Em Manacapuru, cidade de 100 mil habitantes a 70 quilômetros de Manaus, o estádio Olímpico homenageia Gilberto Mestrinho. É o Gilbertão, com capacidade para 15 mil pessoas e que atende os clubes da cidade: Operário e Princesa dos Solimões.
Gilberto Mestrinho (1928/2009), político amazonense, tinha, na juventude, a fama de conquistador. Ganhou o apelido de Boto Tucuxi, uma referência à lenda do boto, animal que, em noites de festa, deixava o rio para engravidar meninas ribeirinhas.
E, no Gilbertão, uma outra lenda exerce sua profissão. É Aderbal Lana, 76 anos, o treinador mais velho em atividade no Brasil. Dirigiu o Princesa este ano. Tem 11 Campeonatos Amazonenses e três Copas Norte no Brasil. "Lenda da floresta é o Tarzan, não sou eu", diz. "Eu sou apenas um trabalhador que tentou fazer o melhor possível".
Técnico raiz que desdenha curso da CBF
A televisão, o cigarro, o café e uma cerveja ou outra são as companhias de Aderbal, um solitário. "Fumo dois maços por dia. E tomo bastante café. Quase não saio do quarto do hotel. Sou muito conhecido e se vou a um bar ou um restaurante, o garçom já pergunta se vamos ganhar o próximo jogo. É muito chato".
Aderbal é raiz. Tem orgulho de seu estilo. Para começar, nada de curso na CBF. "Não preciso fazer por causa da minha idade, mas mesmo se precisasse não faria. Acha que vou gastar meu dinheiro suado com hotel caro no Rio? Tenho leitura de jogo, não tenho nada a aprender não", afirma.
Tem um auxiliar — "era meu filho, mas ele foi tocar a vida" — que dá o treino preparado por ele. "Não gosto de entrar em campo não. Preparo o trabalho e fico observando. Não gosto de auxiliar com prancheta. Já vi o Guardiola assim, em pé e o cara do lado, com uma pranchetinha. Não é pra mim não".
Também não tem ninguém para ajudar na motivação dos jogadores. "Sigo a linha do Muricy Ramalho. Motivação é ganhar em dia. Tem jogador na Série D que ganha R$ 30 mil por mês e eu vou motivar o cara? Jogador precisa ter responsabilidade e respeitar a camisa. Tem gente que, antes de entrar em campo, fica todo elétrico gritando por Deus e depois, na hora de jogar, é um marasmo impressionante".
É linha dura, e não gosta muito de conversar. "Já saí na mão com mais de um jogador que ficou contestando e faltando com respeito", revela.
Em nome de um estilo de jogo, de um passado que talvez não volte mais, Aderbal Lana, que em criança era palmeirense, agora tornou-se um torcedor de todos os times que enfrentam o Flamengo, que ele considera o suprassumo do que não gosta. "Jogador virou artista, parece que está no circo. O cara tem tudo, está preparado para alta performance, tem capacidade para correr 14,5 km por jogo, tem horas de sono, mas entra em campo para jogar pelo nome. O Flamengo é assim. Muito jogador caro que não se dedica".
Fama na região Norte
Quando vai assumir um time no Amazonas, Aderbal Lana prefere jogadores da região. Não gosta muito de gente de fora. Assiste aos jogos da Copa da Floresta e da Copa dos Rios, competições amadoras que envolvem jogadores do estado. Escolhe alguns, mais outros da região e depois, com o grupo formado, traz alguns de fora do Estado. "Eles precisam chegar com o grupo já formado e buscar a integração. Não pode ser o contrário, todo mundo se adaptando a eles".
Aderbal é mineiro de Uberlândia. Chegou ao Amazonas em 1985 e criou raízes. De 91 a 2004, trabalhou na Arábia Saudita e voltou para não mais sair. Dirigiu todos os times grandes do estado e alcançou o maior sucesso com o São Raimundo. "Chegamos à Série B. Pela Copa do Brasil, ganhamos de 2 x 1 do São Paulo aqui e perdemos de 5 x 1 no Morumbi, que tinha Kaká e Luís Fabiano".
Em 1983, quando dirigia o Goiás, enfrentou o Palmeiras de Minelli. "Gostava muito deste treinador e do Yustrich, que fazia sucesso no Siderúrgica de Minas e depois até dirigiu o Flamengo".
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Quero receberA Copa do Mundo foi um estorvo para o futebol do Amazonas, acredita Lana. "A gente tinha dois campos bons que foram interditados para virar Centro de Treinamentos das seleções. E ficamos jogando só no interior, onde é difícil chegar por falta de estradas. Temos que ir de rio. Tudo isso atrapalhou bastante".
Agora, vê um certo ressurgimento do futebol amazonense, com o Amazonas lutando para chegar à Série B. "Aqui, no Amazonas, os times que mandam são Nacional, Manaus, Amazonas, Manauara e o Princesa. O São Raimundo está voltando e o Rio Negro também. O Fast corre por fora. O Princesa, que usa muito jogador da região, tem folha mensal de R$ 200 mil e os outros passam ou chegam perto de R$ 300 mil".
Aderbal não é contra a leva atual de treinadores estrangeiros atuando no Brasil. Mas também não vê muita novidade. "O Jorge Jesus foi muito bom, montou um time ótimo no Flamengo. O Abel é como eu, gosta de futebol efetivo e o Palmeiras está ganhando tudo. Os outros, não vejo muita coisa. No Brasil, as últimas novidades foram com o Zagallo, que colocou o Rivellino na esquerda e o Parreira, que fez o mesmo com o Zinho. O que mudou foi a preparação física. Agora, estou confiante de que o Diniz possa mudar as coisas na seleção".
E o Ancelotti?
"Você acha mesmo que o italiano vai deixar o Real Madrid para trabalhar aqui? Pode esquecer."
Aderbal avisa que está pronto para trabalhar novamente no próximo ano. Após seu clube, o Princesa do Solimões, ser eliminado pela Tuna Luso, de Belém, na segunda fase da Série D, Aderbal terminou o contrato de três anos e voltou a Manaus, onde tem uma casa. "No ano que vem, se me chamarem, eu volto. Sou aposentado e trabalho por gosto. Se não vier convite, vou continuar fazendo o que estou fazendo agora, enquanto falo com você: vendo muito futebol na televisão".
E o futuro?
"Já fui o treinador mais jovem do Brasil, agora sou o mais velho. Não tenho medo de nada, nem do futuro, nem da doença. Estou com um problema no nervo ciático, fiquei até com uma perna mais fraca que a outra, mas não aguentei fazer mais do que duas sessões de fisioterapia, um troço muito chato".
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