Críticas à diretoria geram punições no Flamengo e conselheiros vivem tensão
Conselheiro e membro eleito do Conselho Fiscal do Flamengo, Julio James é alvo de uma comissão de inquérito após críticas à diretoria em uma rede social e em um grupo privado de WhatsApp. Esse é o episódio mais recente de algo que se tornou comum na Gávea: investigações e punições a membros da oposição.
Conselheiros ouvidos pelo UOL relataram um aumento nas demandas persecutórias e não esconderam que tal rotina causa um temor sobre futuras críticas e punições.
A reportagem teve acesso à mensagem publicada por Júlio no grupo, após saber da investigação. Ele lamentou e disse que acreditava que ali seria "um fórum seguro para debater". O conselheiro foi procurado e limitou-se a informar que estava finalizando a defesa e não poderia se manifestar.
Há algumas semanas, Túlio Rodrigues, conselheiro e jornalista do "Coluna do Fla", sofreu sanções depois de opinar negativamente sobre a atuação de Antonio Alcides, presidente do Conselho Deliberativo, no caso da camisa 3, que sofreu alterações após aprovação do Conselho.
"A minha crítica aconteceu em um comentário que fiz como jornalista. Houve uma reunião no Deliberativo e um vice-presidente, basicamente, admitiu que a camisa 3 teve alterações porque o presidente do clube quis assim, e isso ao lado do presidente do Deliberativo, que não defendeu o órgão. Depois, fui informado sobre a punição", disse.
Na defesa de Túlio, à qual o UOL teve acesso, foram apontadas incoerências quanto à punição em relação até mesmo ao estatuto. O documento corrobora com relatos ouvidos pela reportagem, que indicam inconsistências nas denúncias e punições diante das regras que regem o Flamengo.
Rodrigo Rötzsch foi punido pelo Conselho Diretor em 2020 após críticas quanto à forma que o clube estava conduzindo temas relacionados à pandemia de covid-19.
À época, ele era um dos dirigentes do "Flamengo da gente" e o processo aconteceu após uma participação em uma live no canal do jornalista Mauro Cezar Pereira, que também é colunista do UOL.
"Houve uma reunião em Brasília e fiz um comentário em meu Twitter pessoal sobre uma foto do Landim com Bolsonaro, sem citá-lo nominalmente. Depois, admiti que usei o termo que ele considerou ofensivo. Fiz esse comentário em maio, e o processo foi aberto em junho após participação na live, quando citei que o 'Flamengo da Gente' tinha enviado 20 perguntas ao Conselho Diretor relacionadas à pandemia, e não houve resposta. Fui incluído em vários artigos e acusado de vazar assuntos internos, mas condenado no artigo 49", conta.
O artigo fala em "veicular expressões desonrosas, por qualquer meio de comunicação, contra o Flamengo, ou os membros de seus Poderes, em campanha eleitoral, ou em razão de suas funções".
"O termo era sobre o Landim, o processo foi aberto pelo Landim, na condição de presidente do Conselho Diretor, e o Landim participou do julgamento na primeira, no Conselho Diretor, e segunda instância, no Conselho de Administração", completou.
As repeensões também têm impactos nas urnas. O estatuto diz que, dentre as condições gerais para o exercício do direito de voto, está "não ter sido punido pelo Flamengo nos três últimos anos anteriores à eleição". Para concorrer aos cargos de presidente e vice, "ter mais de cinco anos de vida associativa ininterrupta".
Rodrigo e Arthur Butter, outro conselheiro punido, por exemplo, integravam a chapa de Walter Monteiro em 2021 e, devido às punições, não puderam participar do pleito. O candidato ficou na terceira colocação, um voto atrás de Marco Aurélio Assef.
Assef, inclusive, está fora da corrida eleitoral do ano que vem. Ele sofreu sanções em março, após se manifestar em um grupo de WhatsApp com mensagens que foram consideradas ofensivas a Antônio Alcides, antes de sessão que julgaria, justamente, a anulação do título de Grande Benemérito de Kleber Leite, ex-presidente do Flamengo.
"A perseguição reiterada de opositores no Flamengo aparenta forte medo do resultado nas urnas em 2024. Importante destacar a excessiva sensibilidade dos atuais dirigentes as críticas. A arrogância bem como a prepotência, associada à falta de competência em matéria de futebol, leva a atual direção no caminho de uma autocracia parecida com uma monarquia absolutista", apontou.
Eduardo Bandeira de Mello foi outro alvo de sanções. Em agosto de 2021, foi suspenso do quadro de sócios após entrevista em que disse ter "quase certeza" que o incêndio no Ninho não teria acontecido durante a sua gestão, alegando que a base já tinha mudança de módulo programada.
Na ocasião, o ex-presidente afirmou que, em um "processo com motivação política", foi "punido por crime de opinião". Em abril de 2022, ele teve o recurso aprovado pelo Deliberativo.
"Acho que, contra mim, houve uma fúria persecutória que espero que tenha melhorado. Fui alvo de três processos. Um em 2018, pela venda do Paquetá, aberto por Rodrigo Dunshee, então presidente do Deliberativo. Depois, pelas cores das chapas [na eleição], e houve ainda esse terceiro caso envolvendo o incêndio. Venci em todos", lembra.
Alguns conselheiros punidos preferiram não comentar as punições recebidas, ressaltando que a "reincidência" é o quarto ponto citado no artigo 35, que fala sobre "circunstâncias que agravam a penalidade".
"O Conselho Diretor se acostumou a um clube em que manda, desmanda e é capaz de punir e calar opositores", disse um deles, que preferiu se manter em anonimato.
O UOL procurou o Flamengo, mas não obteve respostas até o fechamento desta matéria. Caso o clube se posicione, o texto será atualizado.
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