acho que a Megan Rapinoe é uma liderança importante no vestiário deste time. Talvez no campo não esteja participando tanto quanto antes, isso acontece quando fica mais velha, não é mais uma jogadora de 90 minutos. Mas em termos de cultura, experiência, visibilidade, não pode subestimar. Ter alguém que pode dizer às mais jovens o que esperar, ensinar, dizer que vai ajudar", disse a jornalista Steph Yang.
Legado
Mas não é apenas o lado dentro do campo e a revolução no período mais vitorioso dos Estados Unidos que fazem Rapinoe ser lembrada. Voz ativa fora dos gramados, chegou a ter problemas com Donald Trump.
Defensora dos direitos civis, especialmente da comunidade LGBTQIAP+, a atacante é casada com a agora ex-jogadora de basquete Sue Bird e foi uma crítica do ex-presidente dos Estados Unidos.
Durante a Copa de 2019, afirmou que a seleção não aceitaria o tradicional convite presidencial para visitar a Casa Branca se fosse campeã. Isso gerou críticas de Trump e seus apoiadores, mas de nada adiantou. As jogadoras comemoraram a taça com um desfile em Nova York. Rapinoe fez um discurso exaltando a diversidade no elenco.
"Nós temos que ser melhores. Temos que amar mais e odiar menos. Ouvir mais e falar menos. Temos que saber que isso é responsabilidade de todo mundo. Todo mundo mesmo, todo mundo que está aqui e que não está aqui, ou que não quer estar aqui", disse em uma parte do discurso.
Em 2016, ela se ajoelhou durante o hino nacional em apoio ao ex-quarterback do San Francisco 49ers, da NFL, e ativista dos direitos civis Colin Kaepernick. Ele teve a carreira no futebol americano interrompida por causa dos protestos contra o racismo.
No mesmo ano, ela e mais quatro jogadoras (Hope Solo, Carli Lloyd, Becky Sauerbrunn, Alex Morgan) abriram um processo contra a federação norte-americana exigindo igualdade salarial entre homens e mulheres. Em 2022, as atletas conseguiram um acordo de 24 milhões de dólares.
Na luta pela comunidade LGBTQIAP+, Rapinoe é filantropa da GLSEN (Gays, Lesbians, & Straight Education Network), uma organização que busca combater a desigualdade e bullying nas escolas dos EUA.
Ela e Sue Bird estavam entre as atletas que assinaram uma carta aos legisladores dos EUA em abril, se opondo a um projeto de lei federal que proíbe atletas trans de praticarem esportes femininos.
Rapinoe recebeu de Joe Biden no ano passado a Medalha Presidencial da Liberdade, maior honraria dada a um civil no país. Nenhuma outra jogadora de futebol havia recebido isso.
Discursos fortes
Quando recebeu a Bola de Ouro em 2019, Rapinoe relembrou algumas histórias marcantes.
Falou sobre o racismo sofrido por Sterling e Koulibaly, Sahar Khodayari, que colocou fogo em si mesma porque não podia entrar no estádio, e Collin Martin, jogador da MLS que declarou ser gay.
"Sinto que, se realmente queremos ter mudanças significativas, o que acho mais inspirador, seria se todos, e não só Sterling, Koulibaly, ficassem tão indignados como eles ficaram, se todo mundo ficasse indignado com homofobia além das atletas LGBTQ. Se todos ficassem indignados com a questão de diferença de salários e a falta de investimento além das mulheres, isso seria mais inspirador pra mim", pediu.
Ela chamou os jogadores e jogadoras presentes a se posicionarem mais sobre os mais diversos assuntos.
"Temos uma grande oportunidade sendo jogadores de futebol profissionais, temos tanto sucesso financeiro e de outras formas, como nas nossas plataformas. Eu peço a todo mundo aqui, porque acho que todos aqui tem o poder de fazer algo", falou Rapinoe.
Yang comparou o papel de Rapinoe com o de Marta, que também foi uma inspiração para a norte-americana. "Assim como a Marta, a Rapinoe deu um exemplo para as jogadoras falarem sobre coisas importantes fora do campo. Acho que ela ajudou a abrir portas na mídia para muitos desses assuntos. Nos ajudou a perguntar aos atletas esse tipo de coisa e mostrar que, sim, pode falar conosco sobre isso".