Rival de hoje do Corinthians coleciona taças e até prisões em Mundial

Se a Libertadores dos anos 1960 e 70, sem transmissão ao vivo e com árbitros sujeitos a muita pressão, era violenta como um faroeste, os jogos do Estudiantes de la Plata, rival do Corinthians na Sul-Americana hoje (29), poderiam servir de inspiração para o cineasta Quentin Tarantino.

O time argentino venceu três vezes seguidas a Libertadores (1968 a 1970) e o título mundial de 1968, com um estilo de jogo implantado por Osvaldo Zubeldia - marcação dura, linha de impedimento muito bem treinada e apuro na bola parada - além de dois conceitos, um deles futebolístico - a vitória começa pela defesa - e outro, nem tanto: o fundamental em um jogo de futebol é ganhar.

Foi em 22 de outubro de 1969 que os conceitos de Zubeldia foram deformados ao extremo e substituídos por uma violência poucas vezes vista.

O adversário era o Milan, o estádio era a Bombonera e o jogo valia o título mundial. O Milan havia vencido na Itália por 3 a 0 e ficou com o título após uma derrota por 2 a 1. O jogo teve dois argentinos expulsos, três levados à delegacia e presos e um argentino que jogava no Milan sendo liberado apenas após a intervenção do cônsul italiano em Buenos Aires.

Mas, voltemos um pouco no tempo. Em 1965, o Estudiantes contratou o treinador Osvaldo Zubeldia. A ele, foi feito um pedido simples: impedir o descenso. Não havia dinheiro para grandes contratações e vieram jogadores de pouco nome e valor: Billardo - sim, o treinador campeão mundial de 1986 - entre eles. E havia jovens talentosos na categoria de base: Poletti, Aguirre Suárez, Malbernat, Pachamé e Verón. Verón era La Bruja e pai de Juan Sebastian Verón, la Brujita, que teve sucesso enorme na seleção argentina e hoje é diretor do Estudiantes.

Zubeldia foi além da manutenção. O Estudiantes foi sexto em 1966 e campeão em 1967, furando, pela primeira vez, a bola dos grandes: Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo.

O Estudiantes era de Verón, muito bom jogador, mas era também o jogo coletivo, o escanteio fechado, e uma defesa férrea. Era um time indecifrável para muitos rivais.

A primeira Libertadores foi ganha com vitórias sobres duas Academias: o Racing, que defendia o título, na semifinal e o Palmeiras na final. O Estudiantes venceu o Palmeiras por 2 a 1 na Argentina, perdeu por 3 a 1 e em São Paulo e o terceiro jogo, em Montevidéu, venceu por 2 a 0. O Estudiantes estava pronto para disputar o título mundial.

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O adversário era o Manchester United, que tinha um temível trio atacante: Bobby Charlton, George Best e Denis Law. O primeiro jogo foi na Bombonera, com pressão e a chamada catimba. Vitória por 1 a 0. Os ingleses não gostaram e seus torcedores recepcionaram os jogadores do Estudiantes com gritos de "animais". O Estudiantes foi campeão com um empate por 1 x 1.

O bi da Libertadores veio com quatro jogos: duas vitórias por 3 a 1 sobre a Universidad Católica e outras duas sobre o Nacional do Uruguai (1 a 0 e 2 a 0).

O bi mundial ficou distante após uma derrota por 3 a 0 contra o Milan, em Milão. O brasileiro Sormani fez dois gols e Combin, um argentino naturalizado francês, marcou o terceiro.

Conbim foi um dos pivôs da violência no segundo jogo, na Bombonera. Ele havia deixado a Argentina e emigrado para a França, sem prestar o serviço militar. Por isso, começou a ser tratado com traidor da Pátria. Um discurso de ódio apropriado para o momento da Argentina, que vivia sob ditadura militar.

Chegou o dia de tentar o impossível. Tirar uma desvantagem de três gols. A Bombonera estava lotada, com 45 mil pessoas. E o clima belicoso se instalou mesmo antes do início do jogo. No aquecimento, o goleiro Poletti e outros jogadores tentavam acertar os jogadores do Milan.

