O historiador Frederico de Castro Neves, da Universidade Federal do Ceará, afirma que entre 1870 e 1900, 94 clubes de futebol foram criados no Brasil por ferroviários ou pessoas ligadas às ferrovias. Dois desses clubes, de nomes semelhantes, decidem hoje (16), às 16h, o título da Série D do Campeonato Brasileiro, no estádio Presidente Vargas, em Fortaleza. O Ferroviário precisa de um empate contra a Ferroviária de Araraquara. O primeiro jogo, no interior de São Paulo, terminou sem gols.
Os nomes são iguais, a gênese é parecida, mas há diferenças. O Ferroviário, mais antigo, nasceu da decisão dos trabalhadores da Rede de Viação Cearense, enquanto a Ferroviária nasceu da vontade de um engenheiro da Estrada de Ferro Araraquara. Aliás, a influência do transporte ferroviário no futebol brasileiro vem desde a fundação do primeiro clube, o Sport Club Rio Grande, de Rio Grande. O campo ficava no terreno da Companhia Auxiliar de Ferrovias no Brasil, uma empresa belga.
Mas voltemos ao nosso duelo de trilhos, que definirá um campeão. "Nosso clube foi criado por operários, somos a união do Matapasto e Jurubeba", afirma o presidente Aderson Maia, do Ferroviário.
Matapasto e Jurubeba? Sim, isso mesmo. A história vem de longe e já tem 90 anos. No início dos anos 30, a Rede de Viação Cearense instalou na periferia de Fortaleza oficinas de manutenção de locomotivas. Foram contratados operários que ali residiam, muitos fugindo da fome e da seca do sertão. O trabalho era duro e havia horas extras das 18h às 20h, após o expediente normal que terminava às 16h25. Ora, o que fazer nessa hora e meia, praticamente o tempo de uma partida de futebol? Jogar bola, claro.
Classificação e jogos
O rachão tinha dois times: o Matapasto e o Jurubeba, que "homenageavam" ervas daninhas que precisavam ser retiradas para que se criasse um campo. Aí, o movimento cresceu e as forças se uniram para a criação em 9 de maio de 1933 do Ferroviário Atlético Clube, com as cores vermelho, preto e branco em listras verticais. "Fomos o primeiro clube profissional do Ceará", diz Aderson Maia.
O escudo que tinha rodas e asas mudou em 1946 quando um sócio que era torcedor do São Paulo preferiu o modelo atual, igual ao clube paulista. "Agora vamos mudar. Estamos com um projeto de remodelação do escudo", diz o presidente.
Quatro anos depois da criação do brasão que tem dias contados, outro clube a 2.900 quilômetros de distância também foi fundado a partir de uma ferrovia. Em 12 de abril de 1950, o engenheiro Antonio Tavares Pereira Lima, junto com alguns colegas, fundou a Associação Ferroviária de Esportes. Perceba que a sigla AFE remete à EFA, Estrada de Ferro Araraquara.
Pereira Lima queria que o clube tivesse as cores azul e branca como homenagem ao estado da Guanabara. Sua ideia foi derrotada e optou-se pela cor grená, muito parecida com as cores dos vagões de trem da companhia. Dois anos depois, Pereira Lima criou a Associação Desportiva Araraquara com suas cores preferidas.
Histórias paralelas
Ferroviária e Ferroviário cresceram, com sucessos e contratempos. Apenas nove anos depois de fundada, a Ferroviária ficou em terceiro lugar no Campeonato Paulista, atrás apenas de Palmeiras e Santos. No ano seguinte, excursionou pela Europa, enfrentando Porto, Sporting de Portugal e Atlético de Madri.
Por três vezes consecutivas, de 1967 a 1969, foi campeã do Interior. Revelou jogadores como Dudu, que formou dupla com Ademir da Guia no Palmeiras, seu sobrinho Júnior, que também atuou no Palmeiras e que, agora como treinador, é conhecido como Dorival Júnior, e Bazzani, o grande craque que não teve sucesso no Corinthians.
O final dos anos 90 coincidiu com a grande decadência da Ferroviária, que chegou à quarta divisão do Campeonato Paulista. Em 2003, em meio à crise, foi criada a Ferroviária Futebol S/A para cuidar do gerenciamento do clube. Em 2015, após 19 anos, voltou à série A do Paulista.
Hoje, o clube pertence ao empresário Giuliano Bertolucci e seu filho, Filippo. Caiu para a série B do Paulista e teve um início ruim na Série D do Brasileiro. Trocou de treinador e as coisas entraram nos eixos. Com Alexandre Lopes, que era do sub-20, a Ferroviária se classificou em último lugar em seu grupo e passou a disputar o acesso sempre no campo adversário. Assim, eliminou Hercílio Luz, Anápolis, Souza e Athletic. E está na final.
O Ferroviário que se cuide, mas se depender da campanha, é o favorito. Como foi o primeiro em seu grupo, passou a decidir sempre em casa, ao contrário do rival pelo título. Eliminou Princesa do Solimões, do Amazonas, Nacional da Paraíba, Maranhão e Caxias, confirmando o acesso.
A Série C está garantida, mas é, segundo o presidente Aderson Maia, apenas um passo. "Queremos o título, é claro, mas estamos de olho na Série B em 2025".
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Quero receberComo primeiro time da capital a ganhar um título nacional - a própria Série D em 2018 - a ascensão do Ferroviário se insere em um grande momento do futebol do estado. Dos dez times que disputam o Estadual, sete estão em campeonatos nacionais. "A Federação ajuda bastante e por aqui optamos por gestões profissionais. O Fortaleza deu o exemplo e todos seguimos", diz o presidente.
O Ferroviário conseguiu arrecadar R$ 4,85 milhões em premiações na temporada. Na Copa do Brasil foi R$ 1,65 milhão, na Copa do Nordeste R$ 2,4 milhões e mais R$ 800 mil na Série D. Tem ainda patrocinadores e 2.200 sócios, um conjunto que lhe dá um bom respaldo financeiro. E que permite uma base para negociações visando aos sonhos futuros. "Nós acreditamos que a SAF será uma realidade no Brasil. Também queremos participar, mas não será na base do desespero. Estamos fortes e bem estruturados para negociações. O Ferroviário continuará sendo um time popular", diz o presidente.
E o título ajudará, seja quem for o campeão, com o perdão do trocadilho, a entrar nos trilhos.
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