Após 887 dias, massagista do Náutico é inocentado de crime que não cometeu

"Acabou este pesadelo na minha vida. Agora, eu posso deitar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilo." Foi assim que Paulo Mariano, o Paulinho, de 29 anos, massagista do Náutico, explicou seu momento atual na vida após ser inocentado de um crime que não cometeu no dia 22 de agosto. De um crime que, se houvesse um pouco menos de açodamento, um pouco mais de cuidado e menos melanina em sua pele, ele nunca deveria ter sido acusado.

O pesadelo começou em 25 de fevereiro de 2021, quando algo fora da ordem aconteceu no Centro de Treinamento do Náutico. Os homens não eram jogadores, médicos ou membros da Comissão Técnica do clube. Eles procuravam por Paulo Mariano e o encontraram facilmente. "Eram três policiais civis com um mandado de prisão para mim. Foi uma surpresa enorme. Nunca tinha entrado em uma delegacia e, de repente, fui para a prisão. Fui preso sem saber o que estava acontecendo", disse Paulinho.

No caminho para a prisão, ele entrou em contato com Amanda, sua esposa. "Ele me enviou a foto do documento, um mandado de prisão. Eu não acreditei e entrei em pânico. Fui correndo para a delegacia para onde estavam levando ele. Sentia muito medo, não conseguia acreditar no que estava acontecendo e tinha plena certeza de que havia um erro", conta Amanda.

Sem ter o que fazer, Amanda passou a noite sem conseguir dormir com os filhos Luan e Luna, que tinham três e um ano, respectivamente. "Foi uma mistura de vários sentimentos ruins, uma aflição enorme por não ter notícias, imaginando sempre o que ele estaria sofrendo. As piores coisas passavam pela minha cabeça e eu chorava bastante".

Amanda é promotora de vendas em uma financiadora e foi trabalhar como em todos os dias. No mesmo horário de sempre. A gerente da loja notou que ela não estava bem e, depois de uma conversa, indicou sua cunhada, advogada, para tratar do assunto.

Paulinho, massagista do Náutico, e sua esposa Amanda
Paulinho, massagista do Náutico, e sua esposa Amanda Imagem: Arquivo pessoal

Virgínia Kelle da Silva Barreto aceitou o caso e, durante todo o processo, se aproximou muito da família. "A Amanda foi uma leoa nesse período todo. O Paulinho é um rapaz de muita fé. Hoje, estamos muito próximos", diz. "Ela é muito mais do que uma advogada, é uma amiga", continua Amanda.

Paulinho ficou preso no Centro de Triagem Professor Everardo Luna por 23 dias sem contato com a família. Eram tempos de covid-19 e as visitas eram restritas. "Nesse período todo, eu estive com ele por 15 dias. Tratava de conseguir sua liberação, mas ia lá para repetir todos os dias que eu acreditava nele e que aquilo iria terminar", diz Virgínia.

Não era só ela que acreditava. Os companheiros de cela também acreditavam nele. "Eu sabia que eles tinham cometido alguma coisa e fiquei com medo, claro. Mas eu fui acolhido por eles. Disseram que dava para ver na minha cara que eu não era bandido e não tinha feito nada de errado. Ninguém mexeu comigo. Deus cuidou de mim naqueles 23 dias", disse Paulinho.

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A advogada Virgínia reforça o "eles tinham cometido alguma coisa" dito por Paulinho. "Na verdade, ali era um centro de triagem, uma sala de espera onde os presos ficavam 14 dias antes de ir para a prisão. E não havia separação. Todo dia chegava gente: sequestrador, homicida, coisa assim. Mas eles acreditaram sempre no Paulinho".

A rotina na prisão era quebrada algumas horas por jogos de futsal na quadra. "Eu passava por lá, dava uma olhada e voltava para a cela. Não tinha vontade de fazer nada".

Fora dali, a rotina de Amanda também era terrível. "As crianças perguntavam do pai e eu disfarçava. Não sabia se contava da prisão para o pai dele, que sofre do coração e que havia passado por uma operação havia pouco tempo. Pensei que as coisas iriam se resolver logo, mas o tempo passava e nada. Eu não tinha escolha. Não podia ser fraca, então não me permiti cair, fiquei firme, embora estivesse despedaçada por dentro".

Paulinho abraça Amanda aó deixar a cadeia. Ao lado, a advogada Virgínia Kelle da Silva Barreto
Paulinho abraça Amanda aó deixar a cadeia. Ao lado, a advogada Virgínia Kelle da Silva Barreto Imagem: Arquivo pessoal/Virgínia Kelle da Silva Barreto

Depois de 23 dias, em 21 de março, Paulinho deixou a prisão depois que Virgínia Barreto conseguiu um habeas corpus. Algo que, segundo ela, nem deveria ter acontecido. "Não havia necessidade de ele estar preso. Tinha emprego, residência fixa e nenhum antecedente criminal."

E se a prisão era um erro, o caso todo recebe outro adjetivo por parte da advogada: surreal. O assalto ao ônibus aconteceu na comunidade de Joana Bezerra e Paulinho mora em Maranguape 1, muito longe dali. Mas piora ainda mais. No dia do assalto era a noite de Natal de 2018 e Paulinho estava em casa com a família. Colocou fotos nas redes sociais. Era fácil comprovar que ele não estava ali.

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Eram quatro assaltantes. Alcidésio, menor, morreu durante o processo. Gabriel foi solto e assassinado e Romão foi solto. Alcidésio disse que havia uma quarta pessoa chamada Mariano. E o nome igual levou a Paulinho. "A acusação era muito frágil. Alegavam, por exemplo, que Paulinho era seguido no Facebook por pessoas que moravam em Joana Bezerra. E daí, né?"

Os erros, segundo Virgínia, se acumulavam. "Disseram que o motorista deu três depoimentos reconhecendo Paulinho. E ele nega, disse que só foi uma vez na delegacia e que assinou uns papéis que lhe deram. Estava muito assustado e nem percebeu direito o que seria."

A família de Paulinho é ligada ao esporte. Seu pai se aposentou como massagista do Santa Cruz. O irmão é massagista do Sport e a mãe é cozinheira no Náutico. Houve uma certa comoção com a prisão por ser injusta. Tudo ajudou para que se comprovasse a inocência anunciada no dia 22 de agosto.

"Esse pertencimento a uma parcela da sociedade ajuda, dá voz. Há muita gente que não tem isso, não tem esse apoio e continua presa sem ter feito nada. Há bandidos, sim, mas há muitos Paulinhos presos sem culpa de nada", diz Virgínia Barreto. "Já houve caso de cliente me perguntar por que estava passando por isso e eu respondi com toda a sinceridade: você é preto e pobre, este é o motivo", completa.

E o caso merece alguma reparação, doutora?

"Cabe uma ação indenizatória sim, devido aos erros da máquina do Estado. Foram erros básicos, desde a formação da culpa até o inquérito. Estamos conversando com o Paulinho para ver o que ele pretende fazer. Será que vale a pena reviver tudo o que passou? Foram 887 dias desde a surpresa pela prisão até a inocência que agora permite um sono reparador. Não está mais em companhia de criminosos e sim de sua mulher. O pavor deu lugar à tranquilidade de sempre. Paulinho vai pensar bem no que fazer. O que ele sabe é que por Amanda, Luan e Luna tem obrigação de trabalhar e trabalhar. Agora, em paz."

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