Desde o início do jogo, o quarteto Rivera, Sormani, Prati e Combin era parado com faltas duras e ofensas. E o interessante é que o Estudiantes também tinha bons jogadores como Billardo, Pachamé e Verón. Mas a opção era pela guerra e não pelo futebol.

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Depois de encontrões e faltas duras, Prati foi a primeira vítima. Sofreu falta de Aguirre Suarez e, já no chão, um pontapé de Poletti. Sofreu concussão, ficou alguns minutos desacordado e voltou. Não conseguiu continuar e foi substituído. O recado estava dado. O café quente que a torcida havia arremessado em jogadores italianos na entrada em campo, era apenas isso, café quente. O restante estava servido em campo.

Aos 30 minutos, a grande surpresa. A linha de impedimento do Estudiantes, uma das armas do time, falhou e Rivera ficou sozinha na frente de Poletti. Driblou e finalizou muito bem. A comemoração com seus companheiros, na área do Estudiantes, foi interrompida com agressões de Poletti.

O Estudiantes virou o jogo, com gols de Conigliaro aos 43 e Aguirre Suarez aos 44. O segundo tempo prometia.

Os argentinos avançaram sua linha de zagueiros e pressionaram o Milan. Os italianos conseguiam sustentar a pressão e, com o passar do tempo, fazer dois gols passou a ser uma proeza difícil de se conseguir.

E os jogadores do Estudiantes passaram a abusar da violência, Combin, o "porco traidor", teve o nariz quebrado. Depois, na Itália, ele declarou que tinha certeza de que os jogadores argentinos estavam drogados.

Aos 24, Aguirre Suarez foi expulso após falta violenta no craque Rivera. E, aos 40, Manera foi expulso após um murro também em Rivera.

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Fim de jogo, mas não da violência. Poletti, o goleiro, agrediu seu companheiro Romeu que estava cumprimentando os jogadores italianos. O campo foi invadido e os jogadores do Milan correram para o vestiário. Receberam uma taça toda torta, que precisou ser consertada na Itália.

Após o jogo, o governo argentino tomou providências. O general Juan Carlos Ongania, presidente do país, não queria saber de uma imagem suja e Poletti, Aguirre Suárez e Manera foram presos por 30 dias. As penas esportivas foram duras também. Aguirre Suarez, por 30 jogos nacionais e cinco anos em jogos internacionais, Madera levou 20 jogos na Argentina e três anos de jogos internacionais e Poletti foi expulso do futebol. Com a queda de Ongania, foi anistiado.

Combin foi levado para um hospital para medicar o nariz quebrado. Dali foi levado a uma delegacia e interrogado por várias horas. Queriam saber de sua deserção. Com ajuda do cônsul italiano, comprovou que havia feito o serviço militar na França.

No ano seguinte, o Estudiantes ganhou novamente a Libertadores, vencendo o Peñarol na final. Disputou o título mundial contra o Feyenoord. Os holandeses empataram na Bombonera (2 a 2) e venceram em casa (1 a 0). Há relatos de que Malbernat e Pachamé roubaram e quebraram os óculos do artilheiro Van Daele, que os utilizava para jogar, como depois o faria Davids.

Billardo tornou-se treinador de futebol de muito sucesso, utilizando vários ensinamentos de Zubeldia. Era o "bilardismo", que disputava com o "menotismo", de Cesar Luis Menotti, campeão do mundo em 1978, os caminhos do futebol argentino por décadas.

Interessante é que Billardo, em 86, ao dirigir a Argentina, não titubeou em tirar a faixa de capitão de Daniel Passarella - um adepto da vitória a qualquer custo - e dá-la a Diego Armando Maradona, o gênio a quem Menotti não convocou em 78, por ter apenas 18 anos. Billardo deixou claro que talento é muito importante para ganhar seja como for.

